Codema adia reunião em meio a pressões por audiência pública sobre anuência para ampliar minas e pilhas de estéril da Vale

Foto: Carlos Cruz

Pela primeira vez em muitos anos, desde 1986, quando foi criado o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) – o primeiro da sociedade civil organizada itabirana – o órgão ambiental adiou, de última hora, uma reunião previamente agendada para esta sexta-feira (14).

O adiamento ocorre justamente quando a principal pauta da reunião seria o pedido de anuência da mineradora Vale para dar continuidade ao processo de licenciamento ambiental estadual para a ampliação de cavas nas Minas do Meio (Dois Córregos, Periquito, Onça, Chacrinha e Esmeril) e Conceição, além da instalação de novas pilhas de estéril.

A justificativa apresentada para o adiamento da reunião desta sexta-feira para a próxima sexta-feira (21) foi, como se diz popularmente, “a mais esfarrapada possível”. Confira:

“Informamos que a reunião do Codema, inicialmente prevista para o dia 14/03, será adiada para o dia 21/03, devido a conflitos na agenda da Secretaria ocasionados pelas atividades programadas para o corpo técnico esta semana.”

Esse comunicado foi enviado somente na tarde de ontem aos conselheiros. Estranhamente, a imprensa não recebeu o mesmo comunicado, que normalmente é enviado pelo mesmo mailing eletrônico que convoca os conselheiros para as reuniões do órgão ambiental municipal.

Desconfianças

Para o conselheiro Leonardo Reis, representante da Cáritas Diocesana no Codema, a justificativa apresentada não convence.

Ele acredita que a verdadeira razão para o adiamento foi a pressão exercida pela sociedade civil e lideranças políticas, exigindo a realização de uma audiência pública municipal antes que o Codema delibere sobre a anuência, pré-requisito para o pedido de licença ambiental prosseguir.

“Essa demanda por uma audiência pública tem tido repercussão significativa, com a maioria dos vereadores apoiando, assim como a deputada estadual Bella Gonçalves e diversos setores da sociedade civil itabirana. Isso pode ter influenciado a decisão por adiar a reunião do Codema”, acredita Leonardo Reis.

Ele também avalia que o próprio governo municipal, “responsável por iniciativas como a retomada do orçamento participativo, pode estar considerando apoiar a proposta de audiência pública antes de qualquer decisão final sobre a anuência ao projeto da Vale, daí o adiamento da reunião de hoje. Reis espera que essa decisão esteja sendo seriamente considerada.

Continuidade do Complexo Minerador de Itabira

A solicitação da anuência do Codema pela Vale visa dar continuidade à regularização da ampliação das referidas cavas e pilhas, na modalidade de licenciamento ambiental concomitante com as licenças prévia, de instalação e de operação.

A justificativa apresentada é de que tal medida é essencial para garantir a continuidade da lavra e beneficiamento de minério de ferro no complexo Conceição por pelo menos mais uma década e meia. O pedido da audiência pública será novamente discutido pelos conselheiros na reunião do Codema, programada agora para a próxima sexta-feira (21).

A ampliação é considerada vital para manter a produção local de cerca de 30 milhões de toneladas anuais, possivelmente para além de 2041, horizonte previsto para a exaustão mineral no Distrito Ferrífero de Itabira, conforme o último relatório Form-20 encaminhado à Bolsa de Nova Iorque pela mineradora Vale.

O processo de licenciamento das cavas e pilhas foi iniciado em 27 de fevereiro do ano passado na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Porém, somente em abril deste ano chegou ao conhecimento da SMMA e começou a tramitar no Codema, após o vencimento do prazo para que fosse requerida a necessária audiência pública junto ao órgão ambiental estadual.

Este site noticiou o início do processo em 27 de fevereiro, em matéria que pode ser lida aqui:https://viladeutopia.com.br/apos-negociar-minerio-da-serra-serpentina-com-a-anglo-vale-da-inicio-a-processo-de-licenciamento-ambiental-para-ampliar-minas-de-itabira/.

Contudo, nessa ocasião, o prazo para que entidades representativas da sociedade itabirana requisitassem a audiência pública já havia expirado. Isso sempre ocorre, pois a divulgação dessa possibilidade é feita apenas no portal oficial da Semad, sem ampla divulgação.

Audiência Pública Municipal

A realização de uma audiência pública municipal é vista como essencial para garantir a participação popular em um debate amplo sobre o projeto da Vale.

Leonardo Reis reforça que a realização de uma audiência pública municipal é um direito previsto na Lei Municipal n° 5.186, que atribui ao Codema a competência de realizar e coordenar audiências públicas no município.

Para o conselheiro da Cáritas Diocesana no Codema, o relatório técnico apresentado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) é inconsistente e insuficiente. Ele também critica duramente o termo de compromisso assinado entre a secretária municipal de Meio Ambiente, Elaine Mendes, e representantes da Vale.

O acordo prevê uma compensação considerada insuficiente: um repasse de apenas R$ 800 mil, em três parcelas, para a implantação de um horto florestal. Para ele, isso não compensa adequadamente a supressão de vegetação nativa em áreas protegidas no município, como as APAMs Piracicaba e Santo Antônio.

Além disso, as principais compensações ambientais para essa expansão de cavas e pilhas de estéril não serão realizadas em Itabira. A Vale planeja ações em outras localidades, como a doação de uma área ao Parque Natural de Gandarela, em Rio Acima, e investimentos no valor de R$ 576,1 mil em projetos do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio).

Isso reforça ainda mais a necessidade de uma audiência pública para cobrar explicações e medidas que realmente beneficiem o município.

Condicionantes não cumpridas e dívida histórica

Além disso, várias condicionantes previstas em licenciamentos ambientais anteriores continuam pendentes de cumprimento.

Um exemplo é o Parque Municipal Natural Ribeirão São José, cujo projeto foi elaborado em 2004 por uma equipe multidisciplinar da Universidade Federal de Viçosa, contratado pela Vale.

Apesar de aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico (Comphai) e pelo próprio Codema, esse projeto ficou apenas no papel, com maquetes exibidas no centro cultural na época.

O projeto previa a criação de um parque temático de geração de energias renováveis (hidráulica, fotovoltaica e eólica), um espaço ecológico voltado ao lazer, educação ambiental e turismo.

Guardadas as proporções, o Parque Ribeirão São José era para ser algo comparável ao Inhotim, em Brumadinho – uma antiga mina desativada da Itaminas que se transformou em uma das maiores atrações turísticas, culturais e ecológicas de Minas Gerais e que tem patrocínio da Vale, mesmo não fazendo parte de seu passivo ambiental.

Outro exemplo é o cinturão verde, que deveria ser implantado entre as minas e a cidade, assim como ao longo da ferrovia. Esse projeto, essencial para mitigar os impactos ambientais da mineração, também não foi concluído integralmente.

Além disso, a conversão de florestas homogêneas (pinus e eucalipto) para restabelecer o bioma original da Mata Atlântica em várias áreas pertencentes à Vale, da mesma forma, segue pendente em Itabira.

A condicionante relacionada à água só agora começa a ser atendida, mais de 25 anos após a aprovação da LOC em 2000. Esse atraso só está para ser superado devido à intervenção do Ministério Público de Minas Gerais, que garantiu a execução da medida por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Esse acordo foi firmado com a Vale, estabelecendo o compromisso de realizar a transposição de água do rio Tanque para atender às necessidades atuais e futuras de abastecimento da cidade.

No entanto, não se sabe até quando essa solução será viável, considerando que o rio enfrenta os mesmos desafios de muitos outros: redução do volume de água, erosão das margens, assoreamento do leito e a crescente ausência de mata ciliar, essencial para sua proteção.

Porém, a mitigação dessa situação não foi incluída entre as condicionantes para a aprovação do projeto ambiental, tanto para sua instalação quanto para sua operação, após a conclusão das obras.

Reparação histórica: um chamado à ação
A Vale precisa deixar de seguir a ‘Lei de Gerson’ e parar de buscar vantagem sobre tudo (Foto: Reprodução)

Leonardo Reis enfatiza que a audiência pública municipal representa uma oportunidade histórica para Itabira exigir reparações pelos danos causados pela exploração mineral, que, ao longo de décadas, impacta o município em diversos aspectos que já deveriam ter sido mitigados há muito tempo.

A pressão popular é crucial para dobrar a “gulosa” mineradora Vale, como a chamava o poeta Carlos Drummond de Andrade, por querer levar vantagem sobre tudo, como na tristemente famosa Lei de Gérson, canhotinha de ouro da seleção brasileira, em propaganda de cigarro na década de 1970.

“Vamos cobrar uma reparação histórica da Vale que permita superar a dependência econômica do município, com ampla participação popular, em um momento inusitado, no qual a Vale precisa de Itabira e não o contrário”, finaliza o conselheiro da Cáritas Diocesana no Codema.

 

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