Chorographia mineira – Município e Comarca de Itabira
Mauro Andrade Moura
Revisão – 4ª parte
A Chorographia Mineira, da parte de Itabira, foi-nos legada pelo Monsenhor Júlio Engrácia nos idos de 1907 como correspondente do “Archivo Mineiro”.
Cidade – sua posição – História
“Bem perto do extremo Leste e Norte da Comarca levanta-se, quase pontiagudo, o Pico de Itabira, com 1600 metros acima do nível do mar, tendo fronteiro a Sul e Oeste o seu aumentativo, à distância de 9 quilômetros, havendo entre eles depressão, onde jazem terras de cultura e possibilidade de entradas. São duas gigantescas moles separadas do resto das cordilheiras que limitam a região.
Itabiruçu é uma pirâmide quadrangular, quase regular, acessível de todos os lados, e ao longe, avistada de qualquer ponto, tem sempre o mesmo aspecto. É presa ao pico de Itabira por uma linha de montanhas, que lança-se de Sudoeste a Nordeste e começa e termina entre as duas moles, como um gradil entre duas colunas.
O maciço de Itabira é só acessível a Leste, sendo cortado em desfiladeiros pelos outros lados, mas só no extremo e a pirâmide. Na fralda desta mole, olhando a Leste, e começando no ponto onde começa a ascensão do Pico, está a Cidade, que dele derivou seu nome.
Abaixo logo da serra, servindo-lhe de contraforte, há um a cadeia de morros com 1400 metros sobre o nível do mar, e cortados aqui e ali por desfiladeiros que dão saída às águas nascidas da Serra e é no capricho sinuoso das fraldas desses morros e dessas gargantas que se acha a 1300 metros sobre o mar, por conseguinte 300 abaixo do Pico, a cidade de Itabira, a 19º20´ de latitude Sul e 44º de longitude Oeste do meridiano de Paris (Greenwich) e 24º do do Rio de Janeiro.”
Monsenhor Júlio Engrácia aqui nos apresenta o traçado da Serra do Espinhaço dentro da cidade de Itabira, a sua formação e ligação dos antigos e enorme picos que fechavam-na de Leste a Oeste no perímetro norte.
Cita o Pico de Itabira a Leste, que por ter o mesmo nome do pico da atual Itabirito, em algum momento do passado os itabiranos passaram a adotar o nome de Pico do Cauê e o Pico do Itabiruçu a Oeste, o qual chamamos atualmente de Pico da Conceição pelo fato da veneração católica à senhora da Conceição.
O antigo Pico do Cauê hoje é uma enorme cratera de 2 quilômetros de diâmetro e chegou a ter uma profundidade abaixo de sua base de 300 metros. Atualmente a sua imensa cava é usada pela Vale para deitar os rejeitos a partir da extração do minério da serra de ligação dos antigos picos monumentais.
Não nos esquecendo que esta mineradora prometeu deixar essa cratera para ficar como uma grande represa d´água e assim repor o lençol freático da cidade.
A extração de minério de ferro em maior volume iniciou-se em 1940 como esforço de guerra do Brasil no confronto mundial, era incipiente por ser manual e com a ferrovia ainda em Nova Era (antiga São José da Lagoa). A partir de 1950 começaram a chegar novos equipamentos, estruturou-se a ferrovia e a extração alavancou de uma maneira ainda impensável naqueles dias.
A extração do minério de ferro no Itabiruçu/Pico da Conceição teve um aumento substancial a partir de 1970 e com a implantação da usina de refino e apuração do ferro e novo ramal ferroviário após 1972.
Itabira chegou a ser o maior sítio de extração de minério de ferro a céu aberto do planeta Terra, foi-se agregando tecnologia e após 1994 conseguiram beneficiar o minério “itabirito duro” na mina da Camarinha e atualmente com o nome mal dito de minas do Meio.
Escreveu ainda monsenhor Engrácia que Itabira não era uma cidade antiga; há poucos anos, existiam pessoas que lembravam de ter visto mata virgem onde hoje é a melhor parte da cidade e, onde foram abertas as principais ruas, em meio a lamaceiros que faziam o flagelo dos viandantes. Como eram todas as nossas povoações, também originárias da mineração, pelas beiras dos regatos, que facilitavam a lavagem do ouro.
A partir daí foram lançadas as primeiras habitações, sendo que o primeiro velho e forte sobrado foi demolido para a construção de um horrendo edifício residencial no bairro da Penha, nome este dado também ao córrego que ali desce e que um pouco mais abaixo une-se ao córrego do Campestre.
Como de costume e pela condição de o reino português adotar o catolicismo como a única religião possível dentro de seus domínios, erigiu-se a ermida Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, atualmente chamada de igrejinha do Rosário, que foi tombada pelo antigo Sphan como patrimônio nacional , em 1937.
A respeito deste templo católico escrevemos:
Após relevantes estudos familiares, concluiu-se que o mestre de obra dessa ampliação da ermida do Rosário, Francisco da Costa Lage, descendia de judeus sefaraditas e tendo uma tetravó e pentavó sofrido os estertores nas masmorras da santa inquisição católica em 1618, em Lisboa e Évora, respectivamente.
Conta-nos ainda monsenhor Engrácia: -“Mas a tradição da mais antiga família do lugar vai buscar seu tronco em um lar que, ao menos estender, nos começos do passado século, já era habitante aclimado e cultivador a 12 quilômetros a Leste do Pico (Itabiruçu). Com toda a probabilidade histórica em 1710 encontra-se o casal Bastos e Senhorinha, aquele português imigrante e esta já filha de família, há anos residente no lugar denominado Gaspar”.
Por falta de documentos em mãos, monsenhor Engrácia equivocou-se a respeito do casal Bastos e Senhorinha, pois nos registros da família podemos afirmar que os avós maternos da dita Senhorinha vieram de Gaspar (atual Morro do Pilar), orientando-se pelo Pico do Itabira (Cauê) a Sudoeste e por aqui chegaram em 1720 capitaneados pelos irmãos Albernaz, sendo estes também cristãos-novos.
A respeito dos irmãos Albernaz, encontra-se nos arquivos históricos de Mariana e do Rio de Janeiro a prisão do Salvador Faria de Albernaz por ser cripto-judeu (judeu praticante), tendo ido o mesmo residir e explorar sua data mineral em Santa Rita Durão. Obviamente que Salvador Faria de Albernaz teve todo o seu patrimônio sequestrado em 1730 pela santa inquisição católica.
Os avós de Senhorinha eram o casal Elias Corrêa de Alvarenga e Mécias Lemes de Andrade, sendo que uma das filhas dele, a Andreza Alvarenga, casou-se com o cripto-judeu Salvador Faria de Albernaz.
Outro equívoco do monsenhor Engrácia é quando cita que Senhorinha descendia do grande chefe paulista Amador Bueno. Apresentamos parte de sua genealogia para constatar este equívoco:
-Elias Correia Alvarenga casado com Mécias Lemes de Andrade – avós
-Margarida Correia Lemes casada com João Francisco Basto – pais
-Senhorinha Maria Clara de Andrade casada com Francisco da Costa Lage, citado acima.
Portanto e na verdade, Senhorinha era filha do português João Francisco, oriundo de Cabeças de Celourico, localidade de Bastos, no Norte de Portugal, o qual chegou a Itabira por volta de 1730 e também fugindo possivelmente do tribunal da inquisição católica portuguesa.
Detalhe, Maria Antônia Cândida de Jesus/Teles de Meneses, esposa do Major Lage e nora de Senhorinha Maria Clara de Andrade e Francisco da Costa Lage, além de mãe de duas “Senhorinhas”, esta sim era descendente do aclamado Amador Bueno de Ribeira e Bernarda Luís.
Cita ainda monsenhor Engrácia que em 1705 o padre Manoel do Rosário, unido a João Teixeira Ramos, começaram a faiscar nos córregos acima designados (Rosário e Campestre), e era tão abundante o ouro que, voando fama, correram centenares de exploradores.
Data-nos com alguma precisão a respeito da descoberta da maior jazida aurífera em Itabira: -“em 1781 foi que João Francisco de Andrade e seu Francisco da Costa Lage, descobrindo ouro na serra em maior abundância, deram novo impulso ao povoado que começou d´então a florescer”.
João Francisco Andrade também era filho do casal Senhorinha Maria Clara de Andrade e Francisco da Costa Lage, portanto cunhado e sócio do Francisco da Costa Lage.
João Francisco Andrade não casou e também não deixou geração, tendo nomeado o sobrinho Joaquim da Costa Lage – Major Lage, como herdeiro universal de seus bens.
A partir da descoberta, em 1781, do ouro na serra do Itabiruçu foi criada a Sociedade Velha de Mineração e que depois passou para Sociedade Nova de Mineração. Essa empresa englobava a Camarinha (mal dita minas do Meio) e Pico do Itabira/Cauê que, no tempo do Major Lage, era denominado Minas do Campestre, pois era dali que escorria o córrego do Campestre.
A Sociedade Velha de Mineração era composta por:
-João Francisco de Andrade;
-Francisco da Costa Lage;
-Ângelo Custódio de Meneses, tio da esposa do Major Lage; e
-Gonçalo Roiz.
Posteriormente e por declaração do Major Lage, em 1830, a data mineral do Itabiruçu foi vendida aos ingleses. Tendo sido reconfigurada a empresa mineral que passando a ser denominada Sociedade Nova de Mineração, a qual ficou restrita sua administração ao Major Lage e maior participação dos filhos e genros.
Ficando assim compartida essa administração com os genros do Major Lage:
-a mina da Camarinha com o Guarda-mor Custódio Martins da Costa, que era casado com a Senhorinha Antônia de Alvarenga; e
-a mina do Campestre/Cauê com o Comendador Casemiro Carlos de Andrade, que era casado com a Senhorinha dos Santos Alvarenga, sendo esta a mais velha.
Entretanto, e por total falta de conhecimento geral desta história, a família nunca vendeu o Pico do Cauê aos ingleses; o certo é que associaram-se na empresa Itabira Iron Sociedade Anônima. Porém é sabido que os ingleses sempre foram uns aldrabões, enganadores. Aqui nas Minas abarcaram tudo como se dono de tudo fossem.
Em palavras de um bisneto do casal Francisco Roberto da Costa Lage, que era casado com a sobrinha Vergínia Augusta de Andrade – filho mais novo com a neta do Major Lage, o marceneiro e luthier José Martins Cruz conta-nos que a sua centenária bisavó nunca vendeu a Camarinha e sim cedeu a sua saudável e mineral água para uso dos moradores de Itabira pelos idos de 1930.
Certo é, que Elias Corrêa de Alvarenga e Mécias Lemes de Andrade não foram o primeiro casal a aqui chegar, mas eles foram os primeiros que deixaram vasta descendência por toda a região.
Por último, deixo os versos bem ditos do descendente mais reconhecido do casal Elias Corrêa de Alvarenga e Mécias Lemes de Andrade:
O maior trem do mundo
Carlos Drummond de Andrade
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
– Publicado em 1984 – Jornal “O Cometa Itabirano”.
caroamigo, já encontrei o padre Júlio Engrácia na BN-Rio e no que ele tinha o apelido o padre tagarela.
Mauro, acho que tá hora de você publicar em livro os seus estudos. Pensa nisso… beijoca e muito obrigada.
Nha amiga Cristina, com calma chegamos lá.
A revisão resenha da Chorographia do Mons. Engrácia vai ao ritmo do Tutu Caramujo, mas um dia concluímos.
São muitas as lacunas a serem preenchidas.
Grato pela leitura,
Mauro, o sem livro
Olá! Será que você poderia compartilhar a fonte, sobretudo em relação a Elias e Mécias, por gentileza?
Então, Laura.
O que se tem a respeito do casal Elias e Mecias é o que se encontra na literatura a partir de 1946 no Annuário Genealógico.