Chorographia mineira – Município e Comarca de Itabira

Mauro Andrade Moura

revisão – 11ª parte

A Chorographia Mineira, da parte de Itabira, foi-nos legada pelo Monsenhor Júlio Engrácia nos idos de 1897 como correspondente do “Archivo Mineiro”. 

Sequência

Distrito de Antônio Dias-abaixo 

“Posição – História – O distrito de Antônio Dias-abaixo (atualmente Antônio Dias), colocado em 19º 30’ de latitude sul e 6’a leste do meridiano do Rio de Janeiro, está a 60 km a leste da cidade de Itabira. Limita a sul sudeste e leste com o distrito de Alfié, com km no ponto mais distante e 9 no mais próximo; a noroeste e norte com o de Joanésia com 30 km, a leste e nordeste com o sutão dos Rios Piracicabas e Doce, desabitados; a oeste com o distrito de S. José da Lagoa (atual Nova Era) a 18 km e com Santa Maria na mesma direção. O Distrito tem a sede no povoado do mesmo nome e é o mais antigo do vale do baixo Piracicaba. 

Foi levado à categoria de freguesia em 1832, com o título de N. S. de Nazareth, mas seu começo perde-se nas lendas dos descobridores da região. Foi fundado em consequência da extração de ouro, ali abundantíssimo, nas margens do Piracicaba e outros córregos, a ele afluentes.” 

Ouro há e sempre houve naquela bacia. O que falta é o interesse na extração do valioso metal dourado, pois a represa da usina hidrelétrica de Sá Carvalho vem há uns setenta anos recolhendo todo o material que desce com o Rio Piracicaba. Ficando, portanto, essa represa como grande reserva de ouro da região.

“Pelos vestígios deixados pelos mirantes, parece terem vindo os exploradores águas acima do Rio, depois de entrados em sua barra no Rio Doce, daí a 96 km e fizeram tão poderosos serviços, que tiveram a coragem de mudar o leito do caudaloso Rio, no lugar até hoje denominado Rombo. A tradição liga esses nomes aos primeiros aventureiros que descobriam Cuieté e Guandú nos fins do 16º século, mandados e auxiliados pelos governadores da Bahia e os primeiros de Minas. O nome de Antônio Dias ficou ligado ao do Cap. Antônio Dias Adorno, em 1573 enviado explorador por Brito de Almeida, governador da Bahia, embora outros o queiram ligar a Antônio Dias, taubateano, que com outros companheiros, entre os quais o Pe. Faria, em 1699 descobriram as minas de Ouro Preto. Quando os Governadores das Minas começavam a favorecer a exploração dessas matas, foi pela margem direita do Rio Doce estabelecendo ao longo de seu curso uma ponte, depois conhecida com o nome de Queimada e diversos presídios militares, sendo o último em Cuieté, para garantia dos habitantes, contra os gentios antropófagos (os índios botocudos), e degredo de vagabundos a isso adrede recrutados. Os serviços mais extraordinários de mineração, como dissemos, são anteriores aos do ribeirão do Carmo (Mariana) pelos paulistas, dos quais nestas paragens não guarda lembrança a tradição, senão depois de muito habitados os lugares do Piracicaba. Como quer que seja, é certo que nos princípios de 18º século os dois Ribeirões, Onça Grande e Pequeno, que hoje correm no distrito de Alfié até perderem o nome no Piracicaba, já eram habitados por grande número de fazendeiros e, como sabemos, estes vinham sempre depois e em consequência dos trabalhos de mineração, podemos avançar a antiguidade de Antônio Dias-abaixo aos fins de 1500, ou princípio de 1600. Pouco aumentou, si é que não diminuiu, de seu primeiro estado, as construções o demonstram.

Tem uma Matriz sofrível e 2 pequenas capelas. Sua população é de 5.000 habitantes presumíveis. O povoado é banhado pela margem esquerda do Piracicaba, em um estreito passadiço de pedras, que formam taipaba.”

Igreja matriz de Santana de Alfié (Fotos: Mauro Moura)

Diz a história, diz a lenda, afinal a origem do início da colonização de Antônio Dias é somente por presumirmos, pois os registros são precários e os primeiros que podemos encontrar ainda é dos princípios de 1700.

Há também a bandeira do Sebastião Fernandes Tourinho, enviado por Luiz de Brito, que partindo de Vila Velha – ES, subiu a serra até chegar no Rio Doce e dali chegou no entroncamento deste rio com o Piracicaba em buscas das tão sonhadas esmeraldas na decantada “Lagoa do Vapabuçu”, isto no ano de 1573.

Nada feito, nada se pode afirmar, noção há, mas sem nenhuma resolução definitiva.

Sabemos também que os paulistas iniciaram suas buscas em diversas bandeiras em princípios de 1600 e já em 1620 o engenheiro/minerador alemão Gerald Betinik ou Betim/Beting retornou a São Paulo dizendo ter encontrado ouro no sertão que hoje conhecemos por Minas Gerais.

É dito que o mesmo foi assassinado por conta de guardarem o segredo deste sonhado “Eldorado”, o dito “Sabarabuçú”.

Geraldo Betim era avô materno de Maria Betim, a qual foi esposa do Fernão Dias Paes Lemes, o Governador das Esmeraldas, e também avô de José Betim, o qual doou o nome para a cidade de Betim.

Posteriormente com a chegada dos paulistas ao Ribeirão do Carmo (Mariana) e em Calambau, daí desceram acompanhando a calha do rio e chegaram na região de Antônio Dias, a fim de a colonizarem e poderem explorar o abundante mineral aurífero, tão sonhado e ainda mais decantado.

Diz-se também que o nome desta localidade advém de “Antônio Dias de Oliveira”, bandeirante que por aqui passou com os irmãos Camargos nos princípios de 1700.

Em 1720 encontramos registro do Capitão Manoel Martins da Costa como testamenteiro, sendo que o mesmo fora mandado para cá a fim de “apaziguar” os índios botocudos, que tanto amedrontavam os colonos que por aqui já se encontravam.

Posteriormente Manoel Martins da Costa e sua esposa Margarida da Silva Bueno herdaram a fazenda Rio do Peixe, que fica em Nova Era, dos pais dela, tendo sido esta fazenda todo o seu esplendor na época do ouro e depois foi a primeira grande propriedade agrícola de toda a bacia do Piracicaba.

De acordo com o recenseamento, Antônio Dias continua com pequena população, pouco mais de 5.000 almas dos finais de 1800. Isso decorre devido o fato da busca de empregos, preferencialmente na siderurgia em Timóteo ou Ipatinga, bem como na mineração em Itabira.

Etnografia

“Como se tenha, cedo, terminado o trabalho de mineração, a raça preta pouco estendeu-se; ou foi dizimada pelas febres palustres ali constantes, de modo que com a mestiça de africanos e bugres (índios) pode formar uma metade da população, Não há cidadãos de outras nações.”

Acreditamos que o panorama etnográfico ali não se alterou no decorrer do último século e gringos ali não há, pois a precariedade local espanta a todos no geral.

Sistema Hidrográfico

Povoado de Santa de Alfié, distrito de São Domingos do Prata

“O sistema hidrográfico de todo o distrito é o vale do Piracicaba, há ai caudaloso e navegável, abaixo da Cachoeira do Salto a 7 km do povoado rumo a nordeste. Esta cachoeira é uma majestosa queda d’água, em três tombos, estreitamente serradas de granito, formando-a a altura de 40 m e a entrada d’água em um canal de não mais 3 m. Treme a terra ao último tombo e uma nuvem de neblina esvoaça, trazendo sempre úmidas as margens em grande distância. Seu estampido, em horas serenas, é ouvido do alto do morro do Cruzeiro, que fica sobranceiro ao arraial do Alfié, a 20 km de distância. O Rio atravessa o terreno habitado do distrito de oeste a nordeste, recebendo como principais tributários os Ribeirões de Bicudos, Alfié, Oncinha, Onça Grande, na margem direita; e na esquerda os Serras, Negra, Cocais Grande e Pequeno, sendo este a divisa do distrito com Joanésia. Recebe muitos outros, menos apreciáveis, geograficamente, como ‘’Agua-limpa, Olaria, etc. 

O Piracicaba banhando Antônio Dias, despede-se do mundo social e vai daí sossegado morrer nas fauces do gigante que o espera daí a 84 km, desaparecendo como um rego artificial, aos olhos dos viajores, em um volume d’água de 800 m de largura com uma profundidade média de 2 m que é o Rio Doce. Nesse último percurso, afora uma ou outra clareira marcada por pobres choupanas, e as pastagens da fazenda do Alegre, o Rio por extensão dos 52 últimos quilômetros banha somente matas seculares, onde outrora calçou o pé do bravio botocudo coroado e hoje dos corajosos, em diversões cinegéticas. Há duas lagoas lindas pela sua posição, no cimo de montes, uma na fazenda do Theobaldo, outra na mata no lugar chamado Periperi.” 

O Rio Piracicaba desce seu curso meio morto meio vivo, devido à devastação de sua mata ciliar, assoreamento e esgoto sanitário lançado no mesmo por todas as localidades onde passa e também do oriundo dos afluentes, neste caso o Rio de Peixe que desce de Itabira.

Piracicaba é palavra da “língua geral ou nhengatu”, junção do tupi com o português, e daí temos pira (tupi)= peixe e caba (português)= acaba ou pouco peixe. Então temos peixe que acaba ou pouco peixe.

Já o Rio Doce, depois do vazamento da represa de lama oriunda da mineração de Alegria e Mariana, por total falta de cuidados da Samarco e de uma da sua proprietária, a Vale, antiga CVRD, vazamento este criminoso e ainda sem culpados julgados e condenados, somente os mortos enterrados, deveria passar a chamar “Rio Salgado”; salgado pelas lágrimas de dor do sofrimento daqueles que viram e enterraram seus familiares e amigos que viviam na soterrada enlameada Barra Longa.

O Rio Doce atualmente transformou-se em um mero canal d’água devido ao grande volume de rejeito com minério de ferro e argila, compactado pela alta densidade desse material em seu leito.

Ali já não há vida, os peixes acabaram de vez e só nos restou o excesso de mosquitos e pernilongos que proliferam a Deus dará pela falta de batráquios (rãs e sapos) disponíveis a conter o aumento da população deste inseto transmissor da febre amarela, dengue, xicungunha, paludismos e etc.

Em tempo, foi por conta do paludismo que a chegada da estrada de ferro a Nova Era e depois a Itabira atrasou por um bom tempo, devido à mortandade dos operários que trabalhavam ali naquele trecho de Antônio Dias.

Sistema Orográfico

No destaque, litogravura da Fazenda Rio de Peixe, que pertenceu a Manoel Martins da Costa e Margarida da Silva Bueno, extraída do livro “AMADOR BUENO, o aclamado na família lagoana”, 1945, do autor Pedro Maciel Vidigal

“É excessivamente montanhoso todo o distrito, havendo apenas algumas terras baixas nas margens do Rio, do Salto em diante. Não são simples acidentes e praticáveis, mas verdadeiras serras, ramificações do grande esqueleto que acompanha os dois Rios, e é por isso que são as estradas quase impraticáveis, colocando assim o distrito em concentração, só tendo comércio interno. São porém belas as paisagens naturais, não havendo desde o caudaloso Piracicaba até o menor regato nenhum que não forme cachoeiras, cascatas, cataratas e catadupas majestosas, e é raro viajar-se 2 km dentro desses alcantilados vales, sem que os ouvidos sejam agitados pelo fragor das águas.” 

“Cultura – As terras de cultura são de ótima qualidade; o clima é muito calmoso e o sol é canicular, a vegetação de extraordinária vida. Tudo produz com animadora fertilidade; porém o habitual o cultivo é o dos cereais, cana e já se vai desenvolvendo, posto que em pequena escala, o plantio do café. Os trabalhadores da mata-fora que já lutam com terrenos esgotados, são constantes e enérgicos na busca do pão e prestam-se concursos mutuamente e aos fazendeiros maiores; mas o de mato-dentro, por isso mesmo que, com pequeno trabalho fazem receita para o consumo, são indolentes e descuidados e em grande parte viciosos e turbulentos, como é de razão sendo descendentes de homiziados e degradados pela perseguição da polícia, por seus crimes. Como resultado dessa desordem vê-se o fato revoltante de sofrerem os últimos rigores da miséria indivíduos que com moderado esforço de trabalho, vivendo fartos, não consumiriam a 5ª parte de seus produtos. Fauna riquíssima: abundante de tapires, ou antas, nosso maior paquiderme bravio, do qual há duas famílias, que os naturais denominam sapateira a maior e cholé a menor; animais de grande força de tração que, domesticados, o que é facílimo, prestariam grande serviço à lavoura. Grande variedade no gênero felino, desde o negro tigre até a jabutirica, de proveitosas e lindíssimas peles.” 

“Há o veado mateiro, a paca e esses outros quadrúpedes menores; o tamanduá bandeira, o caitatú, o queixada, o tatu chamado canastra de enorme tamanho e etc. Os anfíbios são representados pelos jacarés, e os há até de 3m de comprimento, e pelas capivaras em número indefinido, pelas ariranhas (onça d’água) e pelas lontras e pelo jabuti. Em ornitologia é indescritível a riqueza em uma memória como esta, seria preciso escrevê-la em separado.

Ribeirinhos, rapinas, galináceas, trepadores, palmípedes abundam em todo tamanho e qualidade desde a inhuma, gigante das ribeirinhas, até o ciriri quase microscópico; desde o mutum, macuco-jacutingas, jaús, patos, até o tico-tico; desde a vermelha arara até o tuim; desde o grande gavião de penacho, o cancam, até o pequeno zombador dos caçadores. Todos os pássaros de melodioso canto, como o sabiá-sica, etc, enfim, e a cena mais arrebatadora que se possa imaginar o alvorecer da manhã serena, em um desses grandes areais que se irmanam nas beiras do Rio, ao despertar e lutar pela vida, desse mundo alado, que não sabe ainda temer a perseguição do homem.” 

Se restou algum espécime dessa fauna, ficou contida nos pequenos animais, sendo que onças e veados há muito foram eliminados daquela paragem, restando somente pelo nome da cidade Jaguaraçu, que em tradução livre do tupi para o português temos “onça grande”.

“Em ictiologia o Rio é pobre tanto em quantidade como em qualidade e seu nome lhe foi dado pelo indígena por esse fato. Piracicaba (pirá= peixe – cicab= fim) significa não há peixe: alguns piaus, piabanhas, trairas  e um ou outro surubi. “

Se o rio já era pobre, após a devastação nos últimos três séculos, como dito acima, morto está e a vida subaquática ali é o mínimo possível.

Eucalipto atrapalhando a paisagem

“A flora é surpreendente pelo gigantesco, pela variedade e pela beleza. Desde o colossal jequitibá, que costuma medir 6m de periferia até os tenros arbustos que vegetam à sua sombra, tudo é variedade: as lianas e parasitas de toda a espécie dão às margens do rio o aspecto encantador de alamedas floridas. Há mui poucas gramíneas e a menos conhecida é uma linda taboca, que perfeitamente desenvolvida não mede mais de 0,50 de altura e 0:004 de diâmetro, em folhagem perfeita e regular, e em moitas como as outras taquaras, servem de alimentação aos animais; grande variedade de musáceas. Há em grande quantidade a vauilha aromática – ceplacles epecacuanha – opuncia cocci – e o correspondente coccus sylvestris, de lindíssimo escarlate, que já tive ocasião de ver: – grande abundância de fibras severinias, que analisadas em Londres a 1862 e em Paris, pelos competentes, foram julgadas dignas de atenção e como uma importante indústria para o país.” 

O tempo do colossal jequitibá passou, ficou restrito a este escrito e atualmente temos uma região chacoalhada do exótico eucalipto, praga importada da Austrália e não produz condição para a reprodução natural da flora e fauna autóctone e, com a mecanização, a mão de obra hoje em dia é o mínimo para a vigilância e manutenção desta mata que só cabe um tipo de espécie arbórea.

“Indústria – É a pastoril a única existente e em estado muito imperfeito, Criam-se gado cavalar, muar e vacum, mas até hoje continuam rotineiros em sistema e raças, sem cuidarem em melhora-las com cruzamento de bons reprodutores, de sorte que não tem crédito no mercado nenhuma das três espécies, não obstante as extensas e fortes pastagens e o clima apropriado para qualquer espécie de criações. A indústria da extração do ouro está, há anos, abandonada, mas não por falta de minerais que ao contrário abundam em todo o vale, mas de coragem e de força necessárias para explora-la. Não é só o ouro, mas toda a sorte de pedras preciosas, nas encostas das serras, de que nos conservou a tradição notícias certas. Também, si houvesse exportação possível, o distrito teria uma riqueza vantajosa na extração de madeiras para toda a espécie de artefatos. A indústria comercial é pequena e só de consumo interior.” 

Indústria ali não há, nuca houve e a existente é um pouco mais abaixo na descida da serra, as usinas siderúrgicas de Timóteo e de Ipatinga. Entretanto, sendo estas grandes produtoras não somente do aço, mas de muita poluição, bem como no consumo do carvão vegetal que antes era produzido a partir da mata nativa e hoje da praga do eucalipto.

 

 

 

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4 Comentários

    1. Olá, Tita.

      Que bom saber estar apreciando a leitura da “Chorographia” em capítulos.
      Vou gostar muito de receber esse material, vamos ver se conseguiremos desdobra-lo em novas crónicas.
      Grato,
      Mauro

  1. Sou Novaerense e, surpreso, fiquei qdo se vê que cidades citadas são tão próximas e, todos da época, tinham um único objetivo….valeu a pena ler a reportagem.

  2. Olá Mauro, saudações Cariocas.
    Meu nome é Jayme Oliveira, por um tempo fui sacerdote na Arquidiocese do Rio de Janeiro, hoje licenciado pela Igreja. Na época conheci um pouco da história do Monsenhor Júlio Engrácia, assim como a história da cidade de Itabira. Peço, por obséquio, material sobre a vida deste Sacerdote; sua origem, família e atividades pastorais.
    Desde já agradeço a atenção.
    Jayme Oliveira

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