Centenário de Daniel de Grisolia é lembrado pelo seu filho na Câmara Municipal, já que Itabira se esqueceu de lembrar
Daniel em campanha eleitoral no distrito de Ipoema, em 1959
Fotos: acervo da família de Tobias
Carlos Cruz
Foi preciso o primogênito do ex-vereador e ex-prefeito Daniel Jardim de Grisolia (1959-63 e 1967-70), José de Grisolia, vir a Itabira para, na tribuna da Câmara, na sessão legislativa dessa terça-feira (28), lembrar aos vereadores e ao público presente, assim como também aos ouvintes das emissoras de rádio e portais de notícias que cobrem as reuniões legislativas, que os 100 anos de nascimento desse maior personagem da vida política itabirana, completado no dia 12 de fevereiro de 2023.
A verdade é que o centenário de nascimento desse grande ícone político itabirano passou batido na Prefeitura, Câmara e pela imprensa itabirana. Mas ainda é tempo de corrigir essa amnésia histórica e política coletiva, como bem lembrou o seu filho, em um discurso carregado de emoção e sentimentalismo.
“Pela primeira vez ocupo essa tribuna da Câmara, onde o meu pai militou, para falar ao público presente e lembrar do centenário de nascimento de meu pai. Faço isso para lembrar que, como ele lutou pela união dos itabiranos, convoco-os a abandonarem a discórdia e unirem as suas forças em prol de nossa terra, como o meu pai sempre lutou”, convocou o filho, que foi candidato a prefeito de Itabira, nas eleições de 1982.
“A união é fundamental. Eu aprendi isso quando criança com esse grande líder que foi o meu pai, juntamente com o amor à nossa terra. Itabira está doente e precisa de todos nós”, disse ele, referindo-se à iminente exaustão de suas minas, mas sem citar a empresa mineradora Vale, que é, em última instância, responsável por essa “doença”.
“É hora de demonstrar o nosso amor a Itabira. Antes de iniciar essa sessão, eu estava no gabinete da presidência e vi uma foto com o mesmo cenário dessa (pintura) que temos aqui no plenário. Só que em uma o Cauê está inteiro, enquanto essa daqui já mostra como foi acabando o pico que era um ícone na paisagem de nossa cidade”, discursou.
“O meu pai deu a vida por essa cidade. É por isso que, em seu centenário eu conclamo a união de todos vocês. Vamos celebrar a sua vida de luta por todo esse ano, para Itabira não virar uma fotografia na parede preta e branca, como a de Drummond, para virar uma foto colorida, como eu disse ao poeta quando o visitei em companha do meu pai”, conclamou Zezé di Grisolia.
Equívoco
Ao cumprimentar o filho de Daniel Grisolia, o vereador Reinaldo Lacerda (PSB) se equivocou ao dizer que o ex-prefeito abriu a avenida das Rosas e construiu o Centro Cultural. Quem fez isso foi o ex-prefeito Jairo Magalhães Alves (1978-81).
Mas acertou ao dizer que foi Daniel de Grisolia quem abriu o Cemitério da Paz, que ele próprio inaugurou, com o seu sepultamento no fatídico dia 19 de setembro de 1970.
Foi quando o ex-prefeito se matou com um tiro no ouvido, em seu gabinete na Prefeitura, que funcionava no casarão da rua do Centenário, onde hoje está instalado o museu de Itabira, depois de ser acusado de corrupção pela implacável Agência Governamental de Inteligência (AGI), percursora do SNI (Serviço Nacional de Investigação) da ditadura militar.
Depois nada se comprovou de corrupção contra Daniel de Grisolia. Essa é mais uma história itabirana até hoje mal-explicada, como tantas outras desses tristes tempos obscuros que se espera não voltem nunca mais.
“Foi o dia mais triste da minha vida. Eu estava na porta da Prefeitura quando Daniel chegou, encostou em mim e falou: ‘Tobias, adeus”. Eu perguntei: ô compadre, você vai viajar? Ele nada respondeu e subiu para o segundo andar. Daí a pouco, ouvi o estampido. E ele foi embora para sempre. Morreu o político mais querido de Itabira de todos os tempos”, contou José “Tobias” Caetano Belisário (1928-2021), em entrevista a este site.
Luta por Itabira
Entre as grandes proezas de Daniel de Grisolia está a sua luta por justiça tributária, ainda necessária, frente à extração em larga escala de seu minério de ferro e que gozava de imunidade tributária, como ainda goza por força da Lei Kandir.
Só em 1969, já no fim da vida, foi que o ex-prefeito viu parte de sua luta coroada de êxito, com a promulgação da lei federal que instituiu o Imposto Único sobre Minerais (IUM), revogado pela Constituição de 1988 – e que privilegiava o Estado no rateio desse tributo em detrimento dos municípios minerados.
Mas Daniel se viu também obrigado a vender as pedras de hematita que calçavam as ruas do centro histórico de Itabira à mineradora para pagar dívida contraída pelo município, pasme!
A autorização legislativa para a venda desse calçamento ocorreu com a aprovação da lei nº 284, sancionada pelo então prefeito Daniel Jardim de Grisolia, em 10 de junho de 1959, em seu primeiro mandato à frente desta urbe (1959-62).
Pelo artigo primeiro dessa lei, o executivo municipal foi autorizado a vender para a “Companhia Vale do Rio Doce o minério de ferro existente nas ruas Água Santa, Guarda Mor Custódio, Tiradentes, praça Benedito Valadares até a Prefeitura”.
E no artigo 2º fica-se sabendo um dos motivos para que a negociação acontecesse. “O resultado da presente venda será para o pagamento das dívidas desta Prefeitura àquela Cia.”
Mas havia também um “clamor popular” para que as pedras fossem retiradas das calçadas, conforme recorda a professora aposentada Celina de Figueiredo, que tem boas recordações daquela época.
“Doutor Pedro Guerra (um dos fiadores da Vale, no seu início em Itabira) foi o único vereador que votou contra a venda das calçadas. Foi chamado de retrógrado, quando na verdade ele tinha uma visão à frente de seu tempo.”
Naquela ocasião, Celina já morava em Belo Horizonte, mas lamentou o fim das históricas calçadas. “Quando chovia e o sol refletia nas calçadas, as pedras de minério brilhavam. Era uma cena muito bonita”, recorda, ainda nostálgica. “As ruas de Itabira calçadas com minério eram as únicas no mundo.”
Chão preto
Em substituição às genuínas calçadas de minério, talvez as únicas no mundo, por iniciativa de Daniel de Grisolia, as ruas receberam o recapeamento asfáltico. “Assim que foi asfaltada a rodovia que liga Itabira à BR, a cidade também passou a contar com a modernidade do asfalto”, relembra o engenheiro de minas Rubens Alvarenga, 70 anos, que na época era menino recém-chegado à Itabira.
“Lembro-me dos caminhões da Vale sendo carregados com as pedras de hematita. As pessoas apoiavam, achavam que a cidade estava se modernizando”, conta.
Foi Daniel quem urbanizou e asfaltou as ruas do bairro Pará em seu segundo mandato na Prefeitura, contou Tobias na mesma entrevista a este site. Mas antes, as ruas da cidade, que eram de chão batido, excetuando o centro histórico, foram calçadas pelo ex-prefeito em seu primeiro mandato. Foi ele também quem abriu a avenida Central, que hoje leva o seu nome.
Feito o serviço na cidade, Tobias conta que reuniu a sua turma para calçar as ruas dos distritos de Senhora do Carmo e Ipoema.
De volta a Itabira, quando foi preciso buscar água no córrego Pureza, já que os mananciais do Borrachudo e da Camarinha ficaram com a Vale para lavrar minério, Daniel recorre mais uma vez ao seu fiel escudeiro.
“Daniel falou assim: ‘Tobias, vamos buscar água na Pureza, mas tem um problema: no meio do caminho tem a fazenda de um homem baixinho, mas que é muito bravo. E é nosso adversário, ‘doido’ com Luiz Brandão (prefeito de Itabira de 1950/54), foi logo avisando.”
E lá foi Tobias com a sua frente de trabalho cavar o chão para instalar as manilhas. O fazendeiro bravo era Zito Matoso que, para sua surpresa, não criou caso. “As tubulações passaram pela sua fazenda sem que ele se importasse. Ficou tudo em paz. Era para o bem de Itabira”, contou o saudoso José “Tobias” Caetano Belisário.
Pois é justamente essa união, necessária para se fazer frente ao fim do minério, que Zezé di Grisolia quer ver de volta à sua terra natal. “Em prol de Itabira.”
Lindo acontecimento na Câmara!
A memória e o afeto.
Viva Daniel Jardim de Grisolia!
Foi uma grande figura, Daniel procurou e transformou a política itabirana bem como a cidade em si.
Daniel não foi o primeiro a ser sepultado no Cemitério da Paz, mas ficou como se fosse para todos.
Parabenizo Zezé Grisolia por manter a memória viva de seu pai neste centenário do mesmo.