Celso de Mello denuncia as sórdidas manobras golpistas de Bolsonaro, a quem chama de presidente menor e medíocre, sem noção de limites éticos

Foto: Carlos Moura/SCO/
STF/Divulgação

Impossibilitado de comparecer, por motivo de saúde, no encontro da Faculdade de Direito da USP, no próximo dia 11 de agosto, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, encaminhou carta ao ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo Luiz Antônio Marrey justificando a sua ausência. Na ocasião, ele faria a leitura do documento Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, no Pátio das Arcadas.

Na missiva o ex-ministro autoriza a inserção de seu nome entre os signatários desse já histórico documento e faz duras críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), por ele chamado de “presidente menor”. A carta aos brasileiras e brasileiros já é assinada por intelectuais, artistas e banqueiros, nomes de peso da política nacional, como também por estudantes da faculdade de Direito.

Pela importância e conteúdo da carta de Celso de Mello, o professor aposentado da USP Everaldo Gonçalves, que também assina o documento, sugere que seja lida no ato de lançamento da histórica carta às brasileiras e brasileiros, pelo seu conteúdo e importância no presente momento de ameaças golpistas que o país vive.

Para o ex-ministro, é necessário “reagir aos pronunciamentos de um político menor (e medíocre) que busca permanecer na regência do Estado, mesmo que esse propósito individual, para concretizar-se, seja transgressor do postulado da separação de poderes e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de nosso país.”

Celso de Mello diz ainda que o povo brasileiro deve dar resposta possível às graves ameaças golpistas que têm sido recorrentes nos pronunciamentos do eventual ocupante do Palácio do Planalto.

Segundo ele, é preciso “insurgir-se contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição”.

“Os pronunciamentos do atual Presidente da República, que muitas vezes se vale do sentimento do medo e da utilização da ameaça como instrumentos inidôneos e ilegítimos de ação política, parecem resvalar, perigosamente, para o terreno pantanoso das palavras sediciosas.”

Leia a seguir a íntegra da carta do ex-ministro justificando a sua ausência no ato público, com as críticas ao “presidente menor”:

Caríssimo MARREY,

O convite feito pelos organizadores do importantíssimo evento que se realizará, na São Francisco, no próximo dia 11 de agosto — e que me foi gentilmente transmitido por você— constituiu, para mim, motivo de profunda e imensa honra e, também, de inexcedível distinção, seja como antigo Aluno da Faculdade de Direito da USP (Turma de 1969), seja como cidadão, seja como Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal!

Recentemente, escrevi que o presente momento histórico vivido pelo Brasil revela-nos, em tom de grave admonição, que as instituições democráticas de nosso País e as liberdades fundamentais dos cidadãos, porque expostas a ataques dos hunos que as assediam com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las, sofrem risco imenso em sua integridade!!!

Neste momento delicado, em que o Brasil se situa entre o seu passado e o seu futuro, avizinha-se, perigosamente, a aproximação de tempos procelosos e nublados, impregnados, por seu efeito desestabilizador, de extrema gravidade e de sérias consequências para o regime democrático!

Torna-se importante, por tal razão, que aqueles que respeitam a institucionalidade e que prestam fiel reverência à nossa Constituição reajam —e reajam sempre com apoio e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil— às sórdidas manobras golpistas, às sombrias conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações pretorianas de submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!!

Necessário, pois, reagir aos pronunciamentos de um político menor (e medíocre) que busca permanecer na regência do Estado, mesmo que esse propósito individual, para concretizar-se, seja transgressor do postulado da separação de poderes e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de nosso País!

A resposta do povo brasileiro às graves (e ameaçadoras) manifestações do atual Presidente da República, indignas da majestosa importância da Lei Fundamental de nosso País, além de necessária e imprescindível, só poderá ser uma: insurgir-se contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição!

Tal objetivo traduz justa razão para que a sociedade civil —valendo-se dos meios legítimos proporcionados pela Constituição da República e atuando por intermédio dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público— insurja-se contra os excessos governamentais, contra as conspiratas urdidas por setores retrógrados infensos à necessidade de respeito pela ordem constitucional, contra os comportamentos políticos desviantes e contra o arbítrio dos governantes indignos e desprezíveis!

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco é a minha “alma mater”!

A escolha do solo sagrado das Arcadas reveste-se de altíssimo significado simbólico, pois nelas, historicamente, sempre floresceram e têm sido permanentemente cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia!

O “espírito das Arcadas” não sofre solução de continuidade! Envolve as gerações de ontem, de hoje e de sempre!!! Elas exprimem o indelével sentimento de perenidade… Esse “espírito das Arcadas” —de que você também se acha impregnado— traduz o signo luminoso de nossa identidade comum, o vínculo poderoso que nos transforma, historicamente, em uma comunidade concreta sob a égide dos valores comuns da liberdade, da democracia e do respeito ao Direito e que conferem identidade e homogeneidade ao nosso sentimento de “pertencimento”, à nossa percepção de que integramos, orgulhosamente, um ente místico destituído de temporalidade, que reflete, aqui e agora, todos os momentos que compõem o itinerário histórico de nossa “alma mater”…

São os vultos do passado (e também do presente) que nos inspiram nessa jornada mágica pelos caminhos da vida pessoal, acadêmica e profissional, inclusive aqueles que, mesmo havendo ingressado e cursado as Arcadas, nelas não se graduaram: Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, José Antonio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente), Lafayette Rodrigues Pereira (Conselheiro Lafayette ), Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Ruy Barbosa, José Bonifácio, o Moço, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Affonso Penna, Campos Salles, Rodrigues Alves, Prudente de Morais, Washington Luis, Arthur Bernardes, Wenceslau Braz, Bernardo Guimarães, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato, Miguel Reale, Goffredo da Silva Telles Junior (meu Professor e vulto inspirador e inesquecível dos tempos acadêmicos) e os 13 (treze) Presidentes da República (entre eleitos ou empossados) que passaram pelas Arcadas do Largo de São Francisco, entre outros vultos notáveis!

Os pronunciamentos do atual Presidente da República, que muitas vezes se vale do sentimento do medo e da utilização da ameaça como instrumentos inidôneos e ilegítimos de ação política, parecem resvalar, perigosamente, para o terreno pantanoso das palavras sediciosas!!!

Vejam-se, entre outras, por expressivas, suas manifestações em 7 de setembro do ano passado e o recentíssimo discurso de aceitação, neste domingo de julho, de sua candidatura presidencial!!!

Bolsonaro, além de sua distorcida visão de mundo (“Weltanschauung”) , sustentada e exposta por quem ele realmente é, desnuda-se ante a Nação como um político medíocre e que, além de possuir desprezível espírito autocrático, também expôs-se, em plenitude, em sua conduta governamental, como a triste figura de um Presidente menor, sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado, capaz de respeitar a autoridade suprema da Constituição da República!!!

 Falece-lhe o valor fundamental da “gravitas”, que era uma nobre qualidade exigida pelos Romanos em relação aos que exerciam funções abrangidas pelo “cursus honorum”!

Na realidade, Bolsonaro – que constantemente insinua a possibilidade de um “coup d’État”, tal a sua profunda aversão à ideia eticamente superior de democracia constitucional – traduz, em sua trajetória política, a imagem de um governante que não está, como jamais esteve, à altura do cargo que exerce, pois lhe faltam estatura presidencial e senso de estadista, de “statesmanship”!!!

Todas essas razões levar-me-iam a aceitar o honrosíssimo convite que me foi dirigido, pois se torna imprescindível que a cidadania se pronuncie, de forma vigorosa e inequívoca, pela defesa intransigente da intangibilidade do regime democrático e de todos os consectários que lhe são inerentes!!!

Ocorre, no entanto, que, infelizmente para mim, ainda subsistem as graves razões que lhe expus há poucos dias, impossibilitando-me a altíssima honra e o enorme privilégio que eu teria de proceder à leitura, no próximo dia 11 de agosto, da “Carta aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”!

Peço-lhe, no entanto, que me conceda a honrosa possibilidade de registrar o meu nome como signatário de tão relevante e essencial documento na defesa institucional da democracia em nosso País! Se necessários outros dados identificadores (CPF e RG), basta avisar-me que eu lhos enviarei!

Uma última observação: retardei, até agora, a aceitação de tão honroso convite, na justa expectativa de que pudesse superar os problemas que me afligem há algum tempo!

Tal, porém, não se fez possível, a despeito de todo o esforço e tentativa que fiz!

Rogando a sua compreensão, despeço-me, cordial e afetuosamente, com as nossas tradicionais saudações acadêmicas!

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