Câmara aprova PEC da Impunidade e abre caminho para anistia a golpistas de 8 de janeiro
Foto: Lula Marques/ Agência Brasil
Propostas que dificultam punição de parlamentares e buscam anistiar envolvidos nos atos golpistas avançam sob pressão bolsonarista e colocam Congresso em tensão com Judiciário e sociedade civil
Valdecir Diniz Oliveira*
Em uma noite marcada por tensão e articulação política intensa, a Câmara dos Deputados aprovou nessa terça-feira (16), em dois turnos, a chamada PEC da Blindagem, também chamada de PEC da Impunidade.
A proposta dificulta a abertura de processos criminais contra parlamentares e restringe a possibilidade de prisão, mesmo em flagrante. Com 353 votos favoráveis no primeiro turno e 344 no segundo, o texto agora segue para o Senado, onde, espera-se, enfrentará maior resistência.
Blindagem e retrocesso
A proposta estabelece que deputados e senadores só poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis. E mais: a prisão deverá ser submetida à aprovação da respectiva Casa Legislativa em até 24 horas, por votação secreta.
Além disso, a abertura de ação penal dependerá de autorização prévia do Congresso, o que representa um retorno ao modelo anterior à reforma constitucional de 2001. A PEC também concede foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) a presidentes de partidos com representação no Congresso.
Juristas, entidades da sociedade civil e parlamentares de oposição alertam que a medida compromete a independência entre os poderes e enfraquece o combate à corrupção.
A crítica central é que a proposta cria um escudo institucional contra a Justiça, institucionalizando a impunidade em um momento de crescente desconfiança pública nas instituições e nos políticos.
Pressão bolsonarista por anistia amplia ofensiva
Paralelamente à aprovação da PEC da Impunidade, cresce a pressão da base bolsonarista para que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), paute a urgência da chamada PEC da Anistia, proposta que busca perdoar os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro, incluindo aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Embora Motta não seja o autor direto da articulação pela PEC da Anistia, ele se vê sob forte pressão de partidos como o PL, que exigem a votação como parte de sua agenda política para reabilitar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A movimentação ocorre em um contexto de chantagem institucional explícita: os mesmos parlamentares que agora cobram a anistia foram protagonistas da ocupação da Mesa Diretora da Câmara, em agosto, em protesto contra a prisão domiciliar de Bolsonaro determinada pelo STF.
Na ocasião, deputados bolsonaristas obstruíram fisicamente o plenário, impediram Hugo Motta de assumir sua cadeira e paralisaram os trabalhos legislativos por quase dois dias.
O episódio deixou o presidente da Câmara fragilizado politicamente e expôs sua vulnerabilidade diante da ala radical da oposição. Embora tenha cogitado aplicar punições sumárias aos envolvidos, Motta recuou – e encaminhou os casos à corregedoria, onde os processos seguem sem desfecho.
Desde então, a pressão por pautas de interesse do bolsonarismo, como a PEC da Anistia, foi intensificada. E Mota, em busca de preservar sua já frágil liderança, e evitar novos confrontos, passou a ceder espaço à agenda dos mesmos grupos que desafiaram sua autoridade.
A eventual votação da urgência da PEC da Anistia representa mais uma tentativa de apaziguamento político diante de um grupo que já demonstrou disposição para romper com o decoro e a institucionalidade, como ficou evidente na ocupação da Mesa Diretora da Câmara, em agosto, por deputados bolsonaristas.
Mesmo reconhecendo que a proposta pode ser considerada inconstitucional pelo STF e gerar novo desgaste institucional, Hugo Motta cede à pressão da oposição, especialmente do PL, que exige a votação como parte de sua agenda para reabilitar Jair Bolsonaro.
Governo se omite na blindagem, mas reage à anistia
Diante desse cenário, a estratégia do governo para esse caso parece ser permitir que a urgência seja pautada com o objetivo de derrotá-la em plenário. Isso encerraria o debate sobre uma anistia ampla e abriria espaço para uma versão alternativa, mais restrita, voltada à redução de penas.
Essa alternativa ainda poderia beneficiar Bolsonaro ao suavizar a condenação de mais de 27 anos imposta pelo STF, mas sem reverter sua inelegibilidade ou livrá-lo da prisão na Papuda, mantendo-o na prisão domiciliar em um condomínio de luxo em Brasília. Resta saber se o supremo acatará essa manobra casuística.
Essa manobra revela um jogo de forças delicado entre o governo, o Centrão e a oposição bolsonarista, em que cada movimento legislativo carrega implicações institucionais profundas. Isso não apenas sobre o destino de Bolsonaro, mas sobre os limites da responsabilização democrática no país.
Ambiguidade do governo e resistência no Senado
A postura do governo Lula diante da PEC da Impunidade foi marcada pela ambiguidade. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que o texto “não é de interesse do Executivo”, mas o Planalto liberou a bancada situacionista para votar como quisesse.
Ou seja, na prática, o governo não atuou para barrar a blindagem parlamentar, evitando confrontos com o centrão e mantendo a governabilidade como prioridade.
Já em relação à PEC da Anistia, o governo tem adotado uma posição mais firme. Gleisi pediu empenho dos ministros para barrar o requerimento de urgência e indicou que parlamentares da base que votarem a favor podem sofrer retaliações políticas.
A proposta da anistia é considerada “imoral e inconstitucional” por integrantes do governo, que temem que sua aprovação reabilite o bolsonarismo golpista e enfraqueça a democracia.
No Senado, a resistência é mais clara. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA), declarou que “a PEC da Blindagem não passa de jeito nenhum”, pois não haveria os 49 votos necessários para aprová-la.
A impopularidade da medida, somada à proximidade das eleições municipais, torna sua aprovação improvável. A PEC da Anistia, se pautada, também deve enfrentar forte oposição. A conferir.
O que está em jogo não é apenas o destino de Bolsonaro ou de parlamentares investigados, mas a credibilidade das instituições e a confiança da população no sistema político brasileiro.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador.
**Com informações da Agência Brasil, Folha de S.Paulo e O Globo.