Bolsonaro 7 x 1 Moro: nem quando poderia ajudar o lavajatismo prestou pra alguma coisa

Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept Brasil

Sergio Moro saiu do governo atirando não por motivos republicanos, mas porque foi traído. Aceitou ser ministro de Bolsonaro porque se via maior que o presidente – e de fato era, em popularidade e aceitação entre a classe média que se mantém minimamente longe da psicopatia. Moro, com a ideia de uma vaga no STF e a garantia de independência no ministério, levou toda a turma de Curitiba. Durou pouco e colecionou derrotas.

Seu principal projeto, o perigoso ‘pacote anti-crime’, foi decepado, com aval de Bolsonaro, que sancionou o cargo de juiz de garantias – sob protestos públicos de Moro – e tirou das mãos do ex-herói o Coaf, onde Moro e seus procuradores já costumavam ter um amigo para espiadelas ilegais em contas alheias. Queria um governo seu, paralelo; Bolsonaro pagou com o que se espera: traição.

Em depoimento à Polícia Federal, o ex-herói passou oito horas no prédio e pediu pizza. Gerou expectativa de delação premiada, disse que um vídeo confirmaria tudo. A imprensa cozinhou expectativas. E o vídeo não confirma muito. Na verdade, a sequência de frases dita por Bolosnaro durante a reunião o tira, por enquanto, das cordas. Nós sabemos que Jair queria, sim, controlar a PF no Rio para proteger o filho Flávio, mas isso não está absolutamente dado no vídeo chocado por Celso de Mello até ontem.

As promessas de Moro foram requentadas ainda mais pela parcela amiga da imprensa. Moro fala, publique-se. É assim, vocês sabem. Mas a montanha pariu um rato.

Na verdade, enquanto se estapeia publicamente com seu ex-ministro, Bolsonaro usa o episódio para reenergizar a base. Fora as frases escandalosas de sempre – quem se importa se ele fala palavrão? – o vídeo é ouro aos eleitores que ainda não abandonaram a gangue. Tem defesa demagógica do povo, tem palavrão (claro), tem armamentismo, ataque à imprensa e aos prefeitos e governadores, tem mentira sobre liberdade de expressão. Tem muito mais. É o enredo completo do plano extremista de destruição do que resta do país.

Gritamos na sala, mandamos áudios indignados pros amigos, mas perdemos a noção de como se cria de fato uma peça de propaganda positiva no seio do radicalismo da terra plana. Eles já fizeram carnavais em condições muito mais adversas. O vídeo já está sendo usado nas redes, com óbvio sucesso.

Ou: o que vocês acham de frases como essa?

“E o que me fez, naquele momento, embarcar junto era a luta pela … pela liberdade. Eu não quero ser escravo nesse país. E acabar com essa porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio.”

– Ela foi dita por Abraham Weintraub.

E que tal essa?

“São pessoas aqui em Brasília, dos três poderes, que não sabem o que é povo. Eu converso com alguns, não sabe o que é o feijão com arroz, não sabe o que é um supermercado. Esqueceu.”

– Ela foi dita por Jair Bolsonaro.

E essa?

“Os nossos seringueiros são em números maiores do que a gente imagina no Brasil. Então, tudo que nós fomos construir, nós vamos ter que ver, ministro, a questão dos valores também. A questão, os nossos quilombos estão crescendo e os … e os meninos estão nascendo nos quilombos e seus valores estão lá. Então, tudo vai ter que ver a questão dos valores.”

– Ela foi dita por Damares Alves.

Os clips já estão sendo espalhados pela internet, mostrando que até mesmo a portas fechadas “o governo está com o povo”. É falso, mas funciona. Sergio Moro fez um favor ao bolsonarismo. Quem acha o ex-juiz um gênio estrategista precisa repensar tudo.

Não escrevo isso pra reduzir a importância do que foi assistido pelo Brasil no final da tarde de ontem. Institucionalmente, esse vídeo derrubaria qualquer presidente. Dilma caiu por menos, Collor caiu por menos. Bolsonaro confessou até mesmo uma espécie de aparato paralelo de investigação. É uma quadrilha grampeando pessoas ilegalmente? Isso é grave.

Disse também que quer armar a população civil para uma guerra contra os demais poderes. É delinquência, e é gravíssimo. Mas tudo depende das instituições brasileiras, que estão mortas sem data para ressuscitar.

Não precisaríamos desse vídeo para destituir o governo. Motivos há de sobra sem precisar dessa denúncia esquálida e superestimada do ressentido e minguante Moro. O campeonato segue, e o vídeo pode, claro, ser uma peça importante no desmonte desse horror – um horror do qual Moro fez parte enquanto lhe convinha, lembre-se.

Mas o jogo de ontem foi 7×1 pro Jair. As imagens agora espalhadas pelo zap são gasolina para o bolsonarismo. Nem quando poderia ajudar o lavajatismo prestou pra alguma coisa.

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