Beber o morto com cabrito e batatas
Rafael Jasovich*
No domingo passado (10) morreu um grande amigo e companheiro de lutas por um mundo mais justo. Sérgio era um lutador. Morava fazia tempo em Ubatuba (SP). Foi acometido de câncer se tratou durante vários anos até que não resistiu mais.
Ele lutou o bom combate!
Amigos em comum com ele eram quatro que moramos na mesma cidade. E decidimos “beber o morto”, costume bem antigo quando se bebia cachaça no velório e os amigos contavam anedotas do morto, geralmente acompanhado de alguma comida ou petiscos.
Como não tem bebida sem comida lembramos que ele adorava comer cabrito, só ele conseguia preparar maravilhosamente bem, com batatas coradas.
Decidimos fazer o tal de cabrito (o que me permitia participar devido a minhas restrições alimentares, oh doença maldita).
Nenhum de nós sabia cozinhar esse bicho. Lembrávamo-nos de olhar ele fazendo, daí que íamos tentar de qualquer maneira como forma de homenagear o querido Sérgio.
Conseguimos comprar um pernil e costela do cabrito num açougue especializado. O dono nos disse que devido ao alto preço da carne, estava difícil sobreviver e ia fechar o comércio.
Segundo pesquisa, o povo brasileiro tem o menor consumo desta proteína da história. E aí, capitão, de quem é a culpa agora? Do PT?
Eu ia fazer a marinada onde o cabrito ficaria no mínimo 24 horas. Azeite, vinho branco, cebola, alecrim, alho, louro e limão. Coloquei tudo numa bacia e mergulhei as carnes.
Reunimo-nos na casa de uma amiga. Éramos os quatro companheiros, o cabrito e as batatas.
Começamos a beber e conversar. E ninguém se prontificava a preparar o bicho, todos com medo de errar. Dando umas risadas lembramos-nos de uma palhaçada do capitão que correu com uma caixa de cloroquina atrás das emas do palácio, ridículo ao extremo.
Por fim, um de nós decidiu tentar. Colocou os ingredientes numa panela e deu uma fervida rápida. Depois numa forma de barro colocou o cabrito e espalhou por cima os temperos (já frios) e forno nele.
Ferveu as batatas com casca, tiradas depois de uma fervura de não mais de 15 minutos. Deu uns murros nelas e em outra forma de barro as colocou com azeite e sal no forno para dourar.
Enquanto isso bebíamos e fazíamos brindes ao Sérgio, cada um lembrava de uma anedota. Ele chamava o capitão de ignorante, genocida e outras palavras impublicáveis.
Decidimos, já alegres pela bebida, esquecer por uns momentos a triste situação do Brasil, sem esquecer-se de um minuto de silêncio e recolhimento pelos mais de 600 mil mortos pela covid, sabendo quem é o culpado (intencional) dessas vidas truncadas.
Tiramos o cabrito e as batatas do forno e nos servimos. Ao experimentar, eu falei: ficou bom, mas o que Sergio preparava era melhor.
Vá em paz, Guerreiro.
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional.