Barragens de rejeitos de minério são riscos em Minas Gerais neste tempo de mudanças climáticas com eventos extremos
Itabira está cercada por barragens, como a de Itabiruçu que acaba de ser alteada para a cota 841 e tem licenciamento ambiental para atingir a cota 850, mesmo com “estudos realizados que demonstram a inviabilidade técnica”
Imagem: Google/ANM
Deputada Bella Gonçalves destacou que entes públicos não podem continuar culpando as chuvas e é preciso se preparar e se antecipar a possíveis catástrofes
ALMG – O Estado de Minas Gerais precisa se preparar melhor para possíveis catástrofes que podem ser fruto do aquecimento global, mas também da omissão e negligência humana.
Essa foi uma das conclusões de estudiosos, reunidos na manhã dessa quarta-feira (4) em audiência promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O aquecimento global é o aumento da temperatura média terrestre, causado pelas intensas e predatórias práticas humanas e pelo acúmulo de gases poluentes na atmosfera, o chamado efeito estufa.
De acordo com o presidente do Instituto Fórum Permanente do São Francisco, Euler de Carvalho Cruz, o aquecimento global está causando um aumento no volume das chuvas e secas mais extremas também, o que pode impactar de maneira decisiva as barragens mineiras que acumulam rejeitos da mineração.
“Hoje temos 63 barragens de rejeitos no Rio das Velhas. Em caso de chuvas mais intensas, pode haver rompimento, o que faria com que 70% de Belo Horizonte ficasse sem água, e 40 a 50% da Região Metropolitana sem abastecimento”, alerta o presidente do Instituto Fórum Permanente do São Francisco, Euler de Carvalho Cruz.
Segundo ele, em janeiro de 2022, choveu 209 metros cúbicos. “E se fosse o triplo, o que poderia ter acontecido? Quais barragens mineiras suportam os níveis pluviométricos que caíram no litoral de São Paulo este ano?”, questiona o ambientalista.
Como agravante, ele desta que muitas áreas onde se localizam as barragens mineiras faltam equipamentos para fazer medições mais precisas da quantidade de chuvas que tem caído no local. Essas medições poderiam permitir a realização de projeções futuras, para evitar o transbordamento das barragens.
“Não temos nenhum pluviômetro funcionando na região de Itabira (Central), não sabemos o que aconteceu lá esse ano”, observou o ambientalista, que vê a necessidade urgente de se ter uma rede maior de instrumentos, com pluviômetros públicos, que sejam confiáveis.
“Chuvas intensas como as que aconteceram na Região Metropolitana em 2019 seriam desastrosas em Araxá (Alto Paranaíba) e Paracatu (Noroeste), com barragens com rejeitos muito grandes e com potencial de se romperem”, disse.
O especialista pediu que a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) revise rapidamente os seus processos para os licenciamentos ambientais, sob novos critérios.
É o caso da barragem Itabiruçu, em Itabira, instalada a montante de vários bairros, e que pode atingir a cota de 850 metros – já atingiu 841, mesmo com os riscos que representa à população, a ponto de ter sido desativada a penitenciária do rio de Peixe, também a jusante da estrutura.
“Vamos licenciar como, se o mundo mudou? Se as barragens não forem resolvidas hoje, as gerações futuras vão ter de ficar tomando conta delas e destinar recursos para o descomissionamento. A sociedade pagará pelos lucros dos acionistas de hoje”, ele prevê.
Soluções rápidas são necessárias
Professor e representante do Fórum Permanente São Francisco, Júlio César Dutra Grillo ressaltou que é preciso pensar no que fazer para enfrentar as consequências da atual situação climática e agir de maneira rápida.
“A Defesa Civil precisa pensar em formas novas de alertar a sociedade. Só semana passada tivemos episódios muito sérios na Líbia, em Porto Alegre e em Nova York, três locais completamente diferentes. Se em Caldas (Sul) tivermos um evento extremo, o material radioativo pode chegar até Buenos Aires. E sabemos que a barragem de lá não está preparada para isso”, afirmou.
De acordo com o coordenador de Planejamento e Gestão de Barragens de Mineração (Eixo Central – MG) da Agência Nacional de Mineração (ANM), Claudinei Oliveira Cruz, ao falar sobre os desafios da agência reguladora, destacou o estudo de melhores formas para disposição de rejeitos da mineração.
Essa disposição ainda hoje, segundo ele, acontece por barragens em 92% dos casos. Daí que é preciso reestruturar a ANM para que possa exercer com maior eficiência a suas tarefas de fiscalização e monitoramento dessas estruturas de mineração.
“Temos 207 barragens em Minas Gerais, o maior número do País. Dessas, 120 estão com a vistoria em dia, pois mesmo em greve a fiscalização não para”, assegurou.
“Do total, 156 estão com Dano Potencial Associado alto. E 25 barragens embargadas, por não terem entregado as declarações de condição de estabilidade”, alertou.
Incúria humana
Autora do requerimento para a realização da reunião, a deputada Bella Gonçalves (Psol) afirmou que não dá para chamar de catástrofes naturais os eventos que acontecem por causa da ação do homem sobre o ambiente.
“Não é culpa da chuva, mas dos eventos extremos climáticos, provocados pelo próprio homem. Precisamos de novos estudos e nos preocupa saber que algumas das barragens mineiras aguentam apenas 300 milímetros de chuvas, de acordo com informações da Feam”, disse ela.
Ela ressaltou que recentemente ocorreram chuvas maiores que isso em outros estados. “Precisamos saber o quanto todas as nossas barragens aguentam para nos prepararmos”, cobrou.
Instituições buscam se antecipar a desastres
O coordenador adjunto da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, Ten. Cel. PM Carlos Eduardo Lopes, buscou ressaltar as ações que o Governo do Estado tem tomado para tentar se antecipar aos desastres e futuros rompimentos de barragens.
“Estamos trabalhando para aumentar a interlocução entre os órgãos e melhorar ações de segurança de barragens em nosso Estado. Queremos que os alertas por SMS sejam compulsórios, para que todos que estiverem nas áreas de interesse recebam as mensagens”, pontou.
“E intensificamos as fiscalizações conjuntas, nas estruturas das barragens e nas zonas de autossalvamento, para verificar se estão adequadas com a legislação vigente”, acrescentou.
Ele destacou ainda que, desde a promulgação da Lei Mar de Lama Nunca Mais, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens, mudou a percepção sobre a importância da segurança das barragens em Minas.
“Somos o único estado a dispor de legislação própria. Depois do que ocorreu em Fundão (Mariana) e Brumadinho, estamos mais atentos. Precisamos de cidades mais resilientes, que permaneçam estáveis, e nos antecipar aos desastres”, frisou.
A diretora de Gestão de Resíduos e Gestão da Qualidade e Monitoramento Ambiental da Feam, Alice Libânia Santana Dias, disse que realmente há a necessidade do aumento da rede de monitoramento de pluviômetros, com mais dados meteorológicos para melhorar e evoluir os modelos de segurança.