‘Banshees’ e o tempo para existirmos
O ótimo Collin Farrel disputou o Oscar de melhor ator pelo filme
Foto: Jonatham Hession/ Divulgação
Por Cynhtia Beatrice Costa
Indicado a nove Oscars, o filme irlandês nos transporta a uma forma ancestral e delicada de contar histórias
O Bule – Entre os filmes indicados ao Oscar deste ano, o irlandês Os Banshees de Inisherin, de Martin McDonagh (que concorreu a melhor diretor), possui uma característica peculiar: ele nos permite respirar, existir dentro daquela narrativa.
O que faríamos se um querido amigo simplesmente rompesse relações conosco, sem dar maiores explicações?
A pergunta nos persegue ao longo (e depois) desse conto singelo passado em uma ilha imaginária da Irlanda da década de 1920 — do continente, chegam notícias de uma guerra civil que ninguém entende e nem se esforça para entender, porque é inútil.
Nesse cenário idílico ou inóspito, a depender do ponto de vista, um violinista (o excelente Brendan Gleeson, indicado a melhor ator coadjuvante) se recusa a conversar com um antigo amigo (Colin Farrell, indicado com justiça a melhor ator), que, perplexo diante da inesperada rejeição, procura entender o que se passa – sua irmã (Kerry Condon, indicada a melhor atriz coadjuvante, perfeita no papel) o ajuda a entender. Nós, espectadores, também queremos entender.
Essa premissa quase infantil desdobra-se em uma experiência profunda de cinema e de vida. O fio da amizade rompida abre-se em várias pontas. Temos o padre e a Nossa Senhora vigiando de um lado e uma banshee, fada sombria do folclore irlandês, observando os acontecimentos do outro. A tensão entre catolicismo e paganismo é apenas uma de muitas. Mas a ancestralidade parece se sobrepor: é a fada quem avisa sobre as tragédias que estão por vir.
Com a linda fotografia de Ben Davis e a trilha sonora de toques célticos de Carter Burwell (também indicada ao Oscar), assistimos a homens adultos debatendo-se com os seus sentimentos e cometendo, pouco a pouco, atos cada vez mais extremos. Ao redor deles, uma galeria de personagens excêntricas da pequena comunidade insular.
Há o policial abusivo, a quitandeira fofoqueira, os donos do bar que assistem a tudo, um jovem em busca do amor que nunca teve (o ótimo Barry Kheogan, indicado a melhor ator coadjuvante) e… Nós. Há espaço suficiente para que nos mudemos, temporariamente, para aquela ilha escarpada, para que nos envolvamos com seus habitantes, compartilhemos dos seus dilemas e de sua acentuada solidão.
Na contramão da safra de filmes de ação, guerra e drama familiar (Top Gun, Nada de Novo no Front, Os Fabelmans), ultracoloridos (Elvis, Avatar), assépticos (Tár, Triângulo da Tristeza), um politizadíssimo (Entre Mulheres) e um particularmente frenético (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo), que arrematou sete estatuetas, o delicado Banshees convida-nos a um modo ancestral de contar e ouvir histórias; não se apressa, não complica, não racionaliza, apenas nos comove. Pode-se considerá-lo uma comédia ácida ou uma fábula com um toque nonsense, que pode nos fazer rir ou chorar, mas não nos obriga a nada.