Assim como Minas, Itabira são muitas
Por José Norberto de Jesus
Guimarães Rosa tinha razão ao escrever que “Minas são muitas”. O estado de Minas Gerais é, sem dúvida, múltiplo, tanto na diversidade cultural, como também social e geográfica.
É um território exuberante, economicamente potente – a terceira maior economia do país. Mas pode ser ainda mais. E a esperança renasce, a cada dia, muito embora não se deva confiar nas palavras dos homens públicos que por aqui campeiam.
Não há como negar essa capacidade atrativa e enriquecedora desse estado único, chamado Minas Gerais. Tantas são as contribuições que oferece ao País, porque não dizer ao mundo.
Sim… Minas são muitas. Distribuída pelo seu território em 853 municípios, é surpreendente a sua capacidade econômica, turística e desenvolvimentista – um estado economicamente potente pela sua agricultura e agronegócio. E, claro, também pela mineração, origem das Minas Gerais.
“Aqui, em se plantando tudo dá e cria-se”. Lembrei-me aqui agora, ao escrever essa crônica, do escrevinhador oficial da descoberta do Brasil. Desde a carta que o ghost-writer da frota de Pedro Álvares Cabral, o escrivão Pero Vaz de Caminha, em 1º de maio de 1500 escreveu ao rei dom Manoel I, comunicando-lhe o descobrimento do Brasil, as nossas belezas, a qualidade da terra e as boas intenções do povo de Santa Cruz ficaram conhecidas, embora isso não tenha servido para evitar o genocídio de seus habitantes originários.
Verdade seja dita. Cada município desse estado envolto por belas montanhas não precisa sofrer com complexo de inferioridade por não possui mar. Não precisa. Sua especificidade se multiplica pela beleza de cada lugar.
Da capital ao mais distante rincão, o que não faltam são as qualidades que cada município complementam na grandeza de tantas “minas”. Andando por essas “gerais”, montanhas, serras, picos e vales elevam nosso olhar a perder de vista.
Oh meu Deus! Quantas e tantas coisas bonitas se vêem nesta terra, que nos faz apaixonar e daqui não querer sair jamais. Boa parte desses municípios atraentes oferecem surpresas relativas aos atrativos de seus lugares de origem.
São essas riquezas que cativam quem por lá aparece para visitas, turismo ou mesmo para estabelecer moradia por motivos diversos. Cidadezinhas mineiras, históricas, cheias de encantos, com as suas ruazinhas estreitas, com o seu bucolismo de uma arquitetura sem outra igual.
Em Itabira, o município tem proporcionado inúmeras contribuições à população local e circunvizinhança ao se enveredar pelos mais diversos segmentos da cultura, do turismo, na indústria, na diversidade de sua economia criativa, na educação.
Por que não dizer do crescimento econômico e potencial evolutivo do município nos últimos anos. Contexto que tem impulsionado a evolução científica no campo do atendimento clínico, do qual vem se destacando na região.
É assim que Itabira tem se destacado nas áreas de saúde, educação como polo regional. E tem potencial a desenvolver no turismo e na cultura, que, somados, podem alavancar com a poética drummondiana.
Com tudo isso, historicamente o município não tem recebido a contrapartida que é merecedor do Estado e do país, pela riqueza que oferece muito além do minério de ferro que há mais de 77 anos abastece o mundo para fabricar trens, aviões, automóveis, edifícios, pontes que interligam as pessoas, enfim, tudo aquilo que se convencionou chamar de bens de consumo imediato e duráveis, tão necessários ao bem-estar moderno.
Mas infelizmente esse reconhecimento ainda não aconteceu, seja pela grande empresa, estado e muito menos pelo país. Daí que como já disse o escritor, professor e músico José Miguel Wisnik, em entrevista a este site, “a dívida histórica com Itabira não é só da Vale, é do país e do mundo”.
Das entranhas dessa cidade mineral saíram riquezas incontáveis originadas do ouro, que desde o período colonial, tem contribuído com o enriquecimento de Minas Gerais e do país. E saíram quase 2 bilhões de toneladas de minério, trituradas e levadas para alhures pelo maior trem do mundo. Como se dizia antigamente, “é a cidade que mais traz divisas para o país”. Ou pelo menos era.
O minério de ferro, essa matéria-prima riquíssima em seu teor, vem desde a Guerra de 45, servindo para a utilização e experimentos científicos, com aplicabilidade em várias tecnologias, seja na indústria bélica ou de ponta.
Hoje, sabe-se que o minério vem se exaurindo, deixando crateras que sequer são recuperadas conforme determinam as normas ambientais.
Temos também as “verdinhas do Mauro Ribeiro”, de cujas minas são extraídas esmeraldas cobiçadas em todo o mundo. Compradores de toda parte andam léguas atrás dessa pedra preciosa de beleza rara, e que são expostas em feiras internacionais mundo afora.
Pois bem, todo esse “nariz de cera” é para dizer que aqui há uma beleza excepcional que é a poesia do poeta Carlos Drummond de Andrade, que tão bem soube zelar com seus escritos distintos e irreparáveis pela sua terra natal, tornando públicas as perdas incomparáveis que persistem.
São relíquias e legados que não têm preço. Somente o itabirano sente o sentido deste apreço. É a ele, “o poeta”, o cronista e escritor que Itabira deve se voltar, dedicando total atenção, pois não há dinheiro, esmeralda ou minério que se compare a esse acervo de valor imensurável.
Drummond diante de sua simplicidade abriu os braços e acolheu a sua cidade natal. Valorizou o potencial que aqui se produz, cujo sentimento ele soube transpor para as palavras, dando a elas um significado profundo, que o distingue dos demais poetas, com a sua maneira peculiar, diria única no lidar com a arte de escrever.
O acervo contido na biblioteca Luiz Camillo de Oliveira Netto, instalada em espaço reservado ao lado do teatro do Centro Cultural, ou mesmo no Memorial CDA, onde é acomodado um acervo de qualidade inestimável do poeta, tem valor sem igual.
Não é à toa que se diz que Itabira respira poesia por todos poros. Quem visita a cidade se encanta com o Museu de Território Drummondiano, embora esteja em estado de abandono. É algo incomum, único.
A travessia pela cidade apontando traços de seu passado demonstra o carinho, o desenho traçado, que ele, o poeta, esboçou deixando pelos caminhos em vários pontos e trechos por onde passou.
E aqui nos deixou o legado de sua essência poética, dos versos impregnados de pura sutileza, que os olhares perscrutadores haverão de descobrir nas caminhadas pelo Centro Histórico. Uma Itabira que ele tão bem soube estimar e venerar.
Mas o que acontece com a nossa cidade, que se torna incompreendida diante de tanta riqueza, com tantos equipamentos turísticos, com sua beleza rara no olhar atento voltado para seus casarões de histórias infinitas?
Por que tudo haveria de ser atirado pelos porões da invisibilidade? Em tempos de pandemia, por onde andam os nossos poetas já chamados de cacarecos por aqueles que se julgam mais cultos em suas arrogâncias egocêntricas.
Nossos músicos, por onde andam, como estão fazendo para garantir a sobrevivência nesse tempo de palcos inexistentes, mesmo que se tente criar algo de novo com as chamadas “lives” desse pós-moderno que não se imaginava descambar por essa total falta de condições de trabalho para quem canta e ajuda a espantar todos os males.
Com a pandemia, nossos músicos já não cantam, nem encantam os nossos olhares e ouvidos ávidos de sentir o frescor destas cantorias que se misturam e tornam a região ainda mais fulgurante. Cadê a Quinta Cultural que fazia a alegria de gostar de boas músicas ouvir e curtir?
Quem anda pelos arredores pelo território desse grande município haverá de se deparar com a beleza espetacular de seus bosques, cuja natureza com suas cachoeiras, apresentam um ar turvo que não ausência, daqueles tempos cujo bucolismo o município é mais acolhedor.
Não vamos nos entristecer. Itabira continua sendo terra de ambiente acolhedor e de povo hospitaleiro, de farta e variada gastronomia regada a tanta história, que encanta e atrai a tanta gente, que adora ouvir bons causos.
São histórias atraentes, ricas nos trejeitos de contar, que os ouvidos atentos deixam se levar pela prosa leve e suave, que encanta pela beleza dos detalhes desse povo gentil e volto a dizer, hospitaleiro.
São sutilezas enriquecidas de detalhes que atraem aos ouvidos mais atentos, que fazem as pessoas serem conduzidas por essas ruas, becos e vielas, já descritas, embaladas pelas personagens de cada ponto dessas histórias.
Minas são muitas e Itabira são várias. Têm belezas minha terra, mas ainda há muito a se fazer para que seus encantos e valores não caiam no ostracismo.
Ou no desencanto por falta de uma política cultural que contemple toda essa potencialidade, não só artística mas também aquela que garante a subsistência e a reprodução contínua de nosso fazer cultural.
Que uma velha e rejuvenescida Itabira possa surgir com o novo alvorecer que virá para toda a humanidade. Ah! Essa pandemia, um dia haverá de passar… e o novo horizonte despontará em lugar do Pico do Cauê que um dia altaneiro se exauriu para enriquecer os orientais.
*José Norberto de Jesus, o Bitinho, é produtor cultural, idealizador do Festival UAI, um grande acontecimento itabirano na década de 1980
caro amigo, você percorre datas itabiranas, mas sobretudo você faz uma elegia amorosa e responsável aos artistas da cidade. De ação em ação, de lembrança e lembrança a gente não solta as mãos uns dos outros neste inferno de pandemia e pandemônios. Axé, caro amigo