Áreas de risco: voltam a ocorrer mortes anunciadas e gratuitas
Por Álvaro Rodrigues dos Santos
Dessa mobilização resultou, além de um intenso e extremamente produtivo debate técnico, um envolvimento sem precedentes de órgãos públicos diretamente ligados ao problema, de institutos de pesquisa e da Universidade pública, do que resultou em poucos anos um significativo avanço nos conhecimentos técnico-científicos relacionados a esses fenômenos e à produção de profusos estudos e mapeamentos de risco nas cidades brasileiras mais ameaçadas. Toda essa produção foi pronta e gratuitamente disponibilizada às autoridades públicas federais, estaduais e municipais na expectativa de sua aplicação em políticas e ações públicas voltadas a prevenir novas tragédias.
De tal maneira que pode-se dizer que como resultado geral desse esforço o país hoje conta com conhecimentos técnicos e científicos de primeira linha no que diz respeito a fenômenos de ordem geológica, geotécnica e hidrológica, com um substancial número de profissionais da área pública e privada perfeitamente habilitados a atuar no setor, com farto e qualificado material bibliográfico sobre questões técnicas e gerenciais pertinentes, envolvendo manuais, relatórios, livros, artigos técnicos, etc. e, mais importante, com inúmeros levantamentos e mapeamentos já executados e disponibilizados na maioria dos municípios brasileiros mais susceptíveis aos fenômenos de risco considerados.
Entretanto, todo esse suporte colocado à disposição das autoridades públicas federais, estaduais e municipais mostra-se extremamente subutilizado, considerando as medidas práticas e efetivas que dele teriam que naturalmente decorrer nos municípios envolvidos. Por decorrência, as áreas de risco, em vez de se reduzirem, continuam se multiplicando, e as tragédias, como seria de se esperar, repetem-se e se potencializam.
De sorte que a responsabilidade maior pelas tragédias que se repetem reside hoje na órbita das administrações públicas, ou seja, na órbita da operacionalização das determinações já produzidas pela área técnica.
Importante aqui considerar que todas as questões práticas e de campo, sejam de caráter emergencial, corretivo ou preventivo, dizem respeito à área de atuação municipal. E não poderia ser de outra maneira, pois é no município que as coisas realmente acontecem.
Não há dúvida, hoje o gargalo crítico que vem impedindo que os programas de gestão de riscos geológico-geotécnicos-hidrológicos colham melhores resultados está na questão municipal. Municípios de pequeno porte demandam direto apoio estadual e federal. Porém, municípios de médio e grande porte teriam que ter avançado muito mais na implementação das medidas necessárias, dadas as melhores condições políticas, técnicas e financeiras de que dispõem ou às quais tem mais fácil acesso.
Há nesse cenário um indisfarçável fator de irresponsabilidade pública no exercício do poder municipal, o que sugere como pertinente e indispensável uma intervenção do Ministério Público para uma boa solução do problema.
Infelizmente somente por esse caminho, o da coerção legal, haveremos de reduzir a possibilidade de novas e estúpidas tragédias que sistematicamente tem levado a morte e a desgraça a tantas famílias brasileiras de baixa renda que, por contingências sociais e culturais, são mais comumente levadas a ocupar áreas de risco como única alternativa de conseguir uma moradia dentro dos estreitos limites de seus parcos recursos.
*Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia
Colaborador e Articulista do EcoDebate
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/01/2020