Áreas de Risco: sistemas de alerta em caráter permanente constituem decisão oportunista, desumana e cruel

Álvaro Rodrigues dos Santos*

deslizamento de encosta
Deslizamento de encosta, Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Arquivo/Agência Brasil. No destaque, deslizamento de terra na Vila Paciência, em Itabira, MG (Foto: O Popular)

Dessa constatação, ou seja, a responsabilidade humana na instalação de áreas de risco, deduz-se que, diferentemente dos países com terremotos e vulcanismo ativo, por exemplo, no Brasil a eliminação do problema áreas de risco depende, na esmagadora maioria dos casos, apenas da decisão humana em não mais cometer os erros que estão na origem causal do problema.

Daí a importância em se distinguir o diferente papel dos sistemas de alerta naqueles países onde os fatores de risco são realmente naturais e incontroláveis e em nosso país, onde os fatores de risco são de origem antrópica, e, portanto, controláveis.

No Brasil, o papel de um sistema de alerta obrigatoriamente deveria cumprir uma função nitidamente emergencial e provisória. Ou seja, é indispensável sua adoção enquanto ainda estejam sendo efetivadas as medidas verdadeiramente estruturais voltadas à eliminação do risco detectado.

E quais seriam essas medidas estruturais voltadas à eliminação de riscos? Podemos assim elencá-las concisamente:

  • criterioso planejamento do crescimento urbano, via aplicação de uma Carta Geotécnica, impedindo-se a ocupação de terrenos com condições de muito alto e alto risco natural;

  • adoção de planos urbanísticos e técnicas construtivas corretas e adequadas na ocupação de terrenos de médio e baixo risco;

  • implementação de programas de habitação popular que atendam a demanda da população de baixa renda por casa própria, reduzindo assim a pressão pela ocupação de terrenos impróprios à urbanização;

  • desocupação de áreas de alto e muito alto risco natural já ocupadas, com realocação dos moradores para novas habitações dignas e seguras;

  • consolidação urbanística e geotécnica de áreas de médio e baixo riscos já ocupadas.

Desgraçadamente, por incúria, desvios éticos e total descaso com o ser humano, essas medidas estruturais destinadas à eliminação dos riscos não recebem a mínima atenção dos três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal.

À exceção do crescimento do número de mapeamentos de risco, com a produção de cartas de suscetibilidade, cartas de risco e cartas geotécnicas, ferramentas imprescindíveis para a gestão do risco urbano , mas apenas ferramentas, pode-se dizer que muito perto do absolutamente nada está sendo feito em matéria de implementação de medidas estruturais de real combate ao risco.

E é nesse cenário que se apresenta como um expediente oportunista de extrema crueldade humana a decisão de adotar de caráter permanente sistemas de alerta ao risco. E ter esses sistemas como única medida de gestão de riscos que, por seus relativamente baixos custos financeiros e sua descomplexidade política, é de fato implementada.

Seria muito interessante ver como as autoridades públicas responsáveis por esse crime de omissão reagiriam fossem moradores em áreas de risco e vendo-se submetidas à brutalidade de, ao som de uma alucinante sirene, ou de um torpedo no celular, sob chuva torrencial deixar suas casas às 3 horas da manhã carregando morro abaixo seus idosos, suas crianças, seus doentes e seus parentes com necessidades especiais para fugir da possibilidade de serem tragados pelo barro e pelas pedras de um deslizamento.

*Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)

 

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2 Comentários

  1. Excelente texto!
    Toda a comunidade precisa conhecer e colocar em prática o Plano Diretor e o Plano de Contingência para Situações de Risco do nosso Município…
    Essa discussão seria um ótimo projeto de extensão para ser colocado em prática pelos cursos da área de Engenharia Civil, Engenharia da Mobilidade, Engenharia de Saúde e Segurança e outros relacionados, de preferência por meio de parcerias com os cursos técnicos e órgãos públicos dessas mesmas áreas e com nossas lideranças políticas, empresariais e comunitárias…
    E os órgãos de fiscalização e controle precisam funcionar (mais e melhor), cumprindo efetivamente seu papel.

  2. O país da tragédia anunciada
    (ou da estratégia padronizada?)
    Por todos os cantos do Brasil, a ineficiência da gestão pública está cada vez maior e mais evidente. Às vezes, dá a impressão de que o desrespeito e o descaso das administrações com a população e com as cidades estão se padronizando país afora, tal a semelhança dos fatos que ocorrem diariamente. Corrupção, epidemias, desastres, crises e crimes fácil e perfeitamente previsíveis, são subestimados, os procedimentos de prevenção ignorados e as atitudes adiadas.
    Tudo é postergado até o mais desastroso desfecho. Muitas vezes, sabe-se o que pode ou vai acontecer e não se toma providência alguma. É a tragédia anunciada. É repugnante, mas tamanho descompromisso leva a pensar e até questionar se isto não será uma estratégia. Observe como as declarações são sempre as mesmas! Em todas as esferas de poder e níveis de governo, mandatários, assessores, secretários, gerentes, bajuladores e até advogados públicos têm sempre uma resposta pronta para qualquer problema. Apresentam justificativas porcas, clichês e argumentos frágeis, esfarrapados. Iludem as populações transferindo a responsabilidade ou afirmando que a solução já foi providenciada, que já está resolvido ou será brevemente (com data marcada). Soltam, com voz empostada, frases de efeito, feitas e decoradas previamente. Criam falsas expectativas, negam peremptoriamente que estejam envolvidos em escândalos, desmentem e desdenham denúncias que o mais humilde dos cidadãos pode confirmar. Com toda “autoridade”, desqualificam denunciantes e críticos. Inclusive os candidatos ao próximo pleito eleitoral. Muitos deles, que são ou foram gestores públicos, também já estão craques nessa lorotagem. Entre os mais de 5.500 municípios brasileiros, desde os mais desgraçados, depauperados por seus próprios gestores, até no Palácio do Planalto, pode-se perceber a mesma postura.
    Esse comportamento é inerente à qualificação de demagogos*, que pode ser conferida à grande maioria deles. A escassez de recursos é sempre a justificativa para a falta de ações preventivas. Quando as tragédias acontecem, as epidemias alastram-se, as crises consolidam-se, decreta-se o Estado de Emergência. Aí, os gestores aparecem como heróis, trazendo os “recursos emergenciais” conseguidos exclusivamente através da sua capacidade de negociação política. Nesse momento, sob os holofotes da mídia, discursam pomposos e eloquentes, minimizando a gravidade dos problemas como se eles fossem todos de fácil solução.E é nessas emergências que ocorrem as falcatruas, os desvios, o compadrio, o superfaturamento, etc. O famigerado Estado de Emergência permite a contratação de serviços e aquisição de produtos de quem quer que seja e por quanto quer que seja. Isso não parece estratégia?
    * Só pra que não se esqueça a etimologia:
    Demagogo = do grego démos (povo) + agogós (aquele que conduz).
    PS.
    Aproveitando a campanha eleitoral, mais um étimo, para a reflexão dos candidatos:
    –Será que eles sabem a origem da palavra Candidato?
    –Do latim candidu (alvo, imaculado) –daí, candidatu.
    No Império Romano, um plebeu aspirante a uma vaga de emprego, banhava-se e vestia-se com uma túnica branca. Apresentava-se limpo, claro, imaculado, cândido.

    (José Luiz de Araújo – set/2014)

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