Após declarar ao DNPM não ter interesse na exploração de rejeitos, Vale já agrega valor a esse material, menos em Itabira. Será?

Descaracterização de diques alteados a montante na barragem do Pontal

Fotos: Divulgação/
Vale

Carlos Cruz

Por muitos anos a mineradora Vale sustentou que não havia interesse econômico no reaproveitamento com beneficiamento dos rejeitos de minério de ferro depositados em suas barragens, tanto que em 19 de março apresentou ao antigo Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) relatório final negativo de pesquisa desse material, que este site teve acesso.

“Conforme demonstrado no presente relatório, os trabalhos realizados mostram a ausência de ocorrências de substância minério de ferro no poligonal na área de pesquisa”, é o que está no relatório negativo, datado de 19 de março de 2010, encaminhado ao antigo órgão regulador da atividade minerária.

Foi para esse poligonal que o DNPM concedeu, posteriormente, por meio de chamamento público, do qual a Vale não participou,  alvará de pesquisa para posterior exploração e beneficiamento à empresa Itabiriçu Nacional de Pesquisa Mineral, cujo sócio, o geólogo Everaldo Gonçalves, desde então sustenta justamente o contrário, que esse material contido nas barragens como “reservas antropogênicas” contém teor de ferro que justifica o seu reaproveitamento econômico.

Mas sem sucesso por ter tido o alvará concedido à Itabiriçu contestado pela Vale, que não permite o acesso ao polígono na barragem Itabiruçu, demanda essa que está em litígio em diversas instâncias. Só as estruturas de contenção no complexo de Itabira armazenam cerca de 1 bilhão de toneladas entre ferro e silica (areia).

Na contestação ao alvará da Itabiriçu, a Vale alega que a pesquisa pode comporter a segurança da barragem e impactar as suas operações no complexo Conceição. E, mais recentemente, a mineradora se ancora na Resolução nº 85/2021, que estabelece regras para o reaproveitamento de rejeitos da mineração, aprovada pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM), que sucedeu o DNPM na estrutura do Ministério de Minas e Energia (MME).

Já a Itabiriçu defende em juízo que essa resolução só tem validade da data de sua publicação em diante, não se aplicando à poligonal que detém na barragem Itabiruçu.

Situação semelhante ocorre também na barragem do Pontal, onde também por meio do DNPM, foi concedido à Guilherme de Souza Lima – ME, o alvará de pesquisa nº 10.825/2-25, com o mesmo intuíto de comprovar o teor de ferro contido nesses rejeitos para posterior reaproveitamento, já que para a Vale não havia nem mesmo interesse, naquela ocasião, de pesquisar o real valor desse material ferrífero.

O embate jurídico entre a Itabiriçu e a Vale  sobre os rejeitos da barragem do Itabiruçu em Itabira, MG, está em andamento. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a 22ª Vara Cível de Belo Horizonte é competente para julgar o mérito da ação movida pela Itabiriçu.

Numa dessas ações, que busca impedir que essa resolução da ANM possa retroceder, tornando inválido o alvará de pesquisa obtido junto ao DNPM, a Itabiriçu argumenta que a resolução da ANM não se aplica ao seu direito de pesquisa, obtido em 2013. E diz ainda que a agência não tem legitimidade para legislar sobre matéria constitucional.

A Vale, por seu lado, contesta esse direito, alegando que os recursos minerais pertencem a quem os gerou, no caso, a própria mineradora.

Para complicar ainda mais esse imbróglio, há ainda uma ação judicial movida pela Itabiriçu contra a Vale e algumas siderúrgicas no Texas, Estados Unidos, que também está em andamento. Nessa ação internacional, a Itabiriçu alega que a Vale vendeu ilegalmente minério de ferro (itabirito compacto) extraído de uma área na mina de Conceição, em Itabira, para subsidiárias de grupos siderúrgicos como Voestalpine e ArcelorMittal.

Com a ação, a Itabiriçu busca ser indenizada pela venda do minério de ferro, por ter sido, segundo ela, extraído de pilha sobre a qual detém a licença de pesquisa posterior exploração. A Vale, por sua vez, afirma que a extração foi realizada de forma regular e nega qualquer irregularidade.

Vale agora já tem interesse econômico na exploração desses rejeitos

Descaracterização do dique 2, no Pontal: cadê o rejeito que estava aqui?

Pois se antes não havia interesse econômico na exploração desses rejeitos, a história agora mudou, depois dos trágicos crimes de rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, com o advento da legislação posterior que proíbe a disposição desses materiais em barragens, embora a Vale tenha obtido licenças operacional e ambiental para continuar fazendo esse uso na barragem Itabiruçu, que foi alteada para esse fim.

Antes, o não interesse da Vale era pelo fato de que esses rejeitos são compostos por materiais com baixa concentração de ferro e muita areia, que não seriam comercialmente viáveis.

No entanto, com a necessidade de descomissionar essas estruturas, a mineradora desenvolveu processos para transformar rejeitos em areia certificada para uso na construção civil, assim como também para concentrar esse “fino” de minério contidos nos rejeitos, para promover o que chama de economia circular.

E anuncia pela mídia nacional, apenas por ela  pois a imprensa local há muito deixou de ter importância para a mineradora, que pretende recuperar ainda neste ano cerca de 7 milhões de toneladas de minério de ferro a partir do reaproveitamento de rejeitos e estéril, por meio de um programa recém criado de “mineração circular, com inovação tecnológica e práticas ambientais sustentáveis”.

“Com investimento em inovação e sustentabilidade, o programa tem entre seus objetivos ampliar a extração de minério a partir de pilhas e barragens já existentes, otimizar o processamento mineral para reduzir a quantidade de rejeitos e estéreis gerados e desenvolver coprodutos, como areia e blocos para construção civil”, informa a mineradora.

Ainda segundo o informe distribuído à imprensa e ao mercado,  ”a economia circular aplicada à mineração busca transformar a abordagem linear de extrair e descartar em uma abordagem circular de reaproveitamento onde os materiais são continuamente reutilizados e reciclados, desenvolvendo a circularidade do processo”.

Na mesma nota, a Vale informa que em Minas Gerais, a mineração circular está viabilizando a eliminação das pilhas de estéril da mina de Serrinha. “O material está sendo transportado para a usina de Mutuca, em Nova Lima, para reaproveitamento”.

E também na Serra Norte, no Pará, na operação do Gelado, onde está previsto “o reaproveitamento de 138 milhões de toneladas rejeitos de minério de ferro da barragem homônima para produzir pellet feed de altíssima qualidade”.  “O objetivo no Gelado é reduzir 62% do rejeito total dispostos na barragem acumulados em 37 anos de operação.”

E nada diz sobre o que tem feito com os rejeitos de minério de ferro já retirados de pilhas descomissionadas na barragem do Rio de Peixe e também no Pontal, onde desde a década de 1970 ocorre a disposição desse material ferrífero, inclusive com ocorrência na grota do Minervino, onde eclodiu um garimpo no início da década de 1980.

A aposentada e moradora do bairro Bela Vista, Maria Inês Alvarenga, que já trabalhou na usina Cauê e conhece o processo de concentração, disse em reunião com moradores no gabinete do prefeito Marco Antônio Lage, no dia  6 de julho de 2021, que a Vale já estaria reprocessando rejeitos da barragem do Pontal com fins econômicos – e também para o descomissionamento (descaracterização com reabilitação ambiental) da barragem.

“A gente sabe que a Vale está tirando minério dos diques descaracterizados. Eu trabalhei no projeto de recuperação do minério do Pontal. Sei que é viável retirar esse minério para concentrar e vender. Basta fazer um tipo de beneficiamento diferente e isso ela já está fazendo”, afirmou a aposentada da mineradora.

Ainda segundo ela, “nada me tira da cabeça que a parada programada de seis meses, no período chuvoso para manutenção da usina Cauê, é para fazer a readequação da planta de processamento para esse concentrar esses finos que estão sendo retirados das barragens”. Rejeitos de dique descomissionado do Rio de Peixe também foram retirados sem que a Vale informe que destino tiveram.

Sem exploração econômica  

Lançamento de rejeito de minério no Pontal: Vale assegura que desde 2019 a barragem não recebe mais esse material (Foto: Carlos Cruz)

Procurada pela reportagem naquela ocasião, a Vale garantiu que não houve reaproveitamento do material disposto nas estruturas que compõem o sistema Pontal, que “não recebe rejeitos e nem descarga da usina Cauê desde abril de 2019”.

Disse ainda que a movimentação de equipamentos na área é para cumprir o Plano de Descaracterização, divulgado em 2019, que vem sendo acompanhado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela empresa Aecom, de auditoria independente indicada pela promotoria de justiça.

E que busca “a forma mais tranquila e segura de cumprir a exigência legal no processo de descaracterização das estruturas construídas pelo método a montante do Sistema Pontal.” Assegurou ainda que o dique Rio de Peixe foi descaracterizado em 2020 e não houve reaproveitamento de rejeito.

A empresa foi questionada também se já possui autorização de lavra para esse material contido nas barragens de Itabira, uma vez que há disputa nesse sentido na justiça.

Para a Vale, essa disputa foi resolvida por meio da portaria editada pela agência reguladora da mineração. “Os rejeitos gerados no beneficiamento pertencem ao empreendedor que os gerou, conforme já é reconhecido pela ANM”, sustenta.

“O reaproveitamento do minério (rejeitos das barragens) pela Vale está devidamente respaldado pelo título minerário que deu origem a tais materiais”, assegurou a mineradora Vale, em resposta a este site.

Mas para isso a empresa vai ter de aguardar pela decisão final desse imbróglio na justiça com a Itabiriçu e com o microempresário Guilherme Souza Lima, que tem até então mantida a validade dos respectivos alvarás de pesquisa no Pontal e em Itabiruçu.

Talvez seja justamente por essa pendência que a Vale ainda não deu início ao reaproveitamento de sua maior “reserva” de rejeitos de minério de ferro e sílica no Sistema Sul, dispostos em barragem justamente aqui em Itabira. Ou já iniciou, conforme sustenta a aposentada Maria Inês de Alvarenga?

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