Apologia ao nazifascismo é crime, ao comunismo não: entenda as diferenças ideológicas e jurídicas
A distinção jurídica e ideológica entre ambos é essencial para compreender os limites da liberdade de expressão e os marcos da memória histórica
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Entre genocídio e utopia social, o que a história e a lei revelam sobre os extremos políticos
Valdecir Diniz Oliveira*
As recentes polêmicas envolvendo discursos extremistas reacenderam um debate antigo: por que fazer apologia ao nazismo é crime, enquanto defender o comunismo não é? A resposta envolve não apenas a letra da lei, mas também a história, a ideologia e os impactos concretos de cada regime.
No Brasil, a Lei 7.716/1989 tipifica como crime a apologia ao nazismo, enquadrando-a como forma de racismo. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a liberdade de expressão não protege manifestações que promovam o ódio racial ou o genocídio.
Por outro lado, não há legislação que proíba a defesa do comunismo, mesmo que regimes comunistas tenham cometido graves violações de direitos humanos. Isso se deve, em parte, à distinção entre a teoria comunista e as práticas autoritárias de alguns governos que se autodenominam comunistas.
Ideologias opostas: o que cada uma propõe
O nazifascismo é uma ideologia centrada na supremacia racial, no nacionalismo extremo e na eliminação de grupos considerados “indesejáveis”. Seu legado inclui o Holocausto, a perseguição sistemática a judeus, ciganos, homossexuais, pessoas com deficiência e dissidentes políticos, além da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
O comunismo, por sua vez, propõe a abolição da propriedade privada dos meios de produção e a construção de uma sociedade sem classes.
Embora regimes como o de Stalin tenham praticado repressão brutal, incluindo expurgos, campos de trabalho forçado e o extermínio de opositores, o comunismo, em sua base teórica, não prega o extermínio de grupos humanos, mas sim a redistribuição da riqueza e o fim da exploração do homem pelo homem.
História, contradições e instrumentalizações
Stalin foi responsável por milhões de mortes e perseguições políticas, mas também liderou a União Soviética na vitória contra o nazismo em 1945, um paradoxo histórico que ainda desafia interpretações.
Para Lenin, a “ditadura do proletariado” seria uma forma superior de democracia, por representar a maioria explorada contra a minoria dominante. No entanto, essa concepção, idealizada como transição rumo a uma sociedade sem classes, não se concretizou como previsto.
Na prática, o conceito foi frequentemente instrumentalizado para justificar regimes autoritários, nos quais o poder se concentrou em elites burocráticas sob o pretexto de representar os interesses do povo.
Em síntese, enquanto o nazifascismo se baseia em ódio, exclusão e hierarquias raciais, o comunismo se apresenta como uma utopia social, ainda que muitas vezes traída por seus próprios líderes.
Essa distinção é crucial para entender por que um é criminalizado e o outro, não.
Como o mundo trata essas ideologias
Na Alemanha, a apologia ao nazismo é crime severamente punido. O uso de símbolos nazistas, como a suástica, é proibido. Já a defesa do comunismo não é criminalizada, embora partidos comunistas sejam monitorados por órgãos de segurança.
Na França, a legislação proíbe discursos de ódio, racismo e negação do Holocausto. A apologia ao nazismo é crime. O comunismo é legal, e partidos comunistas têm representação política.
Polônia e Hungria proíbem a apologia de ambos os regimes. A exibição de símbolos nazistas e comunistas é criminalizada, sob o argumento de que ambas as ideologias causaram sofrimento em massa.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda protege amplamente a liberdade de expressão, inclusive discursos de ódio, desde que não incitem violência iminente. Assim, nem a apologia ao nazismo nem ao comunismo são crimes per se, embora possam ser punidas se associadas a atos violentos.
Desmitificando o comunismo: entre crítica legítima e simplificações perigosas
A ideia de que o comunismo é “igual ao nazismo” ignora diferenças fundamentais de origem, propósito e impacto histórico. Embora ambos tenham gerado regimes totalitários em determinados contextos, essa equiparação simplista desconsidera as bases filosóficas e os objetivos declarados de cada ideologia.
O nazifascismo é uma doutrina construída sobre a supremacia racial, o nacionalismo extremo e a eliminação sistemática de grupos considerados “indesejáveis”. Seu projeto político é intrinsecamente genocida.
O comunismo nasce como uma crítica à exploração econômica e à desigualdade social. Propõe a abolição da propriedade privada dos meios de produção e a construção de uma sociedade sem classes.
Embora regimes comunistas tenham cometido graves violações de direitos humanos, como os expurgos stalinistas e a repressão a opositores, esses abusos não derivam diretamente da teoria marxista, mas sim de sua instrumentalização autoritária por líderes que traíram seus princípios originais.
A filósofa Hannah Arendt, em Origens do Totalitarismo, reconhece que tanto o nazismo quanto o stalinismo produziram formas de dominação total, mas distingue suas motivações: enquanto o nazismo se baseia na ideologia racial e no extermínio, o comunismo deriva de uma utopia igualitária corrompida por práticas burocráticas e repressivas.
O sociólogo Raymond Aron, crítico do marxismo dogmático, argumentava que o comunismo deveria ser analisado não apenas como teoria, mas como experiência histórica.
Para ele, a promessa de emancipação social foi muitas vezes substituída por um sistema de partido único e culto à personalidade, mas isso não invalida o potencial crítico da doutrina marxista quando separada de seus desvios autoritários.
Já o filósofo contemporâneo Slavoj Žižek propõe uma leitura provocadora: o comunismo não deve ser descartado por seus fracassos, mas revisitado como horizonte ético em tempos de crise ecológica e desigualdade global.
Para Žižek, o verdadeiro perigo está em naturalizar o capitalismo como única alternativa, ignorando que ele também produz exclusão, violência estrutural e alienação.
A crítica ao comunismo é legítima, e necessária, quando se baseia em seus desvios históricos, como os ocorridos na União Soviética, na China maoísta ou no Camboja sob Pol Pot.
No entanto, equiparar o comunismo ao nazismo como se fossem expressões equivalentes de violência e opressão é historicamente incorreto e politicamente perigoso.
Essa equivalência ignora que o comunismo, em sua formulação teórica, não prega o extermínio de grupos humanos, mas sim a emancipação coletiva por meio da justiça social.
Além disso, essa confusão serve como estratégia retórica para deslegitimar movimentos sociais, partidos de esquerda e propostas de redistribuição de renda, associando qualquer crítica ao capitalismo a regimes totalitários. Trata-se de uma forma de silenciamento ideológico que empobrece o debate público.
Desmitificar o comunismo não significa ignorar seus erros, mas reconhecer suas complexidades. É entender que nem toda utopia é inocente, mas também que nem toda crítica é justa. Essa distinção é essencial para uma reflexão madura sobre os rumos da política, da ética e da memória histórica.
O medo como estratégia: a manipulação da ideia de comunismo no Brasil
No Brasil, o comunismo nunca foi uma ameaça real em termos de tomada do poder, mas sempre foi uma ameaça simbólica eficaz para setores conservadores.
Desde antes do golpe militar de 1964, a ideia de uma “ameaça comunista” foi usada como justificativa para a repressão, a censura e a perseguição política. A campanha do medo, alimentada por setores da mídia, da Igreja e das Forças Armadas, serviu para consolidar um regime autoritário que durou 21 anos.
Esse padrão se repete hoje, com nova roupagem. A retórica anticomunista voltou a ganhar força, especialmente entre grupos da extrema-direita, que associam qualquer proposta de justiça social, regulação econômica ou crítica ao neoliberalismo a um suposto “marxismo cultural”.
Essa expressão, sem base teórica séria, é usada como espantalho ideológico para deslegitimar o debate público e criminalizar o pensamento progressista.
A proliferação de discursos extremistas – os chamados “ovos da serpente” – te se intensificado, sobretudo em estados do Sul do país, onde há forte presença de grupos ultraconservadores, milícias digitais e revisionismo histórico.
O comunismo é caricaturado como sinônimo de ditadura, miséria e censura, enquanto o nazifascismo é relativizado ou até negado por vozes que se dizem “patrióticas”.
Essa manipulação não é apenas retórica, ela tem consequências reais. Alimenta o autoritarismo, enfraquece instituições democráticas e desvia o foco dos verdadeiros problemas sociais, como a desigualdade, o racismo estrutural e a crise ambiental.
Ao transformar o comunismo em inimigo imaginário, a extrema-direita constrói uma narrativa de medo que justifica o ódio, a exclusão e a violência política.
Desmitificar o comunismo, portanto, é também desarmar essa estratégia de manipulação. É reconhecer que o debate ideológico precisa ser feito com honestidade histórica, rigor conceitual e compromisso ético.
Só assim será possível construir uma democracia que não se baseie no medo, mas na liberdade crítica e na justiça social, onde o passado é lembrado com lucidez – e não distorcido para justificar novos autoritarismos.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador.










Os dois deveriam ser tratados como crime.