Aos motoristas, o que São Cristovão quiser. Ao padre, altas doses de rapé

Marcelo Procopio

Porque hoje é 25 de julho, então dia de São Cristovão, definido pela igreja Católica como protetor dos motoristas. Sua história é lenda com tantas versões que não se faz contas. É quase um faz de contas. Se não, vejamos.

Protegerá também São Cristovão os puxadores de carroça? (Fotos: acervo Marcelo Procópio)

“Meu glorioso São Cristovão / meu glorioso mártir“,  é música genial de Jorge Bem Jor: com ele e Gil, melhor ainda. A letra é a oração católica dedicada ao santo.

Até Eça de Queiroz, em ‘Lendas de Santos’, se arriscou a dar sua versão. Mantendo a mítica e mística. Ainda que escritor português seja de escola literária dos sec. 19: o realismo.

De qualquer maneira já faz mais de 100 anos que se cultua São Cristovão como aquele que intercede em nome-do-pai-do-filho-e-do-espírito-santo pelos motoristas.

Teria sido Margarida de Saboia, rainha da Corte da Itália entre 1887 a 1903, devota de Cristovão, que se safou de um acidente automobilístico – já no sec. 20, e que pediu ao Vaticano que tornasse o Santo, padroeiro dos condutores.

É uma longa lenda: desde os anos 300 DC, quando Réprobo nasceu. Asversões contêm mais mito que história de Répobro, nascido provavelmente na Cananeia, na região da hoje Síria. Sobre ter sido mártir,não há explicação plausível.

Réprobo são vários?

Réprobo já foi descrito como um ermitão gigante que morava à beira de um rio de correntezas e muita lama e justo num lugar em que os viajantes teimavam em atravessar, em vez de achar um ponto menos caudaloso. Um dia teria aparecido ali e sozinho, um garoto que lhe pediu ajuda na travessia.

O menino começou a pesar sobre os ombros do gigante. Na outra margem se apresentou e disse ao homem: plante seu cajado que amanhã estará florido. Dito e feito, e muitas já tinham se transformados em tâmaras.

Estaria aí o início da conversão de Réprobo.

Acidente em Itabira: São Cristovão cochilou ou foi imprudência?

O garoto, nem precisa imaginar, era Cristo na longa fase (30 anos?) em que esteve desaparecido da história da humanidade, andando pelo mundo oriental e aprendendo a ser socialista. Outra lenda? Era um revolucionário, pois não? Pelo menos ele andava com os zelotas, que eram revolucionários e enfrentavam de armas em punho os invasores romanos.

E Réprobo mudou seu nome para Kristophoros – do grego Kristo (Cristo) Foros (conduzir). Ou seja, Cristovão, daquele que conduziu Cristo para aquele que conduz (os ideais de) Cristo.

Ele passou a viver pregando. Mas variações em cima dessa versão, dizem que ele nunca foi gigante nem atravessador de pessoas e objetos entre uma margem e outra de rio algum.

Aliás, Réprobo nem existia. Nasceu três séculos depois da morte de Cristo.

Dizem escritores da época, por exemplo, que ele tinha mania de estar sempre perto de poderosos. Primeiro caiu nas malhas de um rei rico e temido. Passou a servi-lo. Mas com o tempo descobrira que havia alguém mais poderoso, temido por todos, inclusive o rei.

Um homem vai devagar levando o seu burro sob a benção de São Cristovão

Era o Diabo. Réprobo foi atrás e virou servo do Cão, do Coiso, de Lúcifer, do príncipe das trevas. Mas logo viu que Satanás temia toda cruz que lhe cruzava o caminho.

E descobriu então que havia alguém que era o mais poderoso da Terra. Era Cristo.

Largou o Diabo e foi servir a Deus, o pai do filho.

Não param aí as versões. Mesmo na contemporaneidade: na curva do sec. 20 para o 21. Mesmo hoje. E não só 25 de julho.

E quem quiser que aumente um ponto.

Viagens de um pároco

Foi num julho dos anos 1980 que decidi fazer uma matéria para o Caderno de Veículos do Estado de Minas da amena Casa de Assis. Pesquisei em enciclopédias, o Google da época, para receber sempre informações simplórias, exageradamente míticas.

Mas tudo bem, o que interessava estava ali para escrever o texto para o jornal e brincar com a lenda São Cristovão e criticar os motoristas do planeta Terra. Os brasileiros principalmente.

Afinal, no trânsito, sabe-se, o motorista brasileirosó é solidário quando a porta de outro carro esta mal fechada. É capaz de sair veloz, costurar veículos até alcançar “o outro” para avisá-lo.

Então fui entrevistar o pároco da igreja de São Cristovão no bairro São Cristovão em Belo Horizonte.

Numa tarde sentei-me diante do padre numa sala da casa paroquial. Um lugar com móveis escuros, sóbrios, cortinas fechadas, e pouca luz. Um ambiente sombrio e calmo.

Quase duas horas de conversa e o padre me contando as mesmas histórias que eu então já sabia, e dos milagres, claro. Não há santo se não há milagre.

O aumento de veículos em circulação tem dado um trabalhão para São Cristovão

Entre uma fala e outra, ou a cada dez minutos, o pároco tirava do bolso da batina um lenço branco já meio encardido, uma lata, maior que as que vimos comumente, de rapé.

Colocava no lenço dobrado sobre a palma da mão, fazendo uma cunha, uma super dose de rapé, que levava o lenço calmamente ao nariz e aspirava de uma só vez.

Parava por uns instantes. Mantinha os olhos distantes e bem abertos. Como se esperasse que algo especial fosse acontecer. Talvez divino. Para mim aqueles segundos infindáveis de seu prazer eram como se os neurônios estivessem a absorver os efeitos da grande dose de rapé.

Toda vez ele voltava mais entusiasmado. Lembrava-se de mais uma história, das comemorações da data com carreatas e missas. Falava sem parar. Quase sem vírgulas. Mas de forma clara e bem articulada.

O ritual e o milagre

Até que perguntei-lhe se algum milagre já havia sido concedido a ele sob a intercedência de São Cristovão.

Trabalho duro desse condutor: protegei-o, São Cristovão

O padre nem pestanejou. Repetiu o ritual do rapé. Achei que tinha sido a dose over.

Ele então contou que antes de vir para BH e virar pároco, viajava por cidades mineiras, onde pregava as palavras de Deus. Mas nada com sentido social ou político, me respondeu sério, aproximando seu corpo da mesa, deixando de lado o conforto da poltrona em que esteve relaxado o tempo todo.

Até que de novo relaxou no encosto da cadeira de couro.

Aí contou que viajava de madrugada numa noite de muita chuva e escuridão. Foi quando perdeu o controle do veículo e caiu numa ribanceira na direção de um riacho que cortava a estrada.

Uma árvore havia caído, disse em tom de aflição e temor. E parte de seu tronco ficou virado de ponta pra cima. Justamente onde seu veículo caiu. O tronco atravessou o fundo do carro até o habitáculo, quase rasgando seu corpo.

Para proteger, São Cristovão recomenda obedecer as leis de trânsito

Mas o carro parou ali, longe das águas do rio.

Pronto. Estava ali um milagre, me disse como ressentisse o drama. Foi São Cristovão. Ele me salvou. Exclamou.

Era a fé dele; Foi a fé de muitos outros?

Ou foi a fatalidade: uma questão de sorte e azar? Dos milímetros e segundos salvadores.

Quem saberá ao certo? Os de Deus dizem sim; os ateus nem se ligam. Até contam essas histórias. O certo é que São Cristovão é uma lenda mística que virou o mito e o santo ao mesmo tempo.

Mas por garantia, no trânsito, diminua a velocidade, por que subir a rua Água Santa a mais de 40 km? E na dúvida não ultrapasse.

Porque no reino da Terra o pedestre é quem deve reinar nas cidades.

Assim seja.

 

 

Posts Similares

1 Comentário

  1. Dependendo do trecho da rua aqui em Itabira, o pedestre tem de dar muitas voltas para não ser atropelado, tal a ansiedade da maioria dos motoristas ao volante de um automóvel.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *