Ao subir em poste para não ser preso, Fábio Martins protesta contra o sistema carcerário e pela desativação do presídio de Itabira
Foto: Heitor Bragança
Carlos Cruz
Não foi a Itabira Summit, evento de inovação tecnológica que acontece neste fim de semana no teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, que virou notícia nacional, como também não foi o que chamou a atenção da imprensa local.
As manchetes foram para o rapaz Fábio Martins, já condenado por furtos e roubos para compra de drogas e, que cumpria pena em regime semiaberto, em domicílio. Entretanto, por deixar de cumprir determinações da justiça para manter a liberdade condicional, recebeu nova ordem de prisão.
E resistiu de forma absolutamente original, inusitada e extremamente perigosa. Para não ser preso, por volta de 16h30 dessa sexta-feira (4), Fábio Martins subiu no poste passando pela rede elétrica e, por lá ficou por cerca de 24 horas com fome e frio, em frente à casa de seus pais, onde residia, no bairro Clóvis Alvim.
Com isso, ganhou os seus minutos de fama como preconizava o multiartista da pop art Andy Warhol (1928-87), que preconizava que “no futuro, todo mundo será famoso durante quinze minutos”. Martins ficou por mais de 24 horas pendurado no poste, ganhando celebridade instantânea.
Por sorte não morreu eletrocutado. Para não correr mais risco, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) desligou a rede elétrica local, o que deixou a vizinhança por todo esse tempo sem luz. Situação que se manteve mesmo depois de o rapaz “negociar” a sua rendição com representantes do Ministério Público de Minas Gerais.
Memes e reflexões
Poderia ter sido trágico, mas felizmente do inusitado episódio prevaleceu o lado cômico da situação. Memes já estão pululando pela rede social, como a que foi publicada na página do grupo humorístico Itabira na Depressão, no Facebook.
“Vencedor da prova de resistência é humilde, pediu apenas um prato de arroz doce.” E também uma coca-cola, que foi com o que Fábio Martins alimentou ao se entregar na tarde desse sábado (5).
Se por um lado há o lado cômico nessa situação quase trágica, por outro a reação tresloucada de Fábio Martins à ordem de prisão suscita uma ampla e necessária reflexão sobre a tragédia maior que é o sistema carcerário brasileiro – e também da falta de um presídio em Itabira, desativado por força de decisão judicial, por estar em risco de ficar isolado no caso de ruptura da barragem de rejeitos do Itabiruçu, da mineradora Vale.
Vigiar e punir
Segundo o advogado Gabriel Fontes, o seu cliente tomou essa inusitada atitude por não querer voltar à prisão, depois de passar oito encarcerado em situações extremamente degradantes. “Ele tem medo de voltar (para a prisão) por causa das penúrias que ele já teve ali dentro.”
O medo de Martins confirma o que descreve Michel Foucault (1926-84), em Vigiar e Punir, para quem as prisões não são soluções para a criminalidade.
Segundo o filósofo francês, “os seus efeitos são perversos, produzem mais delinquência do que previnem, servindo apenas para excluir e marginalizar os indivíduos que não se enquadram nos padrões da sociedade”.
Além dessa observação crítica e atual de Foucault ao sistema carcerário de modo geral, no Brasil existem outras agravantes que dão inteira razão ao detento Fábio Martins, ao ponto de ele preferir correr risco de morte, ao subir no poste com a rede ainda eletrificada, a voltar para a penitenciária em uma outra cidade.
Pequenos delitos
É que no Brasil, segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), divulgado em 2020, do total da população carcerária brasileira, 41,5% (337.126) são presos provisórios à espera de julgamento.
Desses, os crimes mais frequentes são relacionados ao tráfico de drogas (29,6%), sendo a maioria de pequenos traficantes (“aviões”), seguido de roubo (25,2%), homicídio (10,8%) e furto (8,9%).
Martins é vítima desse sistema carcerário e também da morosidade da justiça. Sem julgar para absolver e ou dar castigo menos cruel aos pequenos delinquentes, como nas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), modelo de cumprimento de pena que dá dignidade e possibilita a reinserção social do preso, mantém-os encarcerados indefinidamente, em péssimas condições de sobrevivência humana em penitenciárias superlotadas.
Esse é o modelo que vem sendo reforçado pelo governador Romeu Zema (Novo), que não quer mais pequenas penitenciárias, como a que existia em Itabira, preferindo, por motivo de economia e praticidade para o Estado, amontoar os “párias da sociedade” em megas penitenciárias, com todas as consequências já conhecidas.
Escolas do crime
No caso de Itabira, ao perder a sua pequena penitenciária do Rio de Peixe pelo risco de inundação por rejeitos de minério, a situacao é ainda pior. Isso pelo fato de o preso ser, além de tudo, privado do direito de cumprir pena próximo de seus familiares, um direito previsto na legislação penal.
“Nas grandes penitenciárias eles convivem com perigosos traficantes e voltam piores quando são libertados”, confirma o delegado regional Helton Cota, para quem a interdição da penitenciária do Rio de Peixe tem outra agravante: desmobiliza a polícia investigativa, quando policiais civis são desviado de suas funções ao transportarem presos para cumprir pena em penitenciárias da região.
Sem o presídio, a delegacia de polícia está tendo dificuldade de realizar as investigações criminas. “Todo um contingente da polícia civil acaba tendo de dedicar tempo e recursos para deslocar em viaturas até outras cidades, levando presos para Timóteo, Barão de Cocais e João Monlevade”, disse o delegado em recente coletiva de imprensa, ao fazer balanço, junto com o comando da Polícia Militar, sobre a criminalidade em Itabira, cujos índices teriam caído nos últimos meses, mesmo com a falta de uma penitenciária..
“Não estamos exercendo atividades essenciais de investigação policial, perdendo as nossas atividades criminalísticas. Estamos exercendo funções que são de policiais penais”, lamentou. “Em nome da polícia civil reitero, mais uma vez, que é primordial retornar com o presídio da cidade”, reivindica o delegado Helton Cota.
Presídio de Itabira
A construção, ou a reativação do antigo presídio do Rio de Peixe, é responsabilidade da mineradora Vale, por motivo já citado, mas que tem encontrado dificuldades pelo fato de o governo de Minas pretender centralizar as penitenciárias por motivos econômicos e administrativos, agravando-se as superlotações nos presídios.
Daí que se não houver uma pressão política muito forte sobre o governo de Minas Gerais, com participação inclusive da Vale para a solução de um problema que ela criou, Itabira permanecerá sem o seu presídio.
Presídio que demorou anos para Itabira conquistar em 2008, depois de décadas de conivência com as atrocidades e toda sorte de mazelas cometidas contra os detentos na masmorra da antiga e desativada cadeia municipal da rua Paulo Pereira, de triste lembrança.
Ao não concordar com a instalação de um presídio de grande porte na Fazenda Palestina, como pretendia o governo anterior em acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) disse não desejar para Itabira novos bolsões de violência que um grande sistema prisional acaba por atrair à cidade que o abriga, como é o caso de Ribeirão das Neves.
Esse presídio que “Itabira perdeu”, como ecoa a oposição ao prefeito, teria capacidade para abrigar 600 detentos, mas a população carcerária poderia ultrapassar mais de 1,8 mil presos em pouco tempo, conforme havia sido acertado pela administração passada com o governo estadual. O novo presídio seria instalado na fazenda Palestina, próximo do bairro Pedreira do Instituto.
Pequeno porte
Ao assumir o governo, Marco Antônio Lage buscou negociar com a Vale e, com o governo do Estado, por meio da Sejusp, a reativação do antigo presídio, construído com recursos do município em terreno cedido pela mineradora no Rio de Peixe, inaugurado 2008, com capacidade para abrigar 194 detentos.
Cadeia não acaba com a violência, mas é direito adquirido de Itabira ter o seu pequeno presidio de volta. Isso para assegurar ao preso dignidade e condições de cumprir pena próximo de seus familiares, contribuindo para a sua ressocialização futura, em uma penitenciária que não seja apenas para vigiar e punir.
E que a Apac de Itabira, instalada na região do Posto Agropecuário, possa ser ampliada, criando-se condições de receber mais detentos acusados de pequenos delitos e de bom comportamento.
São questões primordiais que a inusitada e tresloucada reação de Fábio Martins suscita – e das quais a sociedade itabirana não pode se omitir, como fez por muitas décadas diante das atrocidades que os presos itabiranos viveram na masmorra medieval da rua Paulo Pereira.
Abaixo o delegado! Viva o Fábio Martins, uma grande figura humana. Liberdade para o Fábio Martins e cadeia para o delegado de poliça!