Ao defender Bolsonaro, Trump expõe o incômodo dos EUA com o avanço do Brics

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Trump, Bolsonaro e o Brics: quando a coincidência é estratégia

A recente manifestação do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em defesa de Jair Bolsonaro, a quem chamou de vítima de uma “caça às bruxas”, não é um gesto isolado de solidariedade entre líderes de direita.

A declaração, feita justamente durante a cúpula do Brics no Rio de Janeiro, revela muito mais do que empatia ideológica: trata-se de uma reação estratégica ao avanço da China e à crescente articulação dos países do Sul Global em torno de uma nova ordem econômica multipolar.

Trump usou as redes sociais para criticar o julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, classificando-o como “perseguição política” e comparando-o à sua própria situação nos EUA.

A fala ecoou entre os apoiadores de Bolsonaro, mas também gerou reações firmes do presidente Lula, que reafirmou a soberania das instituições brasileiras e rejeitou qualquer interferência externa.

O momento da declaração não poderia ser mais simbólico: enquanto líderes de Brasil, China, Rússia, Índia e outros países discutiam alternativas ao dólar, à hegemonia financeira ocidental e à criação de um sistema de pagamentos próprio, Trump lançava sua crítica e, em paralelo, ameaçava impor tarifas adicionais de 10% a países alinhados ao Brics.

O temor da perda de hegemonia

A retórica de Trump reflete um temor real e crescente nos círculos de poder norte-americanos: a erosão da hegemonia econômica dos EUA. O Brics, que já representa cerca de 45% da população mundial, vem se consolidando como um polo alternativo ao G7.

A proposta de desdolarização do comércio internacional, o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento e a expansão do bloco com países como Irã, Egito e Indonésia são sinais claros de que o mundo está mudando de eixo.

A China, por sua vez, tem ampliado sua presença na América Latina com investimentos em infraestrutura, energia e tecnologia. O caso da ferrovia bioceânica Brasil-Peru, mencionada em outro memorando recente, é apenas um exemplo de como Pequim está ocupando espaços que antes eram considerados “zona de influência” dos EUA.

Bolsonaro como peça no tabuleiro

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Ao defender Bolsonaro, Trump não apenas reforça sua narrativa de “perseguido político”, mas também tenta manter viva uma aliança ideológica que lhe é conveniente. O ex-presidente, mesmo inelegível até 2030, ainda é uma figura influente na política brasileira e um contraponto ao atual governo, que tem buscado maior autonomia internacional e aproximação com os Brics.

A defesa de Bolsonaro, portanto, serve a dois propósitos: deslegitimar o governo Lula e enfraquecer o protagonismo do Brasil no bloco. É uma tentativa de minar, por dentro, a coesão de um grupo que ameaça a ordem unipolar liderada por Washington.

Por fim, registre-se que não há coincidência na política internacional e sim apenas movimentos calculados. O pronunciamento de Trump é um recado claro: os EUA estão atentos e preocupados com a reorganização do tabuleiro geopolítico.

E, diante da ascensão da China e da articulação do Sul Global, a estratégia parece ser a de desacreditar, dividir e, se possível, desestabilizar.

O desafio para o Brasil é manter sua soberania, fortalecer suas instituições e seguir construindo pontes, e não muros, com o mundo multipolar que se desenha.

A conferir os próximos desdobramentos.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

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