Amig Brasil cobra de Lula nova política mineral e fim do “entreguismo” em visita a Itabira

Itabira foi por muitos anos o carro-chefe da produção da Vale no país. Entregou boa parte de suas reservas sem receber impostos e royalties, que só foram instituidos com o Imposto Único sobre Minerais (IUM) na década de 1960 e com a Constituição de 1988

Foto: Carlos Cruz

Prefeitos de cidades mineradas entregam carta ao presidente e ao ministro Alexandre Silveira com exigências para reestruturar a ANM, revisar a Cfem e garantir protagonismo das cidades mineradas

Durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Itabira, prefeitos associados à Associação Brasileira dos Municípios Mineradores (Amig Brasil) entregaram ao chefe do Executivo e ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, uma carta com reivindicações por uma nova política mineral.

O documento faz críticas ao “entreguismo” das riquezas nacionais e foi entregue ao presidente pelo prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), que preside a entidade.

A visita presidencial teve como objetivo inaugurar o novo Centro de Radioterapia do Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD), que amplia o atendimento oncológico em Itabira e em toda a região do Médio Piracicaba.

O serviço acelera diagnósticos e tratamentos, reduz deslocamentos para outros centros. Representa uma das maiores conquistas na oferta de saúde pública regional, beneficiando pacientes de diversos municípios atendidos pelo hospital.

Documento da Amig foi entregue pelo prefeito Marco Antônio Lage ao presidente Lula durante visita presidencial para inaugurar o Centro de Radioterapia do HNSD (Foto: Ricardo Stucket/PR)
Carta apresenta três medidas urgentes

O documento entregue a Lula reúne deliberações do VI Encontro Nacional dos Municípios Mineradores, que contou com mais de 500 representantes de 75 cidades de 14 estados.

A Amig Brasil cobra três ações imediatas: o fim do contingenciamento das receitas da Agência Nacional de Mineração (ANM), a revisão das alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) e a reestruturação urgente da própria agência reguladora.

O contingenciamento, que consiste na prática pela qual o governo federal retém parte dos recursos arrecadados pela ANM, mesmo sendo receitas vinculadas e provenientes da própria atividade mineradora.

Reduz a capacidade operacional do órgão, limita fiscalizações e pode levar à prescrição de até R$ 20 bilhões em créditos devidos aos municípios e estados minerados, com prejuízos também ao país.

Perdas tributárias com sonegação das mineradoras

Além disso, estudo da UFMG aponta que a reforma tributária, somada à Lei Kandir, pode retirar outros R$ 20 bilhões dos municípios minerados.

Some-se a isso que a fragilidade da ANM em fiscalizar, apontada pelo TCU, permitiu a sonegação de 40% da Cfem pelas empresas mineradoras de todo o país entre 2014 e 2021.

Municípios querem ter voz na reforma tributária e no novo Código Minerário

A carta também reivindica participação da Amig no Comitê Gestor da Reforma Tributária, autonomia municipal nas discussões do novo Código Minerário, definição de prazos e auditorias para concessões de lavra e possibilidade de indenização ou novo leilão caso empresas descumpram obrigações.

Marco Antônio Lage enfatizou, em conversa com o ministro Alexandre Silveira, que os municípios querem deixar de ser “espectadores” e assumir protagonismo nas decisões que afetam seu futuro econômico em seus territórios.

Prefeitos são orientados a avaliar atuação de deputados em 2026

Lage orientou prefeitos a observarem a atuação dos parlamentares de suas regiões, afirmando que muitos destinam emendas, mas não apoiam mudanças estruturais capazes de garantir recursos permanentes às cidades mineradas.

Segundo o presidente da Amig Brasil, nas próximas eleições, antes de apoiar um candidato, “é hora de identificar quem realmente está do lado das cidades mineradas”.

Após receber o documento, o ministro Alexandre Silveira afirmou que se reunirá com a diretoria da Amig no início de 2026.

Vale saber

Itabira foi, durante décadas, o núcleo estratégico da produção da Vale no Brasil, sustentando a expansão da mineradora, fornecendo o minério que impulsionou a industrialização nacional e abasteceu a indústria bélica dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.

O município figurou como um dos principais pilares da economia mineral brasileira, mas sem que isso se traduzisse em contrapartidas proporcionais.

Nesse período, porém, quase nada recebeu pelas volumosas reservas de hematita extraídas do pico do Cauê, devido à isenção tributária imposta por Getúlio Vargas no decreto de criação, em 1942, da então estatal Companhia Vale do Rio Doce.

A política fiscal da época isentou, a título de incentivo, a mineradora de obrigações financeiras com o município, mesmo diante da exploração intensiva e impactante de seu território.

Foi assim que a atividade minerária avançou por quase três décadas sem qualquer mecanismo de compensação financeira. O primeiro tributo específico para o setor, o Imposto Único sobre Minerais (IUM), foi instituído em 1964 e só foi regulamentado em 1969, deixando um longo período de exploração sem retorno fiscal direto para a cidade que sustentava a produção da Vale, até o surgimento de Carajás, em 1986.

Os royalties da mineração, por sua vez, só foram estabelecidos muito mais tarde, com a Constituição de 1988, que criou a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), regulamentada apenas em 1991. Ou seja, Itabira passou quase meio século sem qualquer forma de compensação pela retirada de suas reservas de minério de ferro de alto teor.

O resultado foi que o município carregou o peso da mineração por quase todo o século XX sem retorno proporcional, enquanto as suas montanhas (Cauê, Serra do Esmeril e Conceição) eram desmontadas e sua economia se tornava estruturalmente dependente de um recurso finito.

Hoje, o município enfrenta o espectro da exaustão mineral gradativa e irreversível, marcado por sucessivas quedas de produção e redução da qualidade do minério, embora ainda existam hematitas remanescentes.

O complexo minerador de Itabira, composto por três plantas de concentração de itabiritos, tem capacidade instalada para produzir 50 milhões de toneladas anuais, mas atualmente opera com cerca da metade disso.

Com o empobrecimento do minério, o aprofundamento das cavas e o aumento dos custos operacionais, a tendência é de declínio contínuo até o esgotamento definitivo das reservas e recursos até a exaustão final, anunciada pela empresa, para 2041.

 

 

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