Algumas faces históricas da Montanha Pulverizada 1

Cristina Silveira

Rubem Braga e Tutu Caramujo cismam na derrota incomparável de Itabira do Mato Dentro

Rubem Braga, o fino cronista que todos admiram, ficou conhecendo Itabira, quando em excursão do Dr. José Bernardino á Vitória.

Aqui esteve poucas horas, jantou, dançou, dormiu e amanheceu em São José da Lagoa…

Pedras para jogar na cabeça do inimigo

Apesar deste breve convívio escreveu uma crônica notável para o Estado de Minas, em que focalizava curiosos aspectos da vida de nossa bela cidade.

Houve quem não gostasse da crônica, ou melhor das brincadeiras do incorrigível Rubem.

Incompreensão, momentânea, apenas. É que Rubem é incapaz de falar seriamente sobre o assunto mais fúnebre.

Houve assim quem o defendesse e explicasse que os trechos que irritaram a nossa sensibilidade bairrista, eram simplesmente brincadeiras de quem na vida, outra cousa não aprendera, a não ser escrever com a graça inimitável que o distingue.

Naquele tempo Rubem escrevia para o Estado de Minas. Hoje as suas crônicas aparecem diariamente no Jornal do Rio e em outro de S. Paulo. É um escritor interestadual: capixaba, escreve, ao mesmo tempo em jornais de três Estados.

Que a defesa tomada, quando foi a crônica sobre Itabira, era razoável e justa, ai vai a prova. Rubem escrevendo sobre o Rio Doce estando nos jornais referidos uma deliciosa crônica, da qual destacamos essas passagens admiráveis sobre Itabira:

“Entre S. Bárbara e S. José da Lagoa fica Itabira do Mato Dentro. É uma cidade extraordinária sob muitos aspectos.

Você vai em Itabira do Mato Dentro abaixa na rua e apanha uma pedra. Se passar seu maior inimigo, você não joga a pedra na cabeça dele.

Fica com pena.

Porque você compreende que uma pedra da rua de Itabira do Mato Dentro vale mais do que muitas cabeças humanas.

“Essas pedras têm ferro: tem 75% a 80% de ferro”, escreveu Rubem Braga (Fotos: Miguel Bréscia).

E se você levantar os olhos no chão e por os olhos no céu, e que é que você vê? Vê Ferro: vê o pico do Cauê, que é todo de ferro.

Pois, esta cidade calçada de ferro, guardada por uma vigia de ferro.

Este fato me parece tão espantoso, que proponho modificaro velho adagio: cidade de ferro, estrada de rodagem.

E Itabira do Mato Dentro está a poucos quilômetros de duas estradas de ferro, uma conduzindo ao mar, outra conduzindo ao sertão. Essas estradas se detiveram exatamente a poucos quilômetros das terras do município. Como se deliberadamente quisessem fazer ironia à custa da inépcia indígena.

Mas deixemos Itabira do Mato Dentro. Deixemos, aliás com muita mágoa, porque é uma cidade vivamente progressista, além do mais berço de Carlos Drummond de Andrade, nome que peço encarecidamente aos meus amigos de São Paulo e do Rio Grande do Sul que decorem, porque é o nome do maior poeta atual de Minas e um dos intelectuais mais fortes do país.

Carlos pintou a tragédia de sua cidade na figura de Tutu Caramujo, um falecido negociante local. Depois de esclarecer que todos nós temos um pedaço do pico do Cauê, ele vê Tutu Caramujo que, sentado na porta da venda ‘cisma na derrota incomparável’. Figura trágica, sem dúvida, principalmente quando se pensa que os pés de Tutu Caramujo pisam pedras que tem 75% a 80% de minério de ferro.”

(Rubem Braga, in: Jornal de Itabira, 24 de fevereiro de 1934).

 

 

 

 

 

 

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3 Comentários

  1. Que bacana. Não sabia da passagem do Rubem por nossa terrinha. Adorei não poder jogar pedra de tanto valor no inimigo. Se bem que a gente poderia pegar uminha, com 90% de ferro e acertar a cabeça de uns candidatos à presidência, governo do estado e deputado Federal. Uminha não, três, de bom tamanho. Bjs.

  2. Marinapoeta, a sua ideia é muito boa, catar pedra de Itabira pra rachar cabeça de inimigos, mas creio que a famigerada Vale não permitiria e é Ela que manda em Itabira. De ouvir dizer o esplendido Lúcio Cardoso morou, a trabalho por um breve tempo na cidade toda de ferro. Eu delírio imaginando ele no Pico do Amor escrevendo e pintando. Beijos Marina. Quando vc publica um livro?

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