Água morro abaixo ninguém segura

Foto: Carlos Cruz

Por Anselmo Martins Y Cia*

Santa Maria, Mãe de Deus rogai por nós pecadores/Agora e na hora de nossa morte pela CVRD: Amém.

Santa Maria de Itabira, maio de 1983 – O que acontecerá depois que o fino ferro de Itabira entupir o grande lago do barranco amassado (Represa do antigo povoado da Pedreira)? Num sei não, mas é bom pensarmos nisto, pois até agora, da Vale, Santa Maria só recebeu alamedas verdes sobre o corpo morto do Rio Girau e a morte de nosso gado, que acaba seus dias atolados no minério… Morrendo de sede!

E pela inutilização do leito do Rio Girau, alguns fazendeiros foram indenizados. Mas essas indenizações chegaram apenas nas mãos dos grandes proprietários, os pequenos esperam hoje o fim de seus processos de indenização que mofam hoje nas gavetas de nossa ilustre comarca – Anti Beltrão!

Voltando ao assunto da represa da Pedreira, relembro aquela ignorância da represa do Rio de Peixe que por vários dias nos deixou incomunicáveis com o resto do mundo. A represa do Rio de Peixe foi uma a mais  em meio às tantas mil besteiras que a Cia Vale do Rio Doce fez por aqui.

Por tanto O Garrucheiro em nome de todos os santa-marienses, apela diretamente aos loucos tresloucados engenheiros desta nossa distinta Cia Vale do Rio de Ferro: Tem dó da gente! Enquanto vocês deitam tranquilamente aí em Itabira, nós aqui deitamos pensando que amanhã estaremos totalmente soterrados de água e ferro itabirano.

Portanto, senhores projetistas desta bomba que está logo alí, no meio do caminho para quem quiser ver, quando os senhores “fizeram” o projeto desta represa, pensaram em nós santa-marienses? Pensaram né!

“O que valem poucos milhares de vidas ao lado de milhões de japoneses que dependem de nosso minério lavado…”(!) “Santa Maria não vale nada, não produz nada”. Assim vocês devem ter  pensado. Ao que temos o prazer de responder:

– Não somos nada graças à CVRD, que nunca foi nada para nós além do esgoto que nos transformou.

Eu, quando pequeno, tinha medo de lobisomem e de bicho de sete cabeças, hoje que já sou grande, quando vejo esta palavra CVRD, corro pra dentro de casa, tranco bem as portas e me ajoelho em cima dum bago de milho e rezo:

“Creio em Deus pai todo-poderoso, criador do céu e da terra donde há de vir julgar e enviar aos infernos este monstro chamado CVRD…” – Zé Garrucha.

Mudança de nome

O rio Girau foi assoreado pelo “fino” do minério antes da construção da barragem Santana, uma grande estrutura por onde passa o curso d’água até desaguar no rio Tanque, em Santa Maria (Foto: Divulgação/PMSMI)

Aproveitando a oportunidade, gostaria de sugerir a mudança do nome da Cia Vale do Rio Doce para “Cia Comigo Ninguém pode”. Nome que aliás, é bem mais condizente com o comportamento desta companhia que se diz tão preocupada com o futuro dos lugares onde se instala e que, como é bem sabido, tem sido tão previdente como uma cigarra que canta até morrer.

Nossa maravilhosa CIA tem o belo costume de deixar o “futuro” para ser “estudado” quando o FUTURO chegar; temos como exemplo claro e óbvio disto a construção da bem planejada represa do Rio de Peixe, a qual levaria, segundo, cálculos da própria companhia, sensíveis anos para atingir o ponto ideal da água e que, em 1979, após quatro dias de boas chuvas, transbordou, deixando Itabira e todas as cidades que dependiam da estrada que passava nas proximidades da represa o CURTO período de uma semana isoladas do mundo.

Um outro belo exemplo é a construção de um novo trecho de rodovia em substituição ao trecho coberto pela água. A substituta aumentou em cinco quilômetros os percursos e nossa querida CIA ainda cometeu o maravilhoso erro de se esquecer que a rodovia iria terminar em um bairro residencial e completamente sem infraestrutura para comportar um tráfego de rodovia.

Isso sem contar com a tão falada ecologia, a qual vem sendo esquecida e muito comentada (de forma ingênua) por muitos nas reuniões e bate papos de botecos em todos os cantos, mas que para nossa querida CIA é artigo importantíssimo de propaganda. E mais nada…

Quem tem olhos para ver, que veja. Seja quem for, doa a quem doer, nossa Vale é mesmo osso duro de roer.

Anselmo “Préus” Martins da Costa, já falecido, editou por algum tempo o periódico O Garrucheiro, em Santa Maria, com boas e contundentes reportagens. Ele faz muita falta na vizinha cidade, que hoje sofre com a presença de outras mineradoras.

[O Garrucheiro, suplemento do Jornal O Papel de Pão, Santa Maria de Itabira, maio de 1983, ano III, n. 04 – Pesquisa: Cristina Silveira]

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1 Comentário

  1. Carlos, ótima esta matéria do Anselmo.
    Falou em 1983, mas até hoje é esta verdade que preocupa a todos.
    A Mineradora só faz pior a cada dia.
    Quando teremos os retornos da extração do Minério?
    Quando ela vai pensar no ser Humano? Na Natureza e na cidade?

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