Ações iniciadas em 1985 a pedido do jornal O Cometa contra a Vale seguem sem desfecho. Leia a íntegra do requerimento que originou os processos
Em destaque, a Serra do Esmeril, cuja vegetação natural foi totalmente suprimida na década de 1980 para a abertura das Minas do Meio
Foto: Tibor Jablonsky/ Ney Strauch/IBGE
A derrota incomparável começa em 1942 e recrudesce em 1997/2009
III
Em 30 de setembro de 1985, o jornalista Carlos Cruz, do Cometa – atualmente editor deste site – redigiu uma extensa comunicação ao 1º Promotor de Justiça da Comarca de Itabira, José Adilson Marques Bevilacqua, expondo o drama vivido pela população local, profundamente impactada pela mineração.
Como resultado, foram instaurados três inquéritos civis públicos em Itabira – os primeiros do país – com base na Lei Federal 7.347, de 24 de julho de 1985.
O objetivo era apurar responsabilidades pela poluição do ar na cidade, pela degradação paisagística da Serra do Esmeril, causada pela mineradora Vale, e pelo corte de matas nativas para o plantio de eucalipto pela subsidiária Florestas Rio Doce, denunciado pelo técnico Gilmar Bretas, na mesma ocasião.
Esse último inquérito foi arquivado após ter sido feita a reconversão de floresta, com a restituição da mata nativa na região dos Gatos. Os outros dois inquéritos evoluíram para ações civis públicas, julgadas procedentes, mas sem avanços significativos.
Apenas em 7 de abril de 1993 foi firmado um acordo entre a Vale e a Prefeitura, com a mediação do então promotor Giovanni Mansur. O compromisso estabelecia medidas para mitigar os impactos ambientais da mineração.

Como parte do acordo, a empresa asfaltou a estrada 105, apontada como uma das principais fontes de poeira em suspensão, além de ampliar a umectação das vias de acesso às minas, para que fosse reduzido ao mínimo permitido pela legislação os níveis de poluição do ar.
A mineradora também se comprometeu a revegetar áreas expostas nas minas e a reabilitar paisagisticamente, gradualmente, toda a encosta da Serra do Esmeril, ação que ainda está pendente de resolução. A doação da praça do Areão à Prefeitura também fez parte dos compromissos assumidos.
Além disso, a Vale lançou o projeto Verde Novo, propondo o plantio de 1,5 milhão de árvores no perímetro urbano. No entanto, o projeto fracassou devido aos erros de implantação, sem contar com apoio da população, que viu calçadas em frente às suas residências serem quebradas para o plantio sem prévia consulta.
Devido ao descumprimento parcial do acordo, em março de 2019, as duas ações foram desarquivadas a pedido da Procuradoria-Geral do Município, que solicitou a reativação de todos os processos referentes aos compromissos não cumpridos pela Vale.

Assim, as ações civis de 1985 permanecem pendentes na lenta justiça, aguardando julgamento, assim como ocorre também com ação indenizatória aberta no final do governo de Li Guerra, em 1996, em que a Prefeitura cobra indenização, na época avaliada em US$ 1 bilhão, pela dívida histórica da mineradora com Itabira.
Como se vê, a Justiça é lenta e falha.
Leia abaixo o requerimento ao Ministério Público, pelo jornalista Carlos Cruz:
Itabira, 30 de setembro de 1985.
A cada dia aumenta em Itabira a discussão e a apreensão quanto aos aspectos negativos da atividade mineradora em quase toda a extensão do município. Desde o ano de 1942, a empresa estatal Companhia Vale do Rio Doce S/A iniciou a exploração do Pico do Cauê, outrora imponente e símbolo de orgulho itabirano, extraindo a hematita em escala industrial.
A mineração, como se sabe – mesmo que um simples garimpo – é predatória, uma vez que extrai riquezas minerais das entranhas da terra. Remove terras e a vegetação existente é violentamente agredida. De todas as relações do homem com a natureza na certa é a que mais destrói.
Itabira convive numa extensão de aproximadamente 10 quilômetros, com o garimpo a céu aberto de minério de ferro. Durante todos esses anos foi cumplice silenciosa e impotente diante da devastação de toda a vegetação exuberante do Pico do Cauê, Camarinha, Serra do Esmeril e Conceição.

Entretanto, mesmo sendo flagrante a violência ambiental, não se verificou até a presente data, por parte da Cia. Vale do Rio Doce, preocupação em adotar e implementar uma política ambiental compatível e correspondente a uma contrapartida em igual escala à destruição ecológica pela atividade mineradora.
As minas da Companhia Vale do Rio Doce, correspondentes as denominações já citadas, localizam-se incrivelmente próximas à cidade. A Vila Paciência, por exemplo, antiga comunidade operária, há cerca de dois anos é obrigada a conviver com a mineração a menos de 50 metros das residências. Essas residências pelas suas pinturas encardidas, bem retratam o drama de seus habitantes.
Além do grande volume de poeira que nos períodos secos invade toda a cidade, há o barulho ensurdecedor de máquinas trabalhando dia e noite. A mineração da Serra do Esmeril, antiga propriedade da Companhia Aços Especiais de Itabira – Acesita, teve inicio pela CVRD sem a devida preocupação com as repercussões negativas na vida dos moradores vizinhos, principalmente os da Vila Paciência; como também com os moradores da Camarinha, localizada dentro da própria mineração.
Dos vagões da Estrada de Ferro Vitória a Minas, soltam em toda extensão que percorrem, grande quantidade de poeira de minério, atingindo a maioria dos bairros da cidade. Ao longo da ferrovia não se vê em suas margens, qualquer espécie de vegetação, que se preservada ou mesmo que criada artificialmente, poderia amenizar os efeitos poluentes do transporte de minério, bem como o barulho provocado pelos vagões sobre os trilhos.
A mineração destruiu inúmeras nascentes e mananciais da Camarinha, do Córrego da Penha, bem como o manancial do Borrachudo, hoje servindo também como represa para contenção de rejeito. A nascente e o córrego de Santana sofreram também a destruição pelo rejeito de minério.
O Rio de Peixe, já mais recentemente, foi todo assoreado pelo “fino” de minério. O rio Jirau que passa pelo município de Santa Maria de Itabira, recebeu por longos anos o rejeito de minério, destruindo a vida aquática e causando grandes prejuízos a fazendeiros com mortes de inúmeras cabeças de gado.
Mesmo com a construção da represa da Pedreira (nr.: hoje, Santana), o fino continua trazendo transtorno para Santa Maria, uma vez que o rejeito depositado após a barragem vem provocando anualmente enchentes em todo o seu leito, atingindo violentamente a sede daquele município.

Enormes implicações ambientais devem apresentar à qualidade do meio ambiente em Itabira, as represas da CVRD, construídas com o objetivo de conter o rejeito e também amenizar o assoreamento dos córregos. Essas represas armazenam inúmeros componentes químicos (amina, soda cáustica e outros) que conjugados, estão a merecer uma séria investigação sobre os danosos efeitos que podem estar causando à população local.
Especial interesse de investigação devem merecer, principalmente, as represas do Pontal, pela sua proximidade com os bairros Bela Vista, São Pedro, Eldorado e parte alta do bairro Jardim das Oliveiras; bem como a represa do Rio do Peixe, que hoje é utilizada como recreação de inúmeros trabalhadores da própria CVRD, como parte da sede social do Sindicato Metabase.
Da mesma forma, deve ser objeto de especial atenção a represa precariamente construída no lugar denominado Chacrinha. As indagações que se fazem são as seguintes: com o assoreamento do fino de minério, existem riscos de desmoronamento dessa represa? Existem riscos de contaminação pelo contato ou mesmo pela sua proximidade com a população vizinha?
Absurdo muito grande também é o fato do “anel rodoviário” (nr.: atual estrada 105) de Itabira passar exatamente onde encontra-se a mineração da Serra do Esmeril. Os veículos que por ali passam – todos que vêm de Belo Horizonte em direção aos municípios situados ao Norte de Itabira correm enormes riscos de abalroamento com as máquinas e caminhões pesados.
Em horários pré-determinados o tráfego é paralisado para que ocorram as detonações para a retirada de minério. Esse é um problema previsível, foi motivo de projeto de execução de um novo anel rodoviário pela própria empresa, sem que se apresentasse solução definitiva até a presente data.
A Companhia Florestas Rio Doce, subsidiária da CVRD, desde a sua criação para o reflorestamento com fins energéticos e fabricação de celulose, vem cuidando da substituição da rica floresta natural por floresta homogênea (pinus e eucaliptos) numa extensão que abrange inúmeros municípios vizinhos.

Qual é a proporção, permitida por lei, na relação floresta natural /floresta homogênea? Essa proporção vem sendo respeitada pela Floresta Rio Doce? Quais os efeitos que a floresta homogênea traz à fauna e flora da região? Quais as garantias que temos da preservação do restante de nossas florestas naturais?
Em síntese, essas são algumas das preocupações que temos quanto à qualidade de nosso meio ambiente em Itabira. Muitos desses impactos – pode ser dito – não teriam como ser evitados. Entretanto, a maioria deles poderia ser se não evitado, pelo menos amenizado.

A CVRD, porém, nunca teve essa preocupação. Desconhecimento e descaso total pelo meio ambiente e a população que aqui e vive e trabalha. Essas foram as características marcantes da atuação dessa empresa que hoje se transformou em uma das maiores de mineração do mundo e exemplo de organização dentre todas as estatais brasileiras.
Não foi à toa que a sensibilidade do poeta Carlos Drummond de Andrade foi duramente ferida. Seu protesto, que poucos entenderam, se traduziu na sua longa e permanente ausência física de Itabira.
Isto posto, com fundamento no art. 8º, inciso I, da Lei Federal 7.347/85, requeiro a V.Exª que se digne de determinar instauração do inquérito civil, com a finalidade de apurar os danos causados ao meio ambiente e patrimônio paisagístico da cidade de Itabira e Santa Maria de Itabira.
- deferimento.
Carlos Eustáquio de Alvarenga Cruz
Jornalista
A Vila de Utopia não nos deixa esquecer dolo drama de Itabira. Lembrar para não esquecer. Parabéns Carlinhos.