“A Vale tem compromissos legais com Itabira antes de nos deixar”, afirma presidente da Câmara
Carlos Cruz
O presidente da Câmara, vereador Neidson Freitas (PP) condenou, na sessão dessa terça-feira (12), o clima pessimista que está se criando na cidade com o anúncio de uma provável exaustão das minas de Itabira, conforme foi divulgado pela Vale por meio do relatório Form20 (F20), registrado em 13 de abril deste ano na Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, relativo ao exercício encerrado em 31 de dezembro de 2017.
O relatório é publicado anualmente em cumprimento à legislação norte-americana de mercado de capitais, conforme informa o jornalista Paulo Mangerotti, na revista especializada Notícias de Mineração Brasil, que foi quem deu a notícia em primeira mão no país (leia aqui).
O pedido de cautela ocorreu após o vereador André Viana (Podemos) apresentar requerimento, aprovado por unanimidade, convidando o presidente da Vale, Fábio Schvartsman, para vir a Itabira explicar qual é o real horizonte da exaustão mineral da cidade.
Pelo relatório F20, apresentado no ano passado, as minas do complexo de Itabira devem se exaurir em 2028. Viana apresentou também requerimento para que o legislativo promova audiência pública sobre a mineração em Itabira, já agendada para o dia 3 de julho, às 19h.
“Precisamos ter cautela com esse assunto. Itabira vai continuar existindo mesmo sem a Vale”, é a aposta que faz o presidente da Câmara. Segundo ele, a cidade já avança nas áreas de saúde e educação para se tornar polo macrorregional. Além disso, defende, a Vale tem obrigação de entregar as alternativas econômicas ao município.
Entre as alternativas, o vereador quer a repactuação com a empresa da parceria para concluir a instalação do campus da Unifei e também para viabilizar o Parque Tecnológico. Só na construção dos prédios previstos no projeto do campus universitário a expectativa é de investimento da ordem de R$ 400 milhões. “A Prefeitura ficou com a parte mais onerosa e não tem como arcar sozinha com esse investimento”, disse ele, em uma sessão da Câmara no ano passado (leia aqui).
Para o presidente da Câmara, o clima pessimista de fim de mineração prejudica a economia da cidade. “Não podemos transformar esse anúncio em caos e trazer pânico para a população. Daqui a pouco vai ter gente querendo vender imóvel e não vai ter quem comprar, ou ainda, desistir de investir no comércio ou pegar a mala para ir embora”, vislumbra, com preocupação.
“Precisamos ter mais informações da Vale. Por isso é importante convidar a direção da empresa para vir aqui nesta Casa dar explicações”, disse ele, aprovando a iniciativa do vereador André Viana de convidar o presidente Schvartsman.
“A Vale não é boba de deixar Itabira”, disse o ex-superintendente Ricardo Dequech
Com Neidson concorda o vereador sindicalista Paulo Soares (PRB), para quem esse clima de perda incomparável não ajuda o município encontrar saídas para quando chegar o fim do minério.
“O valor dos ativos da Vale é de US$ 12 bilhões. Ninguém fecha ativo dessa magnitude, com uma produção anual de 41 milhões de toneladas e que gera um faturamento de US 2,7 bilhões e um lucro de US$ 1,3 bilhão só em Itabira”, contabiliza.
“Esse discurso de pânico não ajuda”, disse o sindicalista, fazendo coro ao que disse o ex-superintendente da Vale Ricardo Dequech, em entrevista ao jornal O Cometa em 1993.
Foi quando a empresa anunciou, pela primeira vez, a existência de recursos de itabirito duro nas minas de Itabira, além do itabirito mole, e que, por um erro de digitação, saiu impresso no jornal como sendo itabirano mole. O que não deixa de ser verdade, como se comprova historicamente.
Contraponto
Para o vereador André Viana não se trata de criar pânico, mas de exigir explicações à mineradora. “Eu não disse que a empresa vai fechar e acabar em Itabira. Ficar só no discurso não resolve, principalmente discurso de pelego não resolve”, alfinetou ele, que faz oposição a Paulo Soares no sindicato Metabase.
Embora o presidente da Vale não seja obrigado a comparecer à Câmara, Viana acredita que ele não irá recusar ao convite.
“Se fizer isso, será um desrespeito à população itabirana. Ele (Schvartsman) dispõe de jatinho e de helicóptero, é fácil vir a Itabira”, disse o vereador, depois de criticar a empresa, na qual trabalha há 15 anos, de tratar o município como fez os portugueses na colonização do país.
“Não queremos uma guerra com a Vale, mas um diálogo para que ela apresente as contrapartidas (à sua saída) que não sejam ninharias e espelhinhos como fizeram os portugueses com os índios”, comparou.
E completou: “A Vale não é a única culpada (pela situação de extrema dependência à mineração). Itabira com os seus agentes políticos e sociais falharam e isso não quer dizer que devemos falhar também. Não podemos ficar omissos. No passado, prefeitos ficaram trocando favores políticos com a Vale ao invés de trocar pela Unifei.”
Empresa anuncia, em 2003, que Itabira tem minério para mais de 60 anos
De fato, a Vale deve urgente explicação a Itabira. Afinal, qual é o horizonte real para a exaustão de suas minas no município? A mineradora ainda não disse, mas é sabido que as declarações feitas por meio do relatório Form20 reportam apenas as reservas e os recursos comprovados por uma auditoria independente. Não estariam, portanto, contabilizadas as reservas e os recursos que ainda demandam estudos mais aprofundados de viabilidade econômica e ambiental.
Sabe-se também, conforme foi divulgado em 2003, que as minas de Itabira dispõem de mais reservas e recursos além dos que foram declarados oficialmente à Securities and Exchange Commission (SEC), no ano passado (leia mais aqui).
Por esse relatório de 2003, portanto há 15 anos, as reservas conhecidas de Itabira seriam de 1.135 bilhão de toneladas (Bt), distribuídas entre hematita com 418,9 milhões de toneladas (Mt) e itabiritos (716 Mt).
Só com essas reservas, considerando a média de produção anual de 40 milhões de toneladas (Mt), restariam ainda 535 Mt, suficientes para estenderem o horizonte de exploração por mais 13 anos. Como na mesma ocasião foi relatada a existência de recursos da ordem de 3,9 Bt, esse horizonte, caso esses recursos sejam viabilizados, se alongaria para mais algumas dezenas de anos.
Não foi à toa que o ex-diretor da Vale José Francisco Viveiros tenha declarado, ufanisticamente, numa reunião na Acita, em 2003, que Itabira teria minério para mais de 60 anos. Restariam, portanto, 45 anos de mineração no complexo minerador de Itabira – e não apenas uma década conforme foi declarado pela Vale à Bolsa de Nova Iorque no ano passado.
Esse relatório gerou, inclusive, clima de grande otimismo em Itabira – e que agora se desmancha no ar como tudo que é sólido, com o minério que se esvai. Mas há quem diga, também, que o minério de Itabira nunca vai exaurir, mas se tornará inviável economicamente.
São essas explicações que a direção da mineradora deve à Itabira. Afinal, qual relatório Form20 está valendo? O que foi apresentado agora, ou aquele divulgado em 2003? Com a palavra a direção da mineradora Vale S.A.