A utopia sepulta a distopia: viva o Estado Social Democrático de Direito com Lula na presidência da República Federativa do Brasil
Foto: Ricardo Stuckert
Por Carlos Cruz*
Ao embarcar em avião presidencial para os Estados Unidos, deixando de dar posse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou um grande serviço ao não passar a faixa presidencial, como manda o protocolo republicano.
Com isso, Lula não teve de apertar a mão de quem ele acusa de ser genocida pela sua atitude negacionista durante a pandemia, ao mesmo tempo em que, simbolicamente, permitiu que recebesse esse símbolo da presidência nas mãos de representantes da sociedade civil brasileira.
Foi uma posse carregada de simbolismo e de atitudes práticas que se seguiram com os decretos contendo o revogaço de inúmeras medidas antipopulares, que passam a não ter efeitos, ou efeitos restritos, por não serem condizentes com o Estado Social Democrático de Direito, que, se espera, passe a vigorar como parte das políticas públicas do governo federal daqui pra frente.
Lula disse em seu discurso que não quer revanchismo, mas espera que se cumpra a lei. Ou seja, sem a imunidade que o cargo lhe conferia, Bolsonaro sabe que não terá vida mansa daqui para frente e que seus crimes políticos serão apurados e julgados na forma da lei.
Não será, portanto, causa de espanto se o ex-presidente prolongar indefinidamente a sua estadia nas terras do Tio Sam, que ele tanto ama ao ponto de beijar aulicamente a bandeira norte-americana no início de seu mandato. Portanto, se ele pedir asilo político aos Estados Unidos e permanecer por lá, não será surpresa. Se será concedido, é outra história.
Simbolismos
Ao privar o presidente do constrangimento de sua tóxica presença, rompendo uma tradição democrática-republicana, Bolsonaro possibilitou a Lula mais um ato carregado de simbolismo: ele recebeu a faixa de um grupo representativo da sociedade brasileira, com segurança e alegria.
Representando o povo brasileiro lá estavam um atleta negro de 10 anos, o paulistano Francisco, campeão de natação, ao lado da catadora Aline Souza, que foi quem colocou a faixa presidencial no presidente.
O cacique Raoni Metuctire, que foi vilipendiado pelo ex-presidente, também estava lá representando os povos originários, que não terão mais as suas terras invadidas por garimpeiros, madeireiros, pecuaristas genocidas.
Weslley Viesba Rodrigues Rocha, metalúrgico do ABC, representou os operários brasileiros, enquanto o professor Murilo de Quadros Jesus se fez presente para mostrar a importância que a educação pública e de qualidade voltará a ter no país com o novo governo.
Jucimara Fausto dos Santos, dona-de-casa, representou a mulher que luta por seus direitos e enfrenta dupla jornada de trabalho sem ter o reconhecimento devido pelo Estado e pela sociedade brasileira.
Isso enquanto o jovem Ivan Baron, que ao sofrer meningite viral aos 3 anos, tendo como consequência uma paralisia cerebral, que nunca o paralisou, representou os que lutam pela inclusão social e contra a discriminação de qualquer natureza.
E Flávio Pereira, natural de Pinhalão, estado do Paraná, representou os artesãos e todos aqueles que permaneceram em vigília, em 2019, integrando a Vigília Lula Livre durante os 580 dias que o presidente ficou preso, condenado sem provas pela República de Curitiba.
Para que serve a utopia?
Não teria melhor representação para a utopia que renasce com o presidente empossado, colocando fim a distopia que o país vivia.
A utopia, como bem explicou o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Hughes Galeano (1940-2015), citando resposta do amigo Fernando Birri, diretor de cinema argentino, está no horizonte inalcançável, pois ao se caminhar dez passos, a utopia vai se distanciar outros dez passos. “Então, para que serve a utopia? Para isso, para caminhar e avançar”, respondeu Galeano.
Pois é exatamente isso que a posse de Lula representa e a sociedade brasileira espera. Que o Brasil possa avançar nas conquistas sociais, na construção de uma sociedade mais justa, fraterna, com melhor distribuição de riquezas que propicie qualidade de vida melhor para todos, sem distinção.
E, sobretudo, sem a fome que ainda assola milhões de brasileiros hipossuficientes que não têm o que comer quando sentem fome e que fizeram Lula chorar em um de seus discursos de posse.
Desmonte do Estado Distópico
Para dar esse passo fundamental, é preciso começar pela economia, pois está nela o principal fundamento para se criar essa sociedade utópica, no sentido de que avançará sempre em suas conquistas sociais, sem nunca ter fim.
Isso porque sempre haverá o que avançar, para o país seguir em frente com os direitos sociais de últimas gerações. E isso não é tarefa de um só presidente e de seu ministério, mas de todo o povo brasileiro que se fez muito bem representado na transmissão da faixa presidencial.
E já no imediatamente à posse, Lula já começou por dar início ao desmonte do estado distópico desprovido de direitos para o povo e carregado de benesses para a minoria que de tudo desfruta da imensa riqueza gerada pelo trabalho e pelos recursos naturais do país.
Foi assim que, ao assumir a presidência nesse 1º de janeiro de 2023, Lula já revogou uma série de atos do ex-presidente, como por exemplo, o decreto que concedia mais benesses às grandes empresas e que cortava à metade as alíquotas de tributos PIS/Confins) – e que causariam impactos de R$ 5,8 bilhões nas receitas no primeiro ano do novo governo.
A medida incide apenas sobre as empresas que adotam o regime não cumulativo para o recolhimento dessas contribuições. Atinge, portanto, somente as grandes empresas que adotam essa modalidade – cujos rendimentos são obtidos com aplicações no mercado.
Outra medida importante, e que deve ser adotada em breve, é pelo fim da isenção de Imposto de Renda sobre os dividendos pagos pelas empresas aos proprietários e acionistas, diferentemente do que ocorre com os trabalhadores, que têm o tributo descontado na fonte.
Mas é bem provável que Lula, como fez nos seus dois governos anteriores, mantenha o tripé macroeconômico, adotado desde 1990 com o plano Real, tão caro ao mercado, que consiste em manter a inflação sob controle, mas sem o teto de gastos, com câmbio flutuante e balança comercial favorável.
Entretanto, é bem provável que ele revogue a Lei Kandir, que concede isenção de ICMS aos bens primários destinados às exportações (commodities). Isso pelo menos no que se refere aos bens minerais não renováveis, mantendo-se essa concessão ao agronegócio, mas com contrapartidas ao mercado interno que devem ser instituídas.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que foi descaracterizada no governo Temer, também deve ser retornada em muitos aspectos, com participação de empresários, centrais sindicais e governo.
“Vamos dialogar de forma tripartite para garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social”, propôs o presidente, que considera o teto de gasto uma estupidez por retirar recursos dos investimentos sociais e educacionais das universidades, do ensino técnico, das creches, das políticas públicas de combate à fome e à miséria.
Herança bolsonarista
Para Lula, a herança deixada por Bolsonaro é estarrecedora. E um relatório completo com tudo que o grupo de transição encontrou será encaminhado ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal, Procuradoria-Geral da República, aos governadores, à sociedade brasileira, para os devidos processos legais.
E que devem ser muitos para que não impere a impunidade por tantas irresponsabilidades e crimes cometidos pelo desgoverno que gerou tantas ignomínias cometeu nos últimos quatro anos.
“Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal”.
Para isso acontecer será aberta a caixa-preta do último governo, com o fim do sigilo “perpétuo” das ações bolsonaristas.
Acesse o relatório completo da comissão de transição com os descalabros do último governo aqui:
https://viladeutopia.com.br/wp-content/uploads/2023/01/Relatorio-final-da-transicao-de-Lula.pdf
Fim do armamentismo
No pacote com as medidas já assinadas após a posse, Lula suspendeu a autorização de novos clubes de tiro até que ocorra uma nova regulamentação, além do registro de novas armas de uso restrito a Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs).
“Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas, quer paz e segurança para o seu povo”, anunciou o presidente.
Combate à fome e a criminalização do genocídio
Ao citar o seu discurso de posse em 2003, Lula lamentou ter de colocar novamente em pauta o combate à fome com uma das prioridades de seu governo.
“Ter de repetir esse compromisso no dia de hoje, diante do avanço da miséria e do regresso da fome que havíamos superado, é o mais grave sintoma da devastação que se impôs ao país nos anos recentes”, discursou.
Embora não tenha falado em revanchismo, por uma questão de justiça Lula defendeu a responsabilização pelo genocídio brasileiro que causou o óbito de mais de 600 mil brasileiros, quando muitas mortes poderiam ter sido evitadas, durante a pandemia com a Covid-19, ao ser tratada pelo governo como uma “gripezinha”, e por atrasar criminosamente a compra de imunizantes.
“O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio responderemos com amor. À mentira, com a verdade. Ao terror e à violência responderemos com a lei e suas mais duras consequências”, disse o novo presidente da República Federativa do Brasil.
Frente ampla
“É urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade, que envolva a sociedade como um todo”, disse Lula.
E, também, para defender a democracia, que esteve sob risco nos últimos quatro anos.
“Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais. Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre.”
Para isso, o presidente Lula defendeu a união dos brasileiros, acenando aos que votaram no ex-presidente.
“Quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância.”
Que assim, seja.
*Com informações da Folha de S.Paulo e Congresso em Foco.
Ouça o discurso de posse de Lula após receber a faixa presidencial de populares no Palácio do Planalto