A persistência da ameaça golpista no Brasil: ecos de 1964 e a interferência dos Estados Unidos em 2025

Encontro de Bolsonaro com Trump, na Casa Branca, em 7 de março de 2020

Foto: Alan Santo/PR

Por Valdecir Diniz Oliveira*

O Brasil vive, em 2025, uma conjuntura política marcada por tensões institucionais, polarização extrema e uma inquietante reedição de elementos que precederam o golpe militar de 1964.

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, provocou uma reação coordenada de parlamentares bolsonaristas que obstruíram sessões da Câmara e do Senado, exigindo anistia irrestrita aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.

Essa obstrução legislativa, longe de ser um ato isolado, insere-se em uma estratégia de desestabilização institucional que remete diretamente ao passado autoritário do país.

Assim como em 1964, quando João Goulart propunha as reformas de base (agrária, educacional, urbana, bancária e fiscal) com o objetivo de democratizar o acesso à terra, à educação e ao crédito, hoje o Brasil se vê diante de um projeto de soberania nacional e regulação das big techs que incomoda interesses externos.

À época, os Estados Unidos, sob o pretexto de combater o avanço do comunismo, financiaram grupos conservadores e religiosos, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), e promoveram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu centenas de milhares de pessoas em defesa da “moral cristã” e da “propriedade privada”.

Similaridades

A TFP (Tradição, Família e Propriedade), fundada em 1960 por Plinio Corrêa de Oliveira, foi uma das organizações ultraconservadoras que se opôs às reformas de Goulart e ajudou a legitimar o golpe.

Embora não haja comprovação de financiamento direto dos Estados Unidos à TFP, há registros de apoio norte-americano a grupos que atuavam em conjunto com ela, como o IBAD e a ADEP.

Hoje, o discurso é semelhante, mas adaptado aos tempos: a ameaça não é mais o comunismo clássico, mas o Brics, a regulação das redes sociais e a aproximação com a China.

A retórica de Donald Trump, que condiciona o fim do tarifaço comercial à anistia dos golpistas e à suspensão dos processos contra Bolsonaro, revela uma ingerência explícita nos assuntos internos do Brasil.

A aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Moraes, o bloqueio de bens e a revogação de vistos são instrumentos de chantagem diplomática que ferem diretamente a soberania nacional.

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, promovida em 1964 por setores conservadores e religiosos, foi um divisor de águas. Ela legitimou o golpe militar e criou um clima de apoio popular à ruptura democrática.

Em 2025, manifestações semelhantes voltam a ocorrer, agora em defesa de Bolsonaro e de Trump, com o mesmo apelo emocional e religioso, e a mesma instrumentalização da fé como ferramenta política.

Forças ambíguas

As Forças Armadas, embora não tenham aderido integralmente ao projeto golpista em seu primeiro momento, mantêm uma postura ambígua.

A ausência de uma condenação firme aos atos antidemocráticos levanta dúvidas sobre sua confiabilidade como garantidoras da ordem constitucional.

A história ensina que a neutralidade militar diante de ameaças à democracia pode ser tão perigosa quanto o apoio explícito à ruptura institucional.

A democracia brasileira está sob ataque. A tentativa de golpe não se encerrou com os atos de 8 de janeiro – ela se reinventa, se infiltra nas instituições e se alimenta da polarização, da desinformação e da intervenção estrangeira.

Cerco ao Congresso

A obstrução do Congresso Nacional por parlamentares bolsonaristas, a pressão internacional por anistia irrestrita aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, e a mobilização de massas bolsonaristas em defesa de um ex-presidente réu por tentativa de golpe de Estado não são meros episódios isolados.

São sintomas claros e articulados de um projeto autoritário que continua em curso, que busca minar as bases do Estado Democrático de Direito e reconfigurar o pacto constitucional brasileiro sob a lógica da intimidação institucional e da chantagem diplomática.

A ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal, especialmente contra o ministro Alexandre de Moraes, sancionado pelo governo Trump sob alegações infundadas de violação de direitos humanos, revela uma tentativa de deslegitimar o Judiciário e enfraquecer sua capacidade de conter abusos de poder.

A imposição de tarifas comerciais como retaliação política, já contestada por juristas americanos como ilegal e inconstitucional, expõe o grau de ingerência externa que ameaça diretamente a soberania nacional.

Defesa da democracia

Diante desse cenário, é urgente que as instituições democráticas se fortaleçam, que a sociedade civil se mobilize com firmeza e que o Judiciário mantenha sua independência e coragem para enfrentar os ataques.

A democracia não se sustenta apenas nas urnas, mas na defesa cotidiana de seus princípios, especialmente quando confrontada por forças que operam dentro e fora do país para corroê-la.

O Estado Democrático de Direito não pode ser refém de interesses estrangeiros, nem de lideranças que flertam abertamente com o autoritarismo.

A história brasileira já testemunhou os custos de sua suspensão e não pode repetir esse erro. Como afirmou a deputada mineira Duda Salabert: “A história cobra. A democracia resiste”. Que essa resistência seja coletiva, institucional e inegociável.

*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador

 

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