A nossa bandeira jamais será vermelha e daí?

 Nunca alguém, algum partido, governo ou governante propôs trocar as cores ou formato da bandeira brasileira. Essa ideia de reforçar que nossa bandeira jamais será vermelha é pura bobagem

Por Juacy da Silva*

EcoDebate – Todos os países, ao longo da história, principalmente quando se tornam independentes de outros que os colonizaram, espoliaram, escravizaram ou mudaram de regime político ou forma de governo costumam criar, mudar ou recriar suas bandeiras e outros símbolos nacionais, como hinos, brasões e coisas do gênero.

Desde cedo, as crianças são ensinadas a cultuarem e respeitarem os símbolos nacionais e em alguns países, principalmente em regimes totalitários isso está ligado diretamente aos organismos de repressão, às forças policiais e às forças armadas. Desfiles patrióticos, ganham uma dimensão quase semelhante a idolatria nos cultos religiosos.

Ai daqueles que discordarem dessas práticas. Podem, em alguns casos,  pagarem com a perda da liberdade/prisão ou mesmo chegando à pena de morte.

Existem grupos sociais, organizações, governantes ,partidos políticos e pessoas que se julgam mais patriotas do que os demais cidadãos. Mas na verdade, sequestram os símbolos nacionais, criam slogan e estandartes que fazem parte desses símbolos, como no atual governo federal do Brasil que sequestrou parte do hino nacional como seu slogan de governo, Refiro-me à estrofe “Pátria amada, Brasil”.

Tanto o governo atual quanto seus seguidores, muitos que já se tornaram tão fanáticos quanto pessoas recém-convertidos a credos religiosos, com certo fanatismo, que precisam aparentar um fervor acima dos comuns mortais, enrolam-se na bandeira nacional, querendo com isso demonstrar que são mais patriotas do que quem não seja adepto do atual presidente e de suas ideias, por mais estapafúrdias que sejam.

Ao assim fazerem, na verdade o que tentam demonstrar é a desqualificação dos adversários, principalmente os integrantes do PT e partidos aliados, cuja bandeira partidária tem o vermelho ou o MST, em  cuja bandeira ou bonés também ostentam a cor vermelha.

Com isso, tentam enfatizar que a cor vermelha é a cor do socialismo ou do comunismo, esquecendo-se de que todos esses e outros partidos cumpriram os requisitos legais e são reconhecidos pela Justiça Eleitoral.

Criaram um slogan quando dizem “nossa Bandeira jamais será vermelha”. Querem com isso dizer que abominam a cor vermelha e que esta é a cor do comunismo, do socialismo e de outros “ismos” que possam ser usados para desqualificarem seus adversários, associando-os a regimes não democráticos, totalitários ou autoritários.

Interessante é que em nenhum momento, em qualquer instância judicial em nosso país ou em qualquer outro que se tem notícia, proibiu-se o uso da cor vermelha seja nas bandeiras, nas roupas, nos vestidos das mulheres, nos uniformes escolares, nas bandeiras estaduais, municipais ou em quadros (obras de arte), nas fachadas de edifícios.

Enfim, a cor vermelha é apenas uma cor como as demais, não podendo associá-la a aspectos negativos, quaisquer que sejam, muito menos em termos ideológicos.

Assim, podemos dizer que, a nossa bandeira é verde amarela, mas a cor da bandeira nada tem a ver se o país vive sob democracia ou ditadura. Das 224 bandeiras de países e territórios no mundo, 178, ou seja, 79,5% , inclusive a maioria dos países da Europa, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Rússia, Austrália, Inglaterra e inúmeros países da África e da Ásia, têm a cor vermelha.

Até a Bandeira da Itália, inclusive durante o período fascista, e da  Alemanha nazista, tinham a cor vermelha bem destacada. Os regimes nazista  e fascistas eram o oposto do comunismo e socialismo, que aparecem como os únicos ligados à cor vermelha.

Nos EUA, além da bandeira nacional que é hasteada diariamente em todos os edifícios públicos, privados e até em residências, também em 75% das bandeiras dos estados tem a cor vermelha.

No Brasil, por exemplo, 15 dos 26 estados e Distrito Federal tem a cor vermelha em suas bandeiras e 15 também das 27 capitais tem o vermelho em suas bandeiras.

Será que isto diminui o patriotismo nesses estados e capitais? Ou será que estados e capitais deveriam ser obrigados a mudarem as cores de suas bandeiras e terem outras cores, para que suas bandeiras jamais tenham o vermelho? Porque amaldiçoar a cor vermelha?

Podemos mencionar também a entidade internacional que todos conhecemos: a Cruz Vermelha, símbolo da solidariedade que salva vida em tempos críticos, de desastres ou em áreas conflagradas, ostenta galhardamente a cor vermelha.

Outros exemplos de  símbolos, inclusive sagrados que tem a cor vermelha, podemos mencionar que o Sagrado Coração de Jesus é vermelho. Será que deveria também ser verde-amarelo?

O sol é vermelho, o palio da Opus Dei é vermelho, o sangue humano e dos animais não racionais é vermelho e estamos acostumados a associá-lo, ao dizer que  sangue é vida. Será que o sangue também deveria ser verde amarelo?

Também podemos ressaltar que na Bandeira Imperial do Brasil muito antes de haver socialismo ou comunismo no mundo, que perdurou desde a nossa independência até a Proclamação da República, tinha a cor vermelha nela.

Enfim, associar cores de bandeiras, verde, amarelo, azul, branco, preto, marrom, vermelho, verde, lilás em diferentes tonalidades formatos com questão ideológica, com patriotismo, com cristianismo é uma grande bobagem, uma besteira sem sentido.

Têm muitos países islâmicos, ditaduras religiosas sanguinárias e países totalitários, regimes ditatoriais civis ou militares, de esquerda ou de direita que não tem a cor vermelha em suas bandeiras e em outros símbolos nacionais, mas sim outras cores como o verde, o amarelo, o preto, o azul, o branco ou outras cores. E nem por isso seus governantes são democráticos  e respeitam os direitos humanos de seus cidadãos e cidadãs.

O slogan “nossa Bandeira jamais será vermelha” utilizado por seguidores atual presidente, tenta passar uma mensagem de que seus integrantes e seguidores são mais patriotas ou talvez os únicos patriotas que existem no Brasil.

Isso não tem sentido. A bandeira nacional não é propriedade apenas dessas pessoas. Ela é símbolo do país e pertence a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas brasileiras. Ponto final.

Cabe aqui uma referência que o Brasil, desde a proclamação da República, há 133 anos, já passou por períodos críticos, já mudou de Constituição Federal por mais de seis ou sete vezes, Constituições aprovadas por Assembleia Nacional Constituinte, como foi a de 1988, ou outorgada de forma autoritária por governantes não democráticos.

Nunca alguém, algum partido, governo ou governante propôs trocar as cores ou formato da bandeira brasileira. Essa ideia de reforçar que nossa bandeira jamais será vermelha é pura bobagem de quem não tem o que fazer ou uma forma bem distorcida de insinuar que o PT ou partidos de esquerda, inclusive socialistas ou comunistas, queiram mudar as cores da bandeira nacional.

Isso é manipulação grosseira do imaginário coletivo. Querer associar a cor vermelha a algo ruim, nefasto ou a regimes ditatoriais, de esquerda, é uma forma grosseira de fugir ao debate dos reais problemas e desafios que fustigam nosso país e que tanto sofrimento trazem ao povo brasileiro, principalmente aos pobres, excluídos, marginalizados e injustiçados, para quem os governos e o Estado brasileira são grandes ausentes.

Até mesmo os meios de comunicação, de forma subliminar, enveredam para esta distorção, como por exemplo, quando colocam no mapa do Brasil, os estados e municípios em que Lula ou o PT e partidos aliados venceram a cor vermelha e onde Bolsonaro  e seus aliados venceram a cor azul, demonstrando que o Brasil esta dividido, com alguns estados e regiões com a cor vermelha e outros com a cor azul. Só faltou substituir o azul pelo verde-amarelo para reforçar esta manipulação ideológica.

As cores de nossa bandeira nacional não são e jamais serão as cores e os símbolos a serem de propriedade de um governo ou partido político, não podemos aceitar que governantes  e seus seguidores manipulem e mistifiquem as massas com mensagens subliminares.

A bandeira brasileira é um símbolo nacional, do Estado Brasileiro e de sua população. Jamais deve ser apropriada por qualquer governo, partido ou grupo populacional como arma política e ideológica, como está acontecendo em nosso país nesses últimos quatro anos.

Os reais problemas do Brasil não  são as cores de nossa bandeira nacional, mas a miséria, a fome, a corrupção, a burocracia paquiderme, a pesada carga tributária, o contrabando de mercadorias, o tráfico de armas, o banditismo,  os privilégios dos donos do poder, dos marajás da República, a desigualdade regional, setorial, econômica, social e cultural, a degradação socioambiental.

E mais; a poluição, a insegurança alimentar, hídrica e energética, a falta de saneamento básico, o desmatamento e as queimadas, a sonegação de impostos, principalmente por parte de grupos econômicos poderosos, além do tráfico de influência, a violência, o crime organizado, a falta de acesso à saúde.

É a educação de baixa qualidade, a falta de planejamento nacional e nas demais esferas de governo, a violência contra a mulher, as crianças ,os idosos  pessoas com deficiência, o desemprego, o subemprego, o endividamento das famílias, o atraso científico e tecnológico, o analfabetismo, o analfabetismo funcional, a discriminação, o racismo estrutural.

É também a falta de apoio para a agricultura familiar, o uso abusivo de agrotóxicos que está envenenando o solo, as águas, o ar e nossos alimentos, o desrespeito aos direitos humanos, inclusive dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações tradicionais e tantos outros mais problemas que deixo de mencioná-los nesta oportunidade.

Estes sim, são problemas e desafios que o povo gostaria que os candidatos a presidente da República, governadores de estado, deputados federais, estaduais e senadores, os seus correligionários  e seguidores tivessem debatidos ou estivessem debatendo. E não a baixaria em que se tornaram essas eleições.

Não podemos permitir que a agenda pública seja desviada de seu foco que deve ser os reais problemas e desafios nacionais que afetam mais diretamente a vida da população, para questões inexistentes ou de menor significado que, como a questão das cores da nossa bandeira, jamais foram ou estão sendo objeto de discussão ou propostas de mudança, a não ser em mentes vazias de preocupações com o que afeta realmente o povo.

*JUACY DA SILVA é  professor titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy

 

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