‘A metamorfose’ e seu retrato de uma condição desumana
Imagem: Reprodução/ O Bule
Por Iasmim Assunção
O Bule – Escrita em apenas 20 dias, A metamorfose, do escritor austro-húngaro Franz Kafka, se tornou uma obra impactante na literatura universal. Finalizado em novembro de 1912, foi publicada em 1915.
A personagem principal é Gregor Samsa, um caixeiro viajante (profissão desgastante devido a inúmeras viagens) que trabalhava para sustentar a família e pagar as dívidas de seu pai, aposentado pela idade. Sem uma explicação racional para essa transformação, Gregor acorda metamorfoseado em um gigantesco inseto monstruoso no início da novela.
A preocupação do protagonista, assim que acordou e ao perceber que era um grande inseto, era ter que faltar ao trabalho, já que antes nunca havia perdido um dia. Apesar de não ser valorizado, a força de trabalho de Gregor era explorada e seu patrão foi o primeiro a ir atrás dele ainda na mesma manhã, por acreditar que Gregor não estava tendo compromisso com o cargo.
Gregor, lutando para se equilibrar nas pernas finas e se acostumar ao corpo grande e à cabeça sensível, consegue sair do quarto – agindo naturalmente – para dar uma explicação ao chefe e à sua família. Todos se assustam com a situação de Gregor; a família sente repulsa e o patrão corre quando ele tenta se comunicar, mas como sua fala também é afetada pela transformação, solta apenas ruídos.
Conforme o tempo passa, Gregor se acostuma e permanece, sob os móveis, recluso no quarto. Além disso, a família não permitia o contato de Gregor com o exterior. Os pais o enxergavam apenas sob o ponto de vista de sua função (sustentar a casa), e depois da transformação do filho, o pai foi obrigado a trabalhar novamente.
Greta, sua irmã, era quem levava comida, limpava o quarto de Gregor e lhe mostrava alguma simpatia. Inclusive, sugere retirar os móveis para lhe dar mais espaço no quarto, mas ele não permite pois não quer perder o resto que tinha que o tornava humano.
A relação familiar muda da indiferença para o desprezo quando Gregor sai do quarto por ter sido atraído pela irmã tocando piano na sala e acaba assustando os inquilinos da casa, que geravam um dinheiro a mais para a família. A partir daí, Gregor é visto como um parasita, um peso, além de passar a ser tratado como um animal.
Os inquilinos rompem o contrato de aluguel e Greta propõe que os pais se livrem de vez de Gregor (retrato da hipocrisia da família, que antes dependia do filho). Nesse momento, Gregor já habitava um quarto sujo, mas podia andar por paredes e pelo teto. A leitura se torna agoniante nos momentos em que Gregor finalmente age como o inseto que se tornou.
Oprimido enquanto indivíduo, já que as viagens constantes o afastavam das relações sociais, a transformação de Gregor em um inseto representa sua vida insignificante, como o animal em que pisamos em cima. Com a metamorfose, Gregor passa a perceber os relacionamentos em seus arredores.
A novela reflete sobre a identidade individual, e como uma pessoa escolhe viver a vida ou é forçado, nesse caso, por necessidades financeiras. Gregor era infeliz em seu serviço e sem amigos, mas não tinha outra opção, pois precisava trabalhar para ganhar dinheiro. Enquanto se tornava um inseto, ele não se desesperou justamente porque se viu livre das obrigações sociais, mas antes mesmo disso ele não possuía qualquer personalidade.
Essa novela de poucas páginas prende o leitor, que espera esperançoso por uma reviravolta na vida torturante de Gregor. Apesar de despertar sentimentos aflitivos, é uma obra que traz uma reflexão sobre dignidade, respeito, a importância de se diferenciar como individuo e até sobre a violação de direitos humanos. É um clássico em que, cada vez que é relido, se percebem novas nuances.