Vila de Utopia

A eternidade começa aos 40

Altamir Barros

Se ainda estivesse circulando, o jornal O Cometa Itabirano estaria completando 40 anos neste mês de novembro. Para celebrar o seu lançamento, iniciamos com este texto de Altamir Barros uma série de crônicas, relatos e reportagens sobre esse importante acontecimento jornalístico na história de Itabira

A vida segue passando como um sopro nos bons momentos, que são poucos, mas sentimos a sensação de eternidade, nos momentos ruins, que são muitos, mantendo a vida numa espécie de banho-maria.

A cidade de Itabira nunca teve tanta poeira como tem agora. Dizem até que temos poeira nuclear. Sempre ao sabor dos ventos, ela invade a cidade inteira e muda a cor do dia. É assim que corremos pra fechar as janelas, pois as partículas em suspensão, que é como os técnicos da Vale chamam a poeira, invadem a casa toda.

E se não bastasse a poeira, ainda temos os pernilongos, aedes, coleópteros, toda infinidade de mosquitos, alergias, febres, coceiras – uma tragédia recorrente que impede o bem-estar de todos nós. Janelas e bocas fechadas não entram mosquitos, já diz o ditado.

O que restou do Cauê em 1980 (acervo: CVRD). No destaque, a loja do senhor Said Jabour, na rua doutor José de Grisolia, no bairro Pará (Foto: Carlos Cruz)

E assim vivemos um paradoxo itabirano: com as janelas fechadas ninguém aguenta ficar dentro de casa nesse calor insuportável. Mas se abrimos as janelas vem a praga dos mosquitos e de tudo mais, além da poeira azul do blue-dust que vem das minas da Vale.

É melhor ligar o ventilador ou o ar condicionado. E aí, a nossa conta da Cemig vai pras alturas. Não é fácil viver nesta Itabira de 2019! É uma coisa atrás da outra e ainda por cima a vida é curta…

O melhor é viver como se fosse ontem, e lembrar como se tudo fosse hoje… tudo fica mais fácil e mais barato. Portanto, vamos voltar ao ontem como se fosse hoje… À cidade de Itabira em novembro de 1979.

Comércio

Pois, é! Lembrar as coisas como se fosse hoje e esquecer-se de outras como se fosse ontem.  A cidade de Itabira, segundo o IBGE no inicio dos anos 70 tinha uma população de 56.357 habitantes.

Naquela década de 1970, a cidade de Itabira contava com três jornais mensais antes do aparecimento do Cometa Itabirano: O Passarela, de Felício de Almeida Brugnara ainda presente na cidade, o jornal Folha de Itabira, do advogado e vereador José Brás Torres Lage (já falecido) não existe mais, e o jornal A Gazeta de Itabira, de Ayres Mamare (também já falecido), também começava a circular.

Não existiam outros “meios de comunicação de massa” – não tínhamos radiodifusão. E carros com alto falantes davam noticias de tudo, inclusive os avisos fúnebres e os convites para as missas de sétimo dia.

Esses eram os “veículos de comunicação de massa”. Faziam propagandas de produtos hortigranjeiros, de lojas em liquidação pondo fogo em seus estoques com preços de arrepiar a gata da vizinha.

Primeira edição do jornal O Cometa, novembro de 1979: entrevista com dom Mário Gurgel

Nesse, digamos, contexto da comunicação em Itabira na década de 1970, a empresa que marcou época foi a Sepulvo Informa. Nessa época havia em torno de 30 barbearias na cidade, sendo que umas dez se concentravam no centro, umas três barbearias no bairro Pará e as restantes espalhadas pela cidade.

Para as mulheres a oferta era maior, com mais de quarenta salões de beleza, além de muitas profissionais na área de manicure e pedicure que atendiam nas residências.

Os armazéns eram à base do comércio varejista da cidade, Existiam mais de 35 armazéns de secos e molhados que ainda vendiam para anotar nas cadernetas e outros comércios menores, alguns biscateiros.

No bairro Pará, até recentemente, havia o armazém de Erodites Lage, sempre cheio de pessoas comprando, onde se encontrava de tudo, desde material elétrico, panelas, talheres, queijos, ovos, macarrão, arroz e feijão pesados na hora.

Na Cabral Street outro histórico estabelecimento foi o Armazém de Juquinha Cabral, que atendia a todos os seus clientes com variados produtos a varejo e atacado, tendo marcado história e registro musical de nosso sempre eterno amigo Luiz Carlos Paiva (em memória).

Lá no final do bairro Pará, quase na Vila Paciência, havia o armazém de Joaquim de Brito, onde também se vendia de tudo: era a porteira da entrada de Itabira pelo lado nordeste. O proprietário foi também por muitos anos vereador e militante na política itabirana.

Também era famoso o armazém e o moinho do senhor Said Jabour, um turco que se mudou para Itabira e que virou dono de boa parte do bairro nos seus primórdios. Vendia principalmente armarinhos, calçados e aviamentos – e também fubá e canjiquinha preparados com esmero em seu moinho.

No centro histórico, abastecendo quase toda a cidade, havia o Armazém Magalhães e também o Armazém Sampaio. E mais algumas lojas, como do Raulino Alvarenga no bairro Pará e outras espalhadas na pequena urbe, assim como lojas de aviamentos que atendiam à demanda de senhoras costureiras, sempre com grande procura.

Não havia ainda nenhum shopping-centers, como ainda não há. E nem supermercados. Para atender os estudantes havia duas livrarias e quatro papelarias.

E mais a banca de Afonso Camilo, onde comprávamos os jornais Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Estado de Minas – e também livros de literatura recém-lançados no mercado editorial. Era o ponto de encontro dos intelectuais de Itabira.

Para servir à mesa

Já para suprir a fome pela carne de boi e porco havia por volta de uns 15 açougues de portas abertas. Não existia peixaria, mas alguns açougues vendiam peixes na Semana Santa e no Corpus Christi. Já o bacalhau era encontrado em qualquer armazém.

Para o pão nosso de cada dia eram três padarias que atendiam praticamente a cidade inteira. A mais tradicional era do Pará, de Carlos Pinto de Assis, comandada na época por um de seus genros. Na avenida João Pinheiro havia a padaria do Diquinho, também genro de Carlos Pinto.

Bar Cinédia, nos anos 80 (acervo da família de Sérgio Rosa)

E no centro, outra célebre padaria foi a do Zé Inácio: essa vendia mais pão que a Vale vendia minério. Tanto era o movimento de gente comprando pão pela manhã e à tarde que surgiu uma expressão na cidade, quando alguém estava fodido: “tô no… lombo de Zé Inácio”.

De volta ao bairro Pará, o bar e restaurante Cinédia, sobre a batuta do seu proprietário Joaquim Cinédia, valeriano e flamenguista doente, era a menina dos olhos de Itabira.

Frequentado pelos mais variados tipos de fregueses, o estabelecimento recebia muito bem também os cachaceiros consagrados, além de padres, alunos do ginásio, enfim todo tipo de gente, de espiritualistas a Testemunhos de Jeová.

No Cinédia o freguês encontrava de picolé a quiabo, cervejas e refrigerantes, tira-gostos, almoço e janta. E ainda, no mezanino havia quatro mesas de sinucas entupidas de jogadores, muitos ganhavam ou perdiam a fortuna acumulada ali naquele pano verde.

Há que se registrar, ainda, mais alguns restaurantes de ponta como o velho e saudoso Mundico do feijão tropeiro. Os assíduos comensais diziam que era o melhor do estado. Ainda no centro também fazia sucesso restaurante Varanda, ainda existente, do querido itabirano Olintão.

O bar e restaurante do Botafogo servia PF’s dia e noite e nunca fechava as portas, acolhendo os boêmios em suas noites quentes e sem mulheres.

Depois, já quase no fim da década, apareceu o bar e restaurante do Candinho que muito bem acolheu os jovens itabiranos no inicio de suas vidas de boêmios – e ficou famoso. Funcionava, inicialmente, ao lado do bar Cinédia, depois foi transferido para o Valério Pará.

Frango assado exposto em máquina (televisão de cachorro) ainda não existia na cidade. As refeições familiares de domingo no Mato Dentro eram quase antecedidas com frango frito de tira gosto, destacando-se a procurada pele de frango fritinha para tomar com cachaça.

Invariavelmente, nos almoços nas casas das “boas famílias” da cidade eram servidos frangos com quiabo ou ao molho pardo (acompanhado de angu), lombo recheado, pernil ou feijoada completa, lasanha e ou macarrão assado.

Para servir ao corpo

A edição do primeiro aniversário de O Cometa circulou sem a capa na Câmara Municipal

As zonas boemias (“eu vou tirar você deste lugar …”) era outro lugar muito bem frequentado e eram famosas na cidade. Atendiam muito bem, era raro ouvir alguma reclamação de seus clientes. Eram frequentadas por respeitados pais de famílias com bodas de prata há anos celebradas.

A mais famosa foi do saudoso SrZinho. Outra que sempre se destacou foi da amada e querida Maria Escurinha e a mais charmosa era a de Marfisa. O Bambu, já em fase final de funcionamento, estava em plena decadência.

Existia também um footing subtendido no Ponto de Briga, que não obstante a fama do nome, atendia bem as necessidades e as demandas sexuais, ninguém reclamava.

Já para o atendimento à saúde, a cidade contava, como ainda hoje, com dois hospitais: o HCC, da CVRD, e o HNSD, da cidade.

Não havia ainda uma Clinica Médica que funcionava como tal, mas já existiam fisioterapeutas profissionais, como Getúlio Guerra e Ézio de Sá Lage, para atender todos que necessitavam ajeitar os ossos e a musculatura.

Por falar nisso, só existia a academia de Maria Leandro. As modernas academias de Pilates ainda estavam distante no horizonte temporal do tempo.

O futebol amador movimentava os bairros aos domingos à tarde, inclusive atraindo times e torcedores com o campeonato amador itabirano, que fazia sucesso em toda a região, com sadia rivalidade.

E os itabiranos, em massa, torciam pelo Valeriodoce que disputou, por muitas décadas, a primeira divisão do campeonato mineiro.

Aspectos geográficos

A parte urbana de Itabira, que sempre teve o difícil fluir com seus morros e ruas estreitas, ainda não tinha grandes edifícios. O maior deles era o edifício Mafra de quatro andares – um colosso para a época.

Primeira reportagem sobre as ocupações de territórios pela Vale em Itabira: Rio de Peixe

Construído na década de 1960 representava para a cidade e os Itabiranos aquilo que o edifício Acaiaca representou para BH nos anos 40.

Outro prédio era o de Zequinha Alfaiate, na rua Tiradentes, uma modernidade ladrilhada. E que, visto em sua parte posterior era altíssimo e assustava muita gente porque parecia dependurado no abismo.

Nas ruas estreitas, como o coração de mãe, cabiam todos os pedestres, que nunca usavam os passeios. Carros particulares ainda eram poucos.

Mas havia os carros de praça, que, principalmente nas sextas à noite e aos sábados, trabalhavam e ganhavam pra semana toda, atendendo a população no deslocamento até a zona boemia no ir e vir de notívagos.

As ruas não tinham sinal luminoso. A maioria dos cidadãos itabiranos só conheceu sinal de trânsito em Belo Horizonte. Também as faixas de trânsito de rua não existiam, mas havia, ainda, muita carroça no dia-a-dia fazendo pequenos serviços, cavalos, éguas e muares pelas ruas.

Mas ainda naquele tempo ainda havia casas entre bananeiras. E a cidade da Prefeitura vivia mudando de lugar. No final dos anos 70 foi transferida para o bairro Pará, uma improvisação, onde hoje funciona a Secretaria Municipal de Obras, muito antes de o prefeito José Maurício Silva construir o atual paço municipal no antigo campo do São Cristóvão, time de futebol amador que pertencia ao Sr.Zinho, que era vereador, além de dono da zona e do jogo do bicho, inventado pelo itabirano barão de Drummond.

O Sr.Zinho prestou bons serviços à comunidade, mas também alguns desserviços, que Deus o tenha em bom lugar. Antes de a Prefeitura se instalar onde hoje é a avenida Carlos de Paula Andrade, dizia-se que o local era ideal para se construir um estádio municipal de futebol. O prefeito José Mauricio não deu muita bola sobre o assunto e inaugurou a nova da Prefeitura em 1983 nesse local.

Riqueza em profusão e as perdas incomparáveis

A CVRD começava a explorar o minério com mais intensidade nesta década de 1970 implantando novas tecnologias. E como estava fazendo muitas obras nas minas, vieram para cá muitas empresas terceirizadas.

Foi nos anos 70 que a mineradora construiu as suas barragens de rejeitos em Itabira, com a inauguração das usinas de concentração do Cauê bem no início da década e a de Conceição já no fim dessa década histórica para Itabira e de triste lembrança para o país.

Em 1979 foi inaugurada a barragem de Santana situada, onde antes existia a fábrica de tecidos da Pedreira, na estrada que liga Itabira a Santa Maria, que ainda não era asfaltada.

Com eficiência de produção e técnica arrojada, e mais o exigente mercado demandando minério de alta qualidade, o pico do Cauê já se encontrava pela metade no inicio dos anos de 70. E foi descendo a olhos vistos, cada dia maior a plataforma, até virar uma grande cava.

O maior trem do mundo levava nosso minério pro Japão, Alemanha. E os itabiranos diziam a quatro cantos, que o campo de aviação de Itabira (construído nos anos 40 em cima de uma base toda de hematita), no antigo bairro Explosivo, viajou de trem pro Japão.

A cidade era bombardeada todos os dias às 11h da manhã, com forte dinamitação na mina. De vez em quando os técnicos erravam a mão na carga de dinamite e vidros de casas partiam e trincavam, nesta hora todos ficavam quietinhos em casa.

Este acontecimento único no mundo levou o filósofo e cidadão itabirano Aníbal Moura dizer que “Itabira é a única cidade do mundo que terremoto tem hora marcada”.

Ele era inimigo do progresso desenfreado e desembestado, um crítico ferrenho da mineradora que tudo levava deixando quase nada em troca, só os buracos e as perdas incomparáveis.

Naquele tempo, a cidade de Itabira, como todas as cidades mineradas do Brasil, recebiam migalhas. O imposto de exploração, que só passou a existir depois de 1966, era chamado de I.U.M ( Imposto único sobre Minerais) e tinha o seguinte rateio: 70% para o Estado, 10% para a União e apenas 20% ficavam para os municípios minerados.

Além disso, com a corrupção no país da grana dos impostos dos minerais levavam as cidades à falência, que pouco podiam fazer com os parcos recursos. Levavam todo o minério de Itabira e deixavam somente 20% pra cidade: a ditadura se corrompia e locupletavam com os impostos, nada muito diferente do que ainda ocorre.

O Cometa vem aí

O escritor Murilo Rubião com Altamir Barros

O primeiro bairro mais distante de Itabira onde começamos a distribuir a primeira edição do jornal Cometa Itabirano, fora do bairro Pará onde o hebdomadário surgiu, em novembro de 1979, foi o bairro Amazonas.

Era o bairro mais novo da cidade, recém-construído pela CVRD para alojar o quadro técnico da empresa – e também para alojar famílias que foram desapropriadas com o avançar da mina dentro da cidade, como da Vila Paciência, nas encostas do bairro Pará, já na serra do Esmeril.

A ditadura ainda prendia e arrebentava. A censura não dava tréguas. As letras das músicas de Chico Buarque eram sempre censuradas, assim como o cinema – e todos os veículos de comunicação que não faziam parte da imprensa áulica, subservientes ao governo militar, também eram vigiados de perto pelos sensores da ditadura militar.

A televisão e as emissoras de rádio também eram submetidas à censura política e moral. As peças de teatro sofriam horrores com os mesmos censores da ditadura. Cidadãos que opunham ao regime militar ainda eram presos por nada, apenas por fazer crítica ao presidente militar que preferia o cheiro de cavalos ao do povo.

A turma do Cometa com Drummond no Rio de Janeiro, em 1981

Era assim o país que o atual presidente Bolsonaro disse recentemente que ser uma “beleza” e que nunca houve ditadura. Os estudantes protestavam contra o regime militar nas ruas, exigindo o fim da ditadura e das prisões arbitrárias, da tortura e perseguições políticas, pelas liberdades democráticas.

E apanhavam e eram perseguidos por cães ferozes da Polícia Militar. Como parte do movimento popular, os sindicatos começavam a deixar de serem “pelegos”. E os operários, principalmente da construção civil, os mais sofridos, e os metalúrgicos, os mais organizados, começaram a fazer greves, mesmo sendo proibidas pela ditadura.

A luta pela anistia política daqueles que tiveram de fugir do país para não serem mortos estava respirando perto dos ouvidos de todos brasileiros. Os sindicatos do ABC paulista, liderados por um operário ainda desconhecido chamado Lula, pediam o fim da ditadura, melhorias salariais e condições de trabalho.

Foi assim, com o povo nas ruas, que a democracia começou a despontar com a luta pelas diretas já, em 1984 – vitória só obtida em 1989, com o fim desses 25 anos de obscurantismo no país.

Foi nesse contexto histórico, caríssimo leitor, que surge o jornal O Cometa Itabirano, que começou a circular exatamente no dia 15 de novembro, dia da Proclamação da República, por uma feliz coincidência que só foi possível graças ao atraso da gráfica na impressão de nosso tabloide.

Não era um jornal de secos e molhados, não era mesmo! Não fazia concessões. Tentava às duras penas ser um jornal com dignidade e, antes de tudo, de oposição ao regime militar.

E entre bananeiras e pomares da casa de tia Iá Sampaio, fomos crescendo e marcando presença neste espaço de montanhas, de ladeiras, becos e ruelas, com todo esse aéreo panorama de vida e frustração, de cultura e ignorância, de pedras e rosas, de caminhos de ida e de volta.

Eis que surgia, todos os meses, o jornal nas bancas e nas casas itabiranas. Muitos na cidade não queriam a presença desses desmancha prazeres por atrapalhar o coro dos contentes neste vasto território que a natureza abençoou.

Robinson Damasceno, um “cometa” que já se foi, mas que continua eterno, como O Cometa (Foto: Maguy Damasceno)

Somos conscientes que cometemos muitos erros. Muitas de nossas propostas sociais, politicas e culturais foram vãs, sem resultados práticos e mesmo metafísicos.

Mas, sem muitas certezas, é certo que contribuímos para o advento de uma consciência histórica das gerações que vieram, tornando a cidade um pouco mais progressista e menos obscurantista.

Estivemos presentes na campanha das Diretas já!, em Itabira e também em Belo Horizonte. Entramos firmes na luta pela defesa, proteção e restauração arquitetônica de casarões e sobrados antigos que ainda existiam na cidade.

O jornal participou ativamente dos Festivais de Inverno de Itabira, contribuindo sempre com matérias culturais e entrevistas importantes de pessoas ligadas à cultura.

Teve participação intensa e fundamental nas programações de cultura da cidade. O jornal, pode-se dizer, foi também mentor e responsável pela construção do Centro Cultural de Itabira.

Foi também o jornal que possibilitou o renascimento do primeiro fotógrafo itabirano Brás Martins da Costa, um dos pioneiros do estado, recuperando os negativos de vidros com as fotos registradas em daguerreótipos, tornando públicas as maravilhosas imagens da Cidadezinha Qualquer no início do século passado.

Drummond: presença constante no jornal

Sem essa garimpagem, essas fotos estariam para sempre enterradas no porão da casa de tiBrás, onde hoje funciona a Escola de Música.

A própria casa possivelmente estaria destruída pelos agentes imobiliários ou queimada totalmente por um cigarro qualquer, abandonado livremente em suas entranhas.

O Memorial Carlos Drummond de Andrade possivelmente não existiria sem a presença e a força cultural deste jornal.  O primeiro salão de humor de Itabira foi um espetáculo de cultura e arte com repercussão nacional, com charges históricas expostas no Centro Cultural de Itabira e que marcaram a história e a vida nacional no ano de 1982.

O poeta maior Carlos Drummond de Andrade está cada dia mais vivo no imaginário poético de Itabira graças ao O Cometa Itabirano. Em carta enviada de próprio punho para o editor Lúcio Sampaio, o poeta disse que ele era uma invenção do jornal.

Lúcio Sampaio sabia e tinha consciência da importância desse jornaleco para o reconhecimento do poeta em sua cidade natal, que para Drummond era tão querida e presente em sua obra.

Estivemos no Rio de Janeiro visitando o poeta em seu apartamento, a convite dele, em 14 de fevereiro de 1981. Passamos por lá numa manhã de sábado falando mal da ditadura, de Itabira e do mundo. Foi inesquecível a visita ao poeta.

Goste ou não goste do Cometa, o jornal representou uma geração de itabiranos dos anos 70, no cenário da vida de Itabira e do país.

Arp Procópio na inauguração oficiosa do Largo do Batistinha, em companhia de familiares do filósofo itabirano

E para já ir finalizando essa longuíssima crônica, não podemos nos esquecer de mencionar o querido e saudoso professor do Ginásio Sul Americano e da escola de formação de cadetes do Instituto Técnico da Aeronáutica, professor Arp Procópio de Carvalho.

O professor Arp representou para nós, então jovens itabiranos, uma força moral na luta contra a ditadura. As suas matérias sobre a história de Itabira esquecida há muito nos escaninhos na memória, revelavam em suas matérias exclusivas para o jornal a história não revelada do Brasil.

Arp Procópio participou com a gente na festa no dia que reestabelecemos a democracia, quando à revelia do governo municipal da época, trocamos o nome da praça Getúlio Vargas para Largo do Batistinha.

Não podemos deixar de registrar também a participação n’O Cometa do saudoso jornalista Robinson Damasceno. Ele dizia que a turma do Cometa representava, de alguma maneira, o que foram os impressionistas do século XIX na França, que revolucionaram o olhar, a pintura, a vida em toda sua extensão.

Elke Maravilha em entrevista ao O Cometa, em seu apartamento, no Rio

Éramos jovens, quase todos de uma mesma geração, e que sonhavam com um mundo melhor para se viver, com mais alegria, democracia, poesia e arte.

E tivemos a sorte do jornal O Cometa Itabirano ser a ligação comum de todos. E foram muitos colaboradores que vieram partilhar as suas ideias, as boas novas nas páginas deste jornal itabirano.

O jornal O Cometa Itabirano marcou a história da cidade. Não foi com ferro e fogo como se marcam gado, mas com poesia, com a alegria que a vida nos deu, apesar de tudo. E assim estava escrito na história do jornal: imprensa verdadeira é de oposição.

O que nos entristece é que o nosso país está voltando a viver com a ameaça constante de uma ditadura e a imprensa se defronta novamente com a ameaça da censura – e isso é muito triste.

Temos história suficiente para compreender e entender a importância de uma imprensa livre e independente, como foi O Cometa, um jornal que não fez negócio e nem concessões aos poderosos.

O jornal O Cometa Itabirano se apossa agora da eternidade….

 

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