A criança e o direito ao futuro
Por Flávia Alvim de Carvalho*
REDES DH PPGD PUC Minas – Os direitos da criança, assim como os direitos ecológicos são considerados direitos fraternos, pois demandam cooperação. Aquele está necessariamente ligado a este (os sistemas vivos estão). A criança (homo sapiens em desenvolvimento) necessita de condições sociais e ambientais favoráveis para evolução.
Nossa Constituição prevê que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações”.
No mesmo sentido, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento declara que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente como necessidade de desenvolvimento e meio ambiente das gerações futuras”.
Postulados como esses consagram a solidariedade intergeracional e reconhecem a sustentabilidade como princípio fundamental para garantir à vida equilíbrada. Para o Relatório Nosso Futuro Comum¹, a busca pelo desenvolvimento sustentável se realiza à medida que atendemos às necessidades das gerações presentes sem compromisso a possibilidade de futuras atenderem suas necessidades.
Crianças são titulares de direitos e família, a sociedade e o Estado devem agir de forma integrada para garantir sua proteção. Portanto, o princípio do melhor interesse da criança, consagrado pela CR/88 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é destinado a todos, sem exceções e deve ser interpretado, também, à luz da dimensão ecológica da dignidade humana, que compreende o bem-estar individual, social e ambiental, imprescindíveis para a realização dos direitos humanos e fundamentais.
Segundo protegido do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ², as crianças são o grupo mais vulnerável aos danos ambientais. O PNUMA ressalta que mais de 1,5 milhão de mortes anuais de crianças com menos de cinco anos de idade estão relacionadas a agravos do ar, da água e exposição a substâncias tóxicas, simultaneamente a outros tipos de danos ambientais que contribuem para doenças, deficiências e mortalidade na vida adulta.
Ademais, confirma que a mudança climática e perda da biodiversidade são corrigidos de longo prazo, que acompanham as crianças no futuro. O material produzido pelo relator especial John Knox com apoio do Programa da ONU para o Meio Ambiente, traz o anúncio que crianças frequentemente são incapazes de exercerem seus direitos, incluindo o direito à informação, participação e acesso a medidas reparatórias e por isso alerta os Estados sobre a necessidade de respeito efetivo, proteção e viabilização dos direitos das crianças em relação ao dano ambiental. ³
Outro desafio para alcançarmos a legitimação social dos valores ecológicos é o direito à educação aliado a promoção de “novos saberes”, compromissados com a pluralidade cultural e com a preservação ambiental. Urge a superação do antropoceno ou “Era da Solidão” e o encontro com uma nova ética ecológica, transdisciplinar e descolonial.
Aqui mora a importância de matérias que versem sobre os direitos e deveres humanos e fundamentais, assim como a implementação da educação ambiental.
Nesse sentido,
Esses saberes, amadurecidos ao longo do tempo, saber a uma educação de conscientização e amplo da história nacional e mundial, trarão condições para que uma pessoa, em fase adulta, compreenda e exerça sua responsabilidade social, planetária. A conscientização e reflexão sobre a realidade promovem a participação.
As crianças de hoje serão dos governantes do amanhã. Os futuros adultos que comporão o cenário da pólis , do país, do planeta; serão cidadãos que podem ser reflexo de um processo de desenvolvimento que os alienou e fabricou pré-conceitos ou podem ser fruto de um processo de desenvolvimento maior do que o próprio “eu”. (CARVALHO, 2019, p.5).
Cooperar com os cuidados em prol do “nosso lar”, Terra, é um dever fundamental que condiciona o exercício pleno do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida para as futuras gerações. A Terra nos fornece abrigo e se torna cada dia mais necessário sua promoção à condição de berço da dignidade, apta a receber seres humanos e a proteção de qualidade existencial, algo que ultrapassa em grau de compreensão o mínimo existencial para viver.
O potencial da Terra é fundamental à vida humana, mas não apenas a esta. Nós, seres humanos, nos tornamos responsáveis por preservar e sustentar todos os tipos e formas de vida que, aqui, estão conosco a “dividir a casa”. Importante salientar que, como outras formas de vida, não estão apenas a dividi-la conosco, a “casa” não é nossa e não somos seres supremos dotados de poderes sobrenaturais e de independência. Apesar de sermos racionais, somos induzidos a erro quando aliamos a capacidade de pensar e transformar o meio ambiente à autossuficiência. (CARVALHO, 2019, p.9)
Finalizando esta breve reflexão, ressaltamos a importância deste tema, uma vez que, entre tantos atos, a temperatura global vem se elevando mais do que a Era Industrial, como queimadas se tornam constantes e o consumo despótico além de agredir a Natureza garante a concentração de riquezas . Estamos permitindo um “Holocausto Ecológico” e se faz urgente e necessário retirar o “véu da ignorância” para assegurarmos a integridade do sistema planetário.
“Os adultos ficam dizendo: ‘devemos dar esperança aos jovens’. Mas eu não quero a sua esperança. Eu não quero que vocês recuperados esperançosos. Eu quero que vocês evocados em pânico. Quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que vocês ajam como agiriam em uma crise. Quero que vocês ajam como se a casa estivesse pegando fogo, porque está! ” ⁴ Greta Thunberg.
¹ Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: Nosso Futuro Comum. RJ: FGV, 1991
² PNUMA principal autoridade ambiental global. Disponível: https://www.unenvironment.org/pt-br/sobre-onu-meio-ambiente Acesso em 04/10/20.
³ Direito das Crianças e Meio Ambiente. Disponível: https://www.unenvironment.org/pt-br/resources/other-evaluation-reportsdocuments/direito-das-criancas-e-meio-ambiente Acesso em 04/10/20.
⁴ Discurso de Greta Thunberg em Davos. Disponível em: https://amazonia.org.br/2019/03/poucos-adultos-estao-escutando-diz-adolescente-indicada-ao-nobel-que-criou-uma-greve-global-pelo-clima/ Acesso em 04/10/20.
CARVALHO, Flávia Alvim de. Educação Ambiental à Luz do Direito: uma introdução aos direitos difusos e coletivos de forma lúdica e acessível: um caminho à conscientização. RJ: Lumen Juris, 2019.
*Flávia Alvim de Carvalho é advogada, especialista em Direito Público, mestranda pelo PPGD-PUC Minas, área de concentração “Democracia Liberdade e Cidadania”, secretária-adjunta da Comissão Estadual de Direito Ambiental da OAB-ES, autora do livro Educação Ambiental à Luz do Direito: uma introdução aos direitos difusos e coletivos de forma lúdica e acessível: uma caminho à conscientização.