A Boca-Desejo
| Ao que sabemos, Boca é o mais antigo poema da coletânea Brejo das Almas, anterior inclusive à publicação de Alguma Poesia.
O poema sofreu profundas alterações de sentido e pessoa gramatical, a partir de Fazendeiro do Ar (1955), passando da terceira pessoa a fim de evitar pequenos cacófatos.
Ver, a proposito dessas alterações, o comentário de Autran Dourado em Uma poética de romance, SP, Ed. Perspectiva, 1973, p.89-90.
Silva Duarte assina unicamente o poema Boca, mais tarde incluído em Brejo das Almas. (Fernando Py. Bibliografia comentada de CDA 1918-1934. Casa de Rui Barbosa, 2002). |
Aos 27 anos, no dia 22/9/1929, o poeta leu no Diário de Minas a primeira publicação do poema Boca assinado por Silva Jardim, um de seus heterônimos.
Em 1934 Boca é publicado no livro Brejo das Almas. Dois anos depois, em 12/4/1936, é editado pela revista O Malho uma bela edição ilustrada por Di Cavalcanti (1897-1976). – MCS
Boca
Carlos Drummond de Andrade
Boca que nunca beijarei
boca de outro, que ri de mim,
no milímetro que nos separa
cabem todos os abismos.
Boca que o meu desejo
é impotente para fechar.
Ela sabe disso, zomba
de minha raiva inútil.
Boca amarga porque impossível,
boca doce que eu não provarei,
ri sem beijo para mim,
beija outro com seriedade.
(Diário de Pernambuco, 23/10/1940. Hemeroteca BN-Rio)
[O Malho (Rio), 12/4/1936. Hemeroteca da BN-Rio]
Este poema é deliciosamente instigante e a ilustração de Di Cavalcanti o torna mais belo.
Obrigada Cris pelo zelo de pesquisa