A bibliodiversidade no centro do Rio de Janeiro

Capa do mapa editado pela AELRJ com as livrarias e atrações culturais do Centro 

Foto: Augusto Malta/
Reprodução

Com  43  livrarias e dezenas de bibliotecas renomadas, o Centro  do Rio de Janeiro é a área mais rica em cultura do país destacando-se pela maior diversidade bibliográfica. O turismo tem explorado essa riqueza, e livrarias entraram para os  roteiros exclusivos dessa região carioca

Por Kleber Oliveira

AELRJ – O lançamento em outubro do livro Turismo literário, de Alberto Roiphe – editora Folhas da Relva, mostra que a prática ainda é novidade no Brasil. A pesquisa, realizada durante o pós-doutorado em turismo da Universidade Federal Fluminense  revela a escassez de investigações teóricas e a ausência de formação de guias especializados  em turismo literário.

No entanto, o ofício é praticado por guias como Juliana Morena, citada no livro,  que tem formação técnica em turismo e unindo à paixão pela literatura criou, desde 2016, roteiros pela cidade como O Rio de Machado, O Rio de Lima Barreto e o roteiro Sebos e livrarias.

“Fui a primeira a fazer rotas literárias no Rio”, diz Juliana; “são walking tours, que destacam a relevância dos espaços visitados”. A excursão  Sebos e Livrarias começa na Praça Tiradentes onde era a Livraria do Paula Brito, jornalista, escritor,  primeiro editor de Machado de Assis .

Ali perto,  a Academia do Saber é a primeira livraria visitada, unidade da maior rede de livros usados do Rio com quatro lojas, três próximas à Praça Tiradentes,  e a quarta  inaugurada este ano na Rua 7 de Setembro. “Ela é genial”, elogia Ricardo Silveira, sócio da Academia, sobre a guia Juliana. ”Já esteve aqui umas dez vezes, algumas com grupos de 15 pessoas.”

A Praça Tiradentes e adjacências é a região  do Centro com aluguéis mais baratos e por isso teve grande quantidade de sebos, hoje são cinco. Segundo Juliana,  a primeira loja do gênero no Rio data de 1838 e era na Rua do Ouvidor, tradicional endereço livreiro carioca; a Casa do Livro Azul.

“Na época, eram chamadas de lojas de alfarrábios. O termo sebo começa a ser usado a partir de 1900,” explica ela,“Não existe um consenso sobre a origem etimológica do termo sebo, acredita-se que venha de sabentas, apostilas escolares de Portugal, que ao passarem de aluno para aluno acumulavam gordura pelo uso constante”.

Atravessando a rua o roteiro continua na  Letra Viva  que tem duas lojas na Rua Luis de Camões. Uma, é como um sebo antigo fora o  aviso nas estantes; “ Proibido filmar ou fotografar o interior dos livros”. A outra  tem ambiente amplo decoração de antiquário,  discos e revistas além dos livros. Segundo Juliana, na Letra Viva,”o diferencial são os leilões virtuais”.

Além da visita às livrarias o roteiro inclui relatos  sobre outras livrarias importantes do Centro ao passar pelos locais  onde existiram como a Garnier, frequentada por Machado de Assis e a José Olympio frequentada por Graciliano Ramos.

No Edifício Marques do Herval, na Avenida Rio Branco são quatro livrarias na galeria do subsolo; a Disal, especializada no ensino de idiomas, a Martins Fontes, unidade carioca da rede paulista, a Berinjela que repaginou a ideia de sebo com segmentação no acervo e promoção de  eventos; e a mais antiga livraria independente do Brasil, a Leonardo da Vinci, com 72 anos.

“Apresentar aos turistas, e também aos cariocas, a riqueza cultural única, o patrimônio arquitetônico e a sociabilidade que só o Centro tem é tarefa fundamental que guias como a Juliana fazem muito bem.” diz Daniel Louzada, à frente da Leonardo da Vinci desde 2017.

“A Da Vinci,  pela sua história e conexão com a vida do Centro faz parte de muitas rotas formais e informais”, diz ele. “Procuramos reforçar esse vínculo diariamente  com uma agenda que dialogue com a população do Rio e do país.”

O Roteiro segue pela Rua do Ouvidor, endereço de várias importantes  livrarias do século passado que em 1997  ganhou a primeira megastore carioca, uma das quatro lojas que a Saraiva teve simultaneamente no Centro, ocupada desde 2020 pela Livraria Leitura.

Ainda na Rua do Ouvidor a excursão termina na Folha Seca, especializada em temas cariocas como futebol, samba, chorinho e história da cidade, que movimenta a região com eventos literários , música e cerveja, geralmente nos bares do entorno.

Nela, ao fim de duas excursões Juliana encontrou o escritor Ruy Castro. “Foi maravilhoso! O Ruy é um excelente jornalista e escritor. Li muito a obra dele que inspira  meus roteiros. Ele foi super simpático,” comenta ela. Juliana  faz o mesmo elogio ao livreiro Rodrigo Ferrari, para quem os episódios relatados confirmam a frase: “O Rio se encontra na Folha Seca.”

A guia de turismo diz ter criado laços com os livreiros  com os quais formou uma rede de apoio para o seu trabalho. “Como não temos amparo  oficial para nossa atividade o apoio do comércio local é vital.  É preciso ver mais o Rio como uma atração cultural. Dar mais suporte para os guias algo que geralmente não temos”.

Em abril deste ano, a Embratur embarcou no segmento do turismo literário com patrocínio a duas startups vencedoras do edital com foco na união turismo, literatura e tecnologia. Foram criadas duas rotas seguidas no celular:  O Rio de Machado de Assis e O Rio literário, acessadas em Rotas Literárias.

“A pessoa pode ir ao Rio de Janeiro para visitar o Pão de Açúcar ou o  Cristo Redentor, mas também conhecer Machado de Assis, Lima Barreto, um pouco da nossa história”, convida o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, no lançamento do projeto.

O percurso Rio Literário tem 13 paradas  em locais como a Igreja de São Francisco e Theatro Municipal, descritos em áudios de cerca de três minutos. A Livraria Leonardo da Vinci é uma delas  por ter sido frequentada por nomes como Clarice Lispector e Carlos Drummond e há uma referência a Vanna Piraccini que fundou a livraria com o marido André Duchiade.

“Dona Vanna era mais que uma livreira, era uma guardiã do conhecimento enfrentando tempos difíceis da ditadura militar e defendendo os livros contra a repressão e a censura. Sua coragem e compromisso moldaram não apenas uma livraria mas a própria alma cultural do Rio.”

No papel, a conexão entre turismo e livrarias aconteceu antes, a partir de 2006, com a publicação de cinco edições do Roteiro das Livrarias do Centro Histórico do Rio de Janeiro, mapa editado pela Associação Estadual de Livrarias RJ.

“Passear pelo Centro da cidade  é um hábito que o carioca cultiva há muito tempo, como Joaquim Manuel de Macedo registrou em crônicas escritas nos anos 1860 – depois reunidas no livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro

Com essa introdução, a AELRJ apresentou o Roteiro das Livrarias do Centro que, na primeira edição  marcava no mapa 16 livrarias e 30 atrações turísticas da região: do Arco do Telles ao Theatro Municipal, mais igrejas, museus , bibliotecas e centros culturais. A distribuição era  gratuita nas livrarias e pontos turísticos e culturais do Centro.

Com tiragem de 100 mil exemplares, impressão a cores em papel couché tamanho A4 especial o Roteiro teve uma repercussão que levou à adesão, nas edições seguintes,  de  53 livrarias  e ao apoio dado pelo comércio e instituições locais, além da Secretaria Municipal de Cultura.

“Ficou lindo, as pessoas pediam para levar mais de um”, diz Milena Duchiade, ex-Leonardo da Vinci, idealizadora do Roteiro junto com Rodrigo Ferrari, da Folha Seca, onde as associadas da AEL RJ se reuniam para discutir o projeto.

Milena tinha o mapa colado na mesa em que atendia os clientes da Leonardo da Vinci. “Usávamos para indicar onde os eles poderiam encontrar livros que não tínhamos; uma super-rede colaborativa.”

Além de livrarias o Roteiro lista as 20 principais bibliotecas do Centro como a Biblioteca Nacional, a da Academia Brasileira de Letras, a da Associação Brasileira de Imprensa, o Real Gabinete Português de Leitura, a do Arquivo Geral , do Exército, da Marinha, do Museu Nacional de Belas Artes e outras mais segmentadas.

Em janeiro de 2025  a região terá de volta a Biblioteca Euclides da Cunha, ligada à Biblioteca Nacional, com a reinauguração do Palácio Gustavo Capanema, ícone da arquitetura modernista, de 1945 mais conhecido como Edifício do MEC que depois de 10 anos em obras reabre como Centro Cultural. Durante esse tempo a biblioteca funcionou na Cidade Nova.

Outra que volta com a reinauguração do Palácio Gustavo Capanema é a Livraria Mário de Andrade, vinculada à Funarte. Especializada em teatro, música, biografias e artes plásticas ela funcionava no pilotis do edifício e está no hall de entrada do Teatro Glauce Rocha, na Avenida Rio Branco, enquanto a reforma termina.

Esta semana, uma livraria especializada em temas LGBTQIAPN+ aumentou a diversidade bibliográfica da região mais letrada do país: a La Lorca. Ela ocupa um espaço no Centro Cultural QueeRIOca, inaugurado em abril, na Rua do Comércio, onde  há shows, debates e lançamentos de livros voltados para essa temática.

No poema A cidade e os livros, publicado no livro de mesmo nome editado pela Record, Antonico Cícero narra a aventura do adolescente morador da Zona Sul carioca que descobre as idiossincrasias dessa região da cidade até então inexplorada por ele. Cita o descobrimento de  pontos icônicos do Centro, entre eles, as livrarias Leonardo da Vinci, Cosmos, Padrão, São José, Civilização e termina:

Hoje é diferente,
pois todas as cidades encolheram,
são previsíveis, dão claustrofobia
e até dariam tédio, se não fossem
os livros infinitos que contêm

 

 

 

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