Itabira e suas idiossincrasias históricas

Mauro Andrade Moura

Com o movimento dos caminhoneiros, sendo eles autônomos, empregados ou grandes empresários, bloqueando as principais rodovias do Sudeste do Brasil, e os efeitos chegando até Itabira, como não poderia deixar de ser, podemos perceber algumas coisas com mais clareza.

Primeiramente, Itabira é o maior município em área geográfica desta região. São 1.200 ou 1.600 quilômetros quadrados (nunca sei o tamanho correto, pois a informação oficial da prefeitura é sempre inexistente). E de todo este território quase nada mais se produz de alimentos, mesmo tendo sido grande produtor e fornecedor no passado, antes da chegada triunfal e onipresente da Companhia Vale do Rio Doce, hoje simplesmente Vale S.A.

Itabira já teve a sua esplanada da estação. Hoje é um condomínio de luxo, edificado em um imóvel doado pelo município à mineradora para ser pátio de manobra de trem. E a Vale vendeu. Poderia ter virado um belo parque municipal, se o interesse público prevalecesse (Fotos: Eduardo Cruz e Mauro Moura)

Isso se explica, por certo, pelo êxodo rural que se sucedeu com o início da exploração do minério de ferro em larga escala, nos idos de 1942. Daí em diante, praticamente toda a mão de obra disponível, no campo e na cidade, passou a ser utilizada em função de atender a exploração do minério de ferro.

É região de inúmeras nascentes d´água. Mas também a água, principalmente a que ainda existe nos aquíferos da encosta da serra do Esmeril, passou a ser utilizada em sua totalidade pela mineradora na concentração do minério de ferro, único produto itabirano de exportação. Sobrou pouca água para a população, não obstante a legislação pertinente atribuir como prioridade o consumo humano e dos animais. E as tarifas seguem aumentando em decorrência do necessário tratamento da água captada nas barragens de rejeito, aumentando os custos de manutenção e distribuição pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae).

O trem que leva Minas e nada traz de volta

Na terra de Drummond, por onde o trem vai serpenteando levando a coisa mínima, o coração do poeta e o minério da montanha e das serras exauridas, a água de classe especial é utilizada para lavar e concentrar minério, enquanto a população consome água captada das barragens de rejeito. Êta Cidadezinha Qualquer, onde vive um povo besta, que nada reclama, ou se reclama, ainda não sabe o que quer para cobrar da Vale e se tornar independente da mineração.

A vida corre devagar em Itabira do Mato Dentro. Se corresse no ritmo da mineração, que não para nem com a greve dos caminhoneiros, já estaria sendo abastecida por gás natural encanado. Porém, quando do lançamento do trajeto do gasoduto pela Gasmig, há uns vinte anos , meu saudoso pai, Aníbal Moura, um otimista inveterado, procurou o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico na época, um dito jovem economista, para inserir Itabira neste mapa. Mas o dito teve a discrepância de responder que o governo local não queria acabar com os postos de gasolina. Pobre Itabira, que historicamente só enxerga os interesses privados em detrimento dos interesses da população.

Se assim não ocorresse, e os anseios da população fossem considerados, os governos locais deveriam ter utilizado o dinheiro dos impostos da extração do minério de ferro para aqui instalarem o ramal de gás que passa na vizinha João Monlevade. Mas, não. Preferiram investir o dinheiro dos royalties do minério em projetos industriais de baixa qualidade, que se geram parcos empregos, a maioria é para atender à mineradora, o que dá no mesmo, pois não diversifica a economia.

O triste resultado disso é que o atual governo não consegue informar o saldo a receber desses empréstimos, perderam-se os valores emprestados e certamente não pagos nos escaninhos da burocracia municipal, que nada tem de weberiana. Pobre Itabira, que continua fazendo de sua ainda enorme riqueza a causa de sua decadência rumo à derrota incomparável.

Modernidades e comunicação

Já o burro anda devagar, mas leve e traz

Muito bem fez o antigo prefeito Jackson de Pinho Tavares (PT) em ter financiado a rede elétrica para a área rural do município, tão desassistida que era. Foi um investimento de grande importância, num lampejo de visão do presente e do que virá no futuro, no intuito de melhorar as condições das propriedades agrícolas e também a de manter os trabalhadores por lá com melhor qualidade de vida e na tentativa de termos ainda alguma produção de gêneros alimentícios.

O acesso à internet é sofisma puro. Mesmo tendo o governo Lula ofertado recursos aos municípios para que melhorassem o acesso à rede nacional de fibra ótica, Itabira não se candidatou e deixou passar a oportunidade. Passados os anos, a prefeitura local começou a exigir a emissão de notas ficais do comércio por meio eletrônico e com os computadores diretamente interligados na rede internacional de informática, bem como o governo estadual, ocasionando com isso o completo congestionamento do sistema. Mas, como já dito, sem antes melhorar o acesso geral à rede eletrônica.

Itabira está próxima de várias rodovias federais, mas com acesso por meras e inadequadas rodovias estaduais, haja vista o grande fluxo de veículos que transita por essas estradas vicinais que a ligam à maior rodovia federal da região, vulgarmente conhecida com a “rodovia da morte”. Todo este trânsito de veículos, em sua maioria, é para atender as necessidades da mineradora que explora o minério de ferro – e também às siderúrgicas de aço da região. Pobre Itabira, que permanece em seu destino de ser um mero ramal ferroviário e rodoviário.

Se Itabira não andasse devagar, estaria ligada à capital mineira por uma moderna ferrovia. Começou a ser construída, escavaram-se túneis, mas inexplicavelmente foi abandonada. A cidade se conteve com o ramal da Estrada de Ferro Vitória a Minas, uma ferrovia exclusiva para transportar minério de ferro – e que não mais atende a sua população em suas necessidades básicas, com o transporte de alimentos e insumos básicos para as suas demandas cotidianas, tais como gás de cozinha e combustíveis.

A estrada de ferro da Vale, uma concessão federal como é também o minério de ferro, já não pratica mais o transporte de carga fracionada – e de estação em estação. Só transporta cargas fechadas e de ponta a ponta. E mantém o comboio de passageiros simplesmente porque a concessão federal para o uso desta ferrovia é o de transporte de PASSAGEIROS e carga. Portanto, uma obrigação, se não o fosse, há muito teria deixado de existir.

Agora estamos todos sofrendo com o paradoxo do paradigma nestes dias bicudos pela total falta de acesso dos caminhões aos centros de distribuição de produtos alimentícios, gás de cozinha, combustíveis.

Maria Fumaça: registro de um passado de esperanças vãs

Sendo o Quadrilátero Ferrífero responsável por 40% do PIB de Minas Gerais, do qual Itabira faz parte com grande soma de recursos, região rica em recursos hídricos, não obstante, sofre com a seca e a água é racionada. A região só produz alimentos para a subsistência.

E se assim não fosse, não teria como escoar a produção pois a estrada de ferro só transporta minério de ferro, e a rodovia que por aqui passa devia ser chamada de caminho. A internet parece ser do tempo da linha telefônica discada. E para piorar, gás de cozinha e combustíveis já não há no comércio. E a ferrovia só leva, nunca traz.

Considerando ainda a condição da ferrovia Vitória a Minas, por ser uma concessão pública federal, o prefeito municipal, acompanhado dos secretários e dos vereadores, todos juntos, deveriam bater na porta da grande mineradora e deixar bem claro aos responsáveis por esta empresa quais são os seus deveres além de extrair minério.

Deveriam exigir dessa mineradora que só suga os recursos da cidade e das pessoas, que providencie imediatamente a vinda desses insumos básicos para a alimentação e manutenção da saúde dos cidadãos utilizando os trilhos da estrada de ferro.

Exemplo de bom uso da estrada de ferro é o que existe na cidade de Bauru (SP), onde não faltou combustível, conforme apresentado na matéria jornalística do jornal Estadão:

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,abastecida-por-trem-bauru-nao-fica-sem-gasolina-e-diesel,70002327729

Mas, como bem disse meu pai em evento público, sendo o prefeito municipal um mero “menino de recados” da mineradora, teremos de continuar aguardando o presidente da República sair dos seus devaneios políticos e chegar a um efetivo acordo com os gloriosos caminhoneiros para liberarem as rodovias e o transporte das necessárias cargas.

Até lá, e provavelmente pelos anos e séculos que virão, um burro seguirá devagar em Itabira do Mato Dentro, que pode ter as suas minas exauridas em menos de uma década sem que se tenha expurgado o espectro da derrota incomparável.

 

 

 

 

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