Quando a Casa Grande chama a polícia para reprimir rapazes do Mato Dentro

José João de Deus*

A forte repressão que ocorreu na sexta-feira (2) contra jovens de diferentes bairros que se reuniram na praça Nico Rosa, no centro, tem sido criticada por muitos na cidade. A Polícia Militar, segundo relatam moradores vizinhos, foi truculenta em nome “da preservação da ordem pública”. Para dispersar os jovens, de acordo com relatos, teria feito uso de gás e balas de borracha.

A assessoria de comunicação da Polícia Militar contesta que tenha feito uso de força excessiva, qualificando a ação como necessária para dispersar a multidão que perturbava a vizinhança – e ameaçava a integridade física de outros jovens e do comércio local.

Essa mesma truculência foi observada na noite de sexta-feira que abriu o Carnaval da pracinha do Pará. Jovens de todos os bairros, que não tinham outras opções para curtirem a festa momesca, se dirigiram em grande número para o tradicional bairro de classe média itabirana. E assim ocorreu nos dias seguintes, não tendo sido registradas violências contra os “pacatos cidadãos” do bairro e nem a visitantes, assim como não houve roubos às residências.

Segundo uma moradora da avenida Daniel de Grisolia, onde fica a praça Nico Rosa, é comum o encontro de jovens no local. E, é certo, que muitas vezes ocorrem excessos, e possivelmente consumo de álcool por menores. E consumo de drogas também, principalmente maconha, o que tem sido um hábito generalizado em todo o país, não se entende o porque de não descriminalizar o seu uso, a menos que seja para manter a acumulação de capital para a bandidagem maior adquirir armas pesadas para outros fins criminosos.

A reunião dos jovens na praça Nico Rosa teria sido marcada na rede social, o que não é de causar estranhamento, uma vez que essa é uma forma ágil de comunicação, para o bem e para o mal.

A moradora confirma que, conforme alega a polícia para justificar a repressão, não raro a vizinhança aciona a PM e o Conselho Tutelar. A queixa é principalmente do som alto dos veículos, uma contravenção, bastando para isso que se apliquem multas previstas no Código Nacional de Trânsito, e demais medidas cabíveis. Um caso para os “diligentes” guardas da Transita.

“O uso de álcool e outras drogas pelos jovens não pode ser visto como causa de um problema social, mas sim como consequência de um adoecimento da nossa sociedade e da falta de perspectivas para esses mesmos jovens”, escreveu uma moradora na rede social.

É certo que os moradores vizinhos têm direito ao sossego. E o som automotivo em alto volume impacta toda a vizinhança. Mas nada disso justifica o uso da força policial excessiva, desproporcional, como a que foi usada pela PM, conforme testemunha a vizinhança. Uma repressão que tem crescido em todo o país com a volta dos tempos bicudos. E que se esperava tivesse essa truculência sido varrida para o lixo da história, mas que infelizmente está de volta.

O problema de menores de idade que se reúnem com outros jovens para se divertirem em lugares públicos, e que eventualmente fazem uso de drogas e álcool, é da alçada do Conselho Tutelar. Mas assim como  a questão social, definitivamente não é um caso de polícia.

“O que presenciamos foi uma ação desproporcional e truculenta da Polícia Militar com uso da força de bombas e balas de borracha. Uma ação generalizada onde o alvo era todos os jovens que estavam na rua. Não é essa ação que esperamos das autoridades para cuidar da nossa juventude e coibir a violência em nossa cidade”, registrou a mesma moradora na rede social.

O espaço da praça e das avenidas é do povo, como o céu é do avião, já cantou o poeta cantor. E o direito de ir e vir é constitucional. É certo também que a “rebeldia” e o encontro de jovens em locais públicos, muitas vezes afrontando a “ordem social” em Itabira, e no mundo, não são novidades.

Transcrevo a seguir uma notícia publicada no Jornal de Itabira, em 12 de julho de 1931, reclamando de jovens itabiranos que se reuniam no adro da igreja Matriz para “praticar um misto de boxe com luta romana”. Outra notícia da mesma época, também transcrita abaixo, critica a profusão de ciclistas que na madrugada perturbavam o sono dos pacatos cidadãos.

Como o “rolezinho” contemporâneo, o comportamento desses jovens incomodava a tradicional sociedade itabirana. Como canta Tom Zé, é o caso de se perguntar com “quantos quilos de medo se faz uma tradição?”

Os tempos são outros, mas a inquietude e o encontro de jovens em praças públicas continuam assustando os que querem manter a ordem social para tudo permanecer como está. Uma ordem social fundada nas desigualdades, na falta de oportunidades para aqueles que não têm onde se divertir nessa cidade obreira e de poucas opções de lazer e cultura, principalmente para os jovens das periferias.

*J. J. de Deus é repórter policial nas horas vagas, quando dá um rolezinho pelo centro da cidade

Deu no Jornal de Itabira

I – No adro da matriz

Vão progredindo assustadoramente um “sport” perigoso. O pior é que ele é praticado nas vias públicas, durante seis dias na semana. No domingo, transferem a praça de jogos para o adro da Matriz.

Misto de “box” e luta romana, com entremeios de capoeiragem, esse curioso “sport” consiste em sopapos, trancos e rasteiras. Fazem tudo isso como se fosse a cousa mais natural do mundo.

Desses encontros frequentes resultam por vezes contusões que se generalizam, muitas vezes a transeuntes despreocupados ou espectadores ocasionais. Isso precisa acabar. Os pais, os professores, a polícia enfim, devem por paradeiro à essa molecagem, a bem do sossego de todos e dos créditos da cidade.

[Jornal de Itabira, 12 de julho de 1931].

II – Ciclistas da Meia Noite

A mania agora dos estudantes e não estudantes é o ciclismo. Os nossos moços não têm hora para a prática desse esporte salutar. À meia noite, são vistos correndo pelas ruas. O pior é que colocam couros ou papéis nos raios das bicicletas e fazem um barulho ensurdecedor. Moradores da Avenida e imediações queixam-se desses ruídos que lhes perturbam o sono. Aí fica a reclamação.

[Jornal de Itabira, 14 de agosto de 1932].

 

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2 Comentários

  1. Em termos de ordem pública, nota-se que alguns jovens vêm de outros bairros para o centro da cidade e ficam querendo sobrepor o jeito deles de viver ou ver as coisas em contrafeita aos moradores local.
    Então presenciamos um excesso de barulho no varar das madrugadas e, no rescaldo do dia seguinte, um excesso de imundícia e odores nauseabundeos.
    Costuma acontecer também de os moradores reclamarem dessa desordem, chegando a polícia, acontece o desagravo.
    Resta saber quem tem maus direito, os que gostam do sossego nas suas casas ou os quem adoram a balbúrdia, principalmente se for bem longe da própria casa.

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