Valeriodoce, mon amour

Por Cristina Silveira, do Rio

A bela crônica do Luís Martins, transcrita abaixo, ofereço ao casal que encanta pela torcida ardorosa ao Valeriodoce, Vera e Joaquim “Cinédia” Figueiredo, com todo amor vermelho do mundo

Eu também sou brasileira, gosto de samba e torço pro Valeriodoce. Frequentei o VEC-Campestre em várias modalidades, principalmente no samba e na vaca-atolada do sambista Geraldo Praxedes; pressionei, em audiência pública, o prefeito Zé Maurício Silva pra Não Deixar o Valério morrer; suei camisa de porta-em-porta passando abaixo-assinado pra Não Deixar o Valério morrer; fiz campanha, vesti a camiseta vermelha com a leve e divertida provocação (era época de hiv), “Vista a Camisinha do Valério e Sinta-se Feliz”, frase criada pelo Altamir Barros, o Velho Taras. Mas de nada valeu, a CVRD e Vale não se importam com a alegria do povo.

Alice e Arthur, meus sobrinhos, assistiram pela primeira vez a uma partida de futebol no campo do VEC-Campestre; a convite do jornalista Odílio Rosa da Hora, do Jornal O Cometa, ocupamos a mesma frisa em que estava o Kafunga (jogou em Paris, em 1952), e claro que ele fez bilu-bilu pras minhas crianças. Era verão de um domingo, e estavam lá agarrados no alambrado os ardorosos de que me lembro alguns: Joaquim “Cinédia” Figueiredo e a mulher Vera, o Ceomar Santos, Noca Bode, Mário Menezes, Dárcio Bragança…..

Visto o boné vermelho e branco do VEC e saio por aí. O boné chama atenção só dos coroas.Numa pesquisa no Real Gabinete Português de Leitura, eu usava o boné, na lista de espera fui surpreendida com a chamada:   – “Valeriodoce”, me levantei orgulhosa com a doce bandeira só para mim …. e os jovens,me olharam e riram…

Sou tricolor carioca. Frequentei a sede do Clube nas Laranjeirase tanto fiz que fiz e consegui uma temporada de basquete pra Eduardo ’Magic’, meu sobrinho, praticar, um fera na cesta. Enfim, deixei semente nos melhores clubes do Brasil, Valeriodoce e Fluminense.

Leia a seguir o belo texto de Luís Martins sobre a histórica partida, realizada em 1952, em Paris, entre o Atlético Mineiro contra o Stade-Red Star. O time mineiro se sagrou campeão do Gelo. E que gelo!

Um jogo de futebol

Por Luís Martins*

Delegação do time atleticano antes da partida em campo coberto de gelo. No destaque, 109, craque do Valério, e Didi, craque da Seleção Brasileira e do Botafogo (Fotos: Divulgação)

Paris, 8 de dezembro 1952 – Neste momento há em Paris muita coisa importante em que pensar: há a situação internacional, que cada manhã causa um arrepio na esquina dos leitores de jornais; há o rumoroso processo David Rousset contra “Lettres Françaises”, uma espécie de reedição do caso Kravchenko; há o Natal; há o frio, que começa bravo; há exposição de arte sacra no Museu de Arte Moderna; e há ainda, para um sul-americano solitário perdido neste mar de sensações novas, mil pequenas solicitações, mil pequenos problemas esparsos na atmosfera da cidade imensa. Por exemplo, em que restaurante vamos jantar hoje? E, amanhã, a que teatro deveremos ir?

Pois tudo isso esquecemos ontem, para apenas pensarmos no jogo de futebol do Atlético Mineiro contra o Stade-Red Star. Almoçamos – um pequeno grupo de brasileiros friorentos – num pequeno bristô próximo do campo. Nevava e chovia. E a neve, e a chuva e o frio (alguns graus abaixo de zero) nos enchíamos o coração de inquietude pela sorte dos pobres rapazes de Belo Horizonte, cujas últimas calorias brasileiras iriam certamente se “desmilinguir” no campo encharcado e inóspito. Pois os rapazes venceram. Foi realmente para todos nós, como diria Mario de Andrade, uma “satisfa” imensa. Não pensem os leitores brasileiros que não havia uma “torcida” nacional. Havia. Reduzida, é verdade, mas que gritou mais e fez maior barulho que a dos franceses. E até um “chorinho” apareceu, com pandeiro e reco-reco, organizado pelos estudantes do Quartier Latin.

Mentiria, se dissesse que foi um grande jogo. Mais do que isso, foi um milagre. Um milagre, que aqueles jovens sumariamente vestidos num clima daqueles, pudesse sair todos vivos do campo, pois mesmo na arquibancada coberta, embrulhados nos sobretudos, nós batíamos os pés enregelados. O Senhor do Bonfin velou por nós. E, mais uma vez, salvou-se a Pátria.

No fim da partida, fomos ao vestiário. Havia grande alegria, muita fumaceira e muita irritação também. Na verdade, dava pena ver o estado em que ficaram alguns jogadores. A imprevidência do Atlético justificava a revolta. Não havia camisas de reserva e os rapazes tiveram de entrar no campo, para o segundo tempo, com os mesmos uniformes encharcados do primeiro. Nenhuma proteção eficiente contra o frio. Ah! A eterna desorganização nacional! Aquilo oferecia à gente, em plena Paris, uma saudosa imagem da Pátria…

Cartaz austríaco anunciando a partida entre o Atlético e Rapid de Viena. Na imagem, o jogador Alvinho, do Galo

Hoje, toda a “equipe” mineira almoçou no Maison de L’Amerique Latine uma feijoada oferecida pela embaixada. Aconteceu que o casal Jorge Alves de Lima, reunindo alguns amigos brasileiros, oferecia, à mesma hora e no mesmo lugar, uma idêntica feijoada à cantora Susy Solidor, que esteve recentemente no Rio e em São Paulo. Sérgio Milliet, Rubem Braga e eu fazíamos parte do grupo. No fim do almoço, alguém pediu à famosa “vedete” que cantasse, o que aquiesceu em fazer, com uma simplicidade encantadora. Comovidos, os rapazes de Minas resolveram entoar, em homenagem a Susy Solidor, algumas cantigas da terra e posso-vos assegurar, senhoras e senhores, que o fizeram excelentemente. Os ares cinzentos de Paris encheram-se por um momento do calor dos trópicos, e a nostalgia, a doçura, o embalo e a meiguice dos sambas nos deram a ilusão da proximidade do Brasil. Com um piano, uma garrafa vazia e algumas caixas de fósforos, improvisou-se uma orquestra regional. Foi, positivamente, um instante dos mais agradáveis que vivi em Paris.

É talvez estranho que, para esta primeira crônica escrita do estrangeiro, eu tenha escolhido como assunto um “match” de futebol. Na realidade, porém, foi o Brasil que escolhi. Ao sairmos da Maison de L’Amerique Latine, todos nós o sentíamos no sangue, como um elemento enternecedor e reconfortante.

*Crônica recortada do livro, “As cartas de Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins para Luís Martins, de Ana Luisa Martins; Editora Planeta do Brasil, SP; 2003; p. 72.

 

 

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