Itabira cobra transparência sobre custo com energia elétrica para transpor água do Rio Tanque até a cidade

Implantação de uma das três estações elevatórias de água bruta no rio Tanque

Foto: Wallace Siqueira/
Ascom/Vale

Vereadores temem que energia para bombear 600 l/s recaia sobre a população, a exemplo do que estava na PPP atropelada pelo TAC do MPMG

Carlos Cruz

Na sessão da Câmara Municipal de Itabira dessa terça-feira (9) ocorreu um debate importante sobre o futuro do abastecimento de água na cidade com a transposição do rio Tanque.

Os vereadores querem saber quem arcará com os custos da energia elétrica necessária para bombear os 600 litros por segundo (l/s) desse recurso hídrico até a Estação de Tratamento de Água (ETA), que está sendo construída na subida da Pousada do Pinheiro, no bairro Campestre.

A vereadora Jordana Madeira (PDT) foi quem provocou o debate no legislativo itabirano. Ela quer saber se a conta será paga pela Vale, que monopoliza a maior parte da água do município e acumula uma dívida ambiental histórica pela destruição de nascentes e cursos d’água, ou se será repassada à população.

Vereadora Jordana Madeira levantou a questão: “afinal, quem vai paga o custo da energia elétrica para bombear a água do rio Tanque?” (Foto: Carlos Cruz)

Esse repasse de custos já constava no projeto original da parceria público-privada que a Câmara Municipal aprovou em 30 de abril de 2019, posteriormente sancionado pelo então prefeito Ronaldo Magalhães (2017/2020).

Pelo Projeto de Lei 26/2019, o município foi autorizado “a celebrar parceria com o setor privado, atuante no ramo de abastecimento”, transferindo à iniciativa privada tanto o investimento nas obras quanto a gestão do sistema até a chegada da água à ETA Gatos, com capacidade prevista para tratar 200 litros por segundo.

O Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) chegou a preparar o processo licitatório, mas o Ministério Público de Minas Gerais instaurou um procedimento investigativo que acabou suspendendo a PPP.

O resultado foi a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pelo qual a Vale assumiu integralmente os custos das obras de transposição, captação, adução e tratamento da água do Rio Tanque.

Silêncio sepulcral
Carlinhos “Sacolão” conta que a pergunta sobre quem arcará com o custo na visita ao canteiro de obras foi um “silêncio sepulcral” (Foto: Carlos Cruz)

Durante a visita dos vereadores às frentes de trabalho do projeto, a pergunta sobre quem arcará com o custo energético do bombeamento, que será permanente e elevado, foi feita diretamente aos representantes da mineradora e do governo municipal.

A resposta, porém, não veio. Segundo o presidente da Câmara, Carlos “Sacolão” Henrique Filho (Solidariedade), o que se teve foi um “silêncio sepulcral”.

Para Carlinhos “Sacolão”, esse silêncio é inaceitável diante da dimensão da obra e do impacto financeiro que ela pode gerar para a cidade.

Ele afirmou que Itabira não pode ser surpreendida com uma conta milionária no futuro, lembrando que a falta de água no município é consequência direta da atividade mineradora.

“Não podemos aceitar que a população pague por um problema que não criou. A Vale destruiu nascentes, monopolizou a água e agora não pode simplesmente empurrar a conta para o itabirano”, disse.

Segundo ele, a ausência de respostas claras indica que o município corre o risco de herdar um passivo financeiro que deveria ser integralmente assumido pela mineradora.

TAC do Rio Tanque e o custo energético 
Com as chuvas, a água do rio Tanque já está barrenta: custo de tratamento mais caro (Foto: Carlos Cruz)

De acordo com o que estabelece o TAC do Rio Tanque, o custo energético do bombeamento seria assumido pela Vale enquanto a empresa utilizar parte da água transposta para suas operações.

Esse entendimento foi tratado no acordo, uma vez que a mineradora é a principal responsável pela crise hídrica que levou Itabira à necessidade de buscar água a 25 quilômetros de distância.

Além disso, trata-se de uma necessidade adiada em mais de 25 anos pelo fato de a empresa dizer que isso não seria necessário, pois sobraria água dos aquíferos para abastecer a cidade após a exaustão das Minas do Meio, que no início deste século estava prevista para 2015. “As águas dos aquíferos serão um dos grandes legados que a Vale deixará para Itabira”, anunciou o então hidrogeológico da Vale Agostinho Sobrero, em reportagens publicadas no house-organ Vale Notícias.

Entretanto, com a adoção de novas tecnologias de beneficiamento de minério quase a seco, que demandam volumes significativamente menores de água, fontes oficiosas da própria Vale já admitem que a empresa não pretende utilizar a água do Rio Tanque.

Com isso, argumentam que a Vale não teria mais a obrigação de arcar com o custo energético do sistema, transferindo essa despesa para o município por meio do Saae, que certamente será obrigado a repassar esse custo à população.

Além disso, com a conclusão das obras e a entrada em operação da nova ETA, a Vale deixará de ser obrigada a fornecer ao Saae 160 l/s captados dos aquíferos locais, volume que vinha sendo repassado para evitar o colapso do abastecimento urbano, provocado justamente pela exaustão hídrica decorrente da mineração.

Sem essa necessidade operacional da água transposta, a empresa pode, de fato, se desvincular completamente da obrigação de arcar com o custo energético do sistema do Rio Tanque, deixando para o município a totalidade dos custos permanentes de bombeamento e operação.

Energia cara e dívida ambiental acumulada
Heraldo Noronha cobra da Vale a instalação de placas fotovoltaicas para reduzir o custo energético da transposição de água do Rio Tanque (Foto: Carlos Cruz)

Esse bombeamento da água do rio Tanque exigirá alto consumo de energia elétrica, e os vereadores temem que Itabira receba um “presente de grego”.

Carlinhos “Sacolão” comparou a situação a um “Kinder Ovo”, em que a surpresa pode ser uma conta absurda para a população de Itabira pagar.

Já o vereador Heraldo Noronha Rodrigues (PRB) e a vereadora Jordana Madeira defenderam alternativas para reduzir custos, como a instalação de energia fotovoltaica em prédios públicos –  e até no próprio sistema de bombeamento. Noronha destacou que empresas locais já oferecem energia mais barata que a fornecida pela Cemig.

Vale diz que transposição é “legado” para Itabira
Instalação da adutora de 25 quilômetros (Foto: Wallace Siqueira/Ascom/Vale)

Em resposta às críticas, a Vale tem afirmado que o Projeto Rio Tanque avança dentro do cronograma e já atingiu mais de 40% de execução no primeiro ano de implantação.

Segundo a empresa, trata-se do maior investimento da mineradora na região, com o objetivo de garantir segurança hídrica para cerca de 113 mil habitantes da zona urbana de Itabira.

O diretor do Complexo Operacional de Itabira, Diogo Monteiro, declarou que o empreendimento deixará um marco para o município. “O Projeto Rio Tanque é um legado para Itabira”, afirmou.

Disse ainda que a disponibilidade de água para a população cria condições para o crescimento sustentável da cidade nas próximas décadas. “É um investimento que vai além de infraestrutura: é sobre qualidade de vida, atração de novos negócios e futuro do município.”

A obra, iniciada em março, inclui a construção de uma adutora de 25 quilômetros, três estações elevatórias de bombeamento, um tanque de alimentação unidirecional, uma câmara de transição e uma moderna Estação de Tratamento de Água (ETA) com capacidade para 600 litros por segundo, volume superior ao consumo atual da cidade, estimado em 400 l/s. O investimento total é de aproximadamente R$ 1,17 bilhão.

Atualmente, segundo informa a mineradora, mais de mil trabalhadores atuam em dez frentes simultâneas, número que deve chegar a 1.200 no pico das obras.

Segundo o engenheiro de projetos Leandro Almeida, a prioridade é contratar mão de obra local e manter diálogo com comunidades próximas para garantir segurança e minimizar impactos.

Até a entrega do novo sistema, a Vale continuará fornecendo 160 l/s para o Anel Hidráulico e para as ETAs Areão e Rio de Peixe, conforme acordado com os órgãos competentes. “Após a conclusão, a gestão das estruturas ficará sob responsabilidade do Saae”.

Câmara promete acionar órgãos de controle

Apesar das explicações sobre o andamento das obras, a Vale não respondeu à pergunta que motivou o debate na Câmara Municipal – e que tem sido recorrente entre aqueles que abordam o projeto de transposição: afinal, quem pagará a conta da energia elétrica necessária para bombear a água do Rio Tanque até a ETA nas imediações da Pousada do Pinheiro.

A indicação apresentada pela vereadora Jordana Madeira foi aprovada por unanimidade e aguarda resposta da Vale.

Além disso, a Câmara pretende cobrar explicações e garantias do Governo Municipal, do Ministério Público, da própria Vale e dos comitês que acompanham o acordo da água, para assegurar que a população de Itabira não receba a conta no final.

O tom da sessão legislativa deixou claro que os vereadores não aceitam que a população seja penalizada por um problema que, segundo eles, tem origem na exploração mineral e na falta de responsabilidade ambiental da empresa.

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