PL Antifacção: por que equiparar facções criminosas a grupos terroristas é um erro perigoso

“Em meio a um cenário de divergências, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu adiar para a próxima terça-feira (18), como pauta única, a discussão e votação do substitutivo ao projeto de Lei Antifacção (PL 5582/2025)” – Agência Brasil

Foto: Lula Marques/
Agência Brasil

Por Vinicios Cardozo*

O Projeto de Lei nº 5.582/2025, conhecido como PL Antifacção, está em debate no Congresso e promete endurecer o combate ao crime organizado. No entanto, uma mudança crucial no texto, proposta pelo Relator, Deputado Guilherme Derrite, acendeu um alerta entre juristas: a equiparação de facções criminosas a atos de terrorismo.

Embora a intenção seja mostrar rigor, especialistas alertam que essa manobra é um erro conceitual grave, que desvirtua a lei e traz riscos reais para o sistema de justiça e para o país.

O que separa o crime do terror

A diferença entre o crime organizado e o terrorismo não é apenas de nome, mas de motivação.

Facções Criminosas (Crime Organizado) são movidas principalmente pelo lucro. Grupos como PCC e Comando Vermelho são estruturas empresariais que buscam dinheiro com tráfico, contrabando e domínio de territórios.

Já o terrorismo é motivado por ideologia, política ou preconceito (religioso, racial, etc.). O objetivo é causar pânico generalizado para forçar mudanças políticas ou subverter a ordem do Estado.

A Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016) foi criada para punir essa motivação ideológica. O Substitutivo do PL Antifacção tenta justificar a equiparação dizendo que o efeito das facções (o medo e a violência) é parecido com o do terrorismo.

O problema é que ao ignorar a motivação e focar apenas no resultado, o projeto banaliza o terrorismo. Ele usa uma lei feita para um tipo de ameaça (política/ideológica) para punir outra (econômica/criminal), criando uma confusão jurídica perigosa.

As implicações dessa mudança vão muito além do simbolismo de “endurecer a lei”.

A lógica do clamor popular e o risco de erro

A tramitação do PL Antifacção revela um fenômeno recorrente no Legislativo brasileiro: a reação apressada a fatos sociais relevantes, resultando em projetos de lei sem base conceitual sólida e focados apenas no aumento de penas.

Um exemplo recente dessa falta de rigor técnico foi a inclusão, no texto do Substitutivo, de uma medida que limitava a atuação da Polícia Federal (PF), exigindo aval do governador para operações conjuntas. A medida foi criticada pela PF e pelo Governo Federal como um “retrocesso” que inviabilizaria investigações cruciais, forçando o relator a voltar atrás.

Esse episódio é um sintoma de que, na ânsia de dar uma resposta rápida ao clamor popular, o legislador corre o risco de trocar os pés pelas mãos, criando leis que geram consequências opostas às pretendidas.

Um precedente histórico e desastroso dessa lógica ocorreu com a alteração do Artigo 157 do Código Penal (roubo) pelo Pacote Anticrime, proposto pelo então Ministro Sergio Moro.

Na tentativa de endurecer a lei, a inclusão da palavra “de fogo” após “uso de arma” levou à revisão e diminuição da pena de uma multidão de condenados por roubo majorado pelo uso de outros tipos de arma.

O mesmo risco se apresenta agora: a equiparação de facções a terrorismo, além de ser um erro conceitual, pode gerar consequências jurídicas não intencionais e desastrosas, como:

Penas extremas e injustas

O projeto propõe aumentar a pena para o crime de terrorismo (e, consequentemente, para as condutas equiparadas) para 20 a 40 anos de prisão. Essa é a pena máxima do nosso Código Penal.

Aplicar a mesma punição extrema a crimes de natureza diferente cria uma desproporcionalidade que pode ser questionada na Justiça. O aumento de pena, por si só, não resolve o problema da segurança, mas cria um sistema penal mais rígido e menos justo.

Risco de perda de controle

Ao classificar facções como terroristas, o Brasil coloca um problema de segurança pública interna em uma nova categoria internacional.

Isso pode abrir portas para que países estrangeiros pressionem ou até mesmo tentem intervir em questões de segurança brasileiras, sob o pretexto de combater o terrorismo transnacional.

É um risco real de perda de soberania na condução de nossas próprias políticas de segurança.

Justiça sobrecarregada

Crimes de terrorismo são julgados pela Justiça Federal e seguem um rito processual mais severo, com menos garantias para os réus. Transferir milhares de casos de facções para a Justiça Federal pode sobrecarregar o sistema e levar a uma situação onde as garantias legais são reduzidas.

Além disso, a transferência poderia criar um regime de exceção, vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O caminho certo é a inteligência, não o símbolo

O combate eficaz às facções criminosas não está em criar um “supercrime” com penas altíssimas. O caminho mais inteligente e constitucionalmente correto é fortalecer a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013).

O foco deve ser na inteligência policial e na asfixia financeira desses grupos. É preciso cortar o fluxo de dinheiro que sustenta as facções, e não apenas aumentar o tempo de prisão de seus membros.

A insistência em equiparar facções a terrorismo é um atalho perigoso que sacrifica a clareza jurídica e a proporcionalidade em nome de um simbolismo político.

O Congresso precisa ter a responsabilidade de rejeitar essa simplificação e focar em soluções que realmente desestruturem o crime organizado no Brasil.

*Vinicios Cardozo é advogado criminalista, sócio fundador do GMP | G&C – Advogados Associados, especialista em Ciências Criminais.

 

 

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