Vereadores itabiranos apresentam projetos absurdos entre estátuas gigantes, censura artística e celebração de caçadores

Fotos: Carlos Cruz

Câmara de Itabira vive uma temporada de propostas esdrúxulas que expõem o vazio político e viés ideológico de parte dos vereadores da atual legislatura

Alguns vereadores da atual legislatura da Câmara Municipal de Itabira parecem ter se especializado em transformar o plenário em um laboratório de excentricidades políticas. Em meio a uma crise de representatividade e ausência de projetos estruturantes, parlamentares têm apresentado propostas que beiram o surreal – todas dignas de figurar no folclore político local e até nacional.

A série de besteirol em curso por alguns vereadores remete a um “célebre” episódio ocorrido nas eleições municipais de 1982, quando um vereador candidato a prefeito simulou o próprio sequestro, sendo encontrado amordaçado dentro de um saco de linhagem para tentar comover o eleitorado.

Posteriormente, descobriu-se que o próprio, com o auxílio de familiares, havia planejado e executado o falso sequestro. Foi desmascarado e terminou em última colocação naquela disputa eleitoral.

Drummond do tamanho do Cristo Redentor
Elias Lima propôs criar uma estátua gigante de Drummond, mas depois recuou diante do rídiculo da proposta

A primeira proposta esdrúxula da presente legislatura veio com o vereador Elias Lima (Solidariedade), que sugeriu erguer uma estátua monumental de Carlos Drummond de Andrade com dimensões semelhantes às do Cristo Redentor – um exemplo claro de como o culto à imagem pode se sobrepor ao bom senso.

Além de ser despropositada, a ideia ignora critérios urbanísticos, orçamentários e até mesmo o espírito da obra de Drummond, marcada pela introspecção e pela crítica social. Felizmente, o projeto foi engavetado, mas não sem antes provocar perplexidade e memes nas redes sociais.

Censura disfarçada de moralismo
O vereador Cidney “Caldo de Cana” quer impor censura prévia nas manifestações artísticas em Itabira

Mais preocupante, porém, é o projeto de lei nº 717/2025, de autoria do vereador Cidney “Caldo de Cana” Camilo Rabelo (PL), que pretende proibir a contratação de artistas com recursos públicos caso suas apresentações contenham “apologia ao crime, erotização, nudez ou conteúdo sexual explícito”.

A proposta, que ainda tramita com chances reais de aprovação, escancara uma tentativa de censura prévia às manifestações culturais, violando frontalmente o artigo 5º da Constituição Federal, que garante a liberdade de expressão e veda qualquer tipo de censura estatal.

Não é preciso ser especialista em direito constitucional para prever que, se sancionada – o que se espera não aconteça –, a lei poderá ser derrubada por meio de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), por estabelecer censura prévia e coibir a livre manifestação artística.

Mais do que um ataque à arte, o projeto revela uma agenda moralista e autoritária, alinhada a setores conservadores que tentam impor uma visão única de cultura e comportamento no país.

Dia do CAC: a celebração da violência disfarçada de esporte
Leandro Paschoal propõe a criação do “Dia do Caçador, Atirador e Colecionador (CAC)” no calendário oficial de Itabira

Como se não bastasse, o vereador Leandro Paschoal (PSD) apresentou o projeto de lei nº 157/2025, que propõe a criação do “Dia do Caçador, Atirador e Colecionador (CAC)” no calendário oficial de Itabira.

A proposta, que tramita na Câmara desde outubro, é mais do que uma exaltação ao armamentismo: ela institucionaliza a celebração de práticas que envolvem o uso de armas de fogo, inclusive a caça – uma atividade proibida pela legislação federal brasileira, exceto em casos específicos de controle ambiental.

Embora o projeto se fundamente na retórica do esporte, o pano de fundo é ideológico. A valorização dos CACs tem sido uma bandeira de grupos políticos que defendem o armamento da população como forma de “autodefesa”, ignorando os riscos sociais e os dados que apontam para o aumento da violência em regiões com maior circulação de armas.

Criar um dia municipal para celebrar essa cultura é, no mínimo, irresponsável – e não passa de um aceno político a setores radicalizados, conservadores, reacionários e armamentistas.

Política performática e ausência de prioridades

O que une essas propostas é a lógica da política performática: ações que geram manchetes, polêmicas e engajamento nas redes, mas que pouco contribuem para a melhoria da vida dos cidadãos itabiranos.

Enquanto Itabira enfrenta desafios reais, como a crise econômica, os impactos ambientais da mineração e graves problemas na área de saúde ainda não resolvidos, alguns de seus representantes parecem mais preocupados em agradar nichos ideológicos e alimentar vaidades pessoais.

A Câmara Municipal, que deveria ser um espaço de debate qualificado e planejamento estratégico, corre o risco de se tornar um palco de vaudeville legislativo, com parte dos vereadores se comportando como um espetáculo de entretenimento barato, em vez de debater políticas públicas relevantes.

Esses parlamentares encenam propostas caricatas, populistas e irrelevantes, buscando atenção, manchetes ou likes nas redes sociais – onde o espetáculo substitui o conteúdo e o populismo sabota a razão.

Entre o folclore e o fiasco

É assim que se vê em Itabira um retrato preocupante de parte do legislativo itabirano que, em vez de enfrentar os dilemas históricos ainda não resolvidos da cidade, opta por encenar farsas políticas que flertam com o grotesco.

A sucessão de propostas absurdas revela não apenas falta de preparo técnico e visão estratégica, mas também um descolamento completo da realidade social e institucional. E quando o espetáculo substitui o conteúdo, o populismo encobre a razão e o besteirol vira política pública.

É como se a política fosse um palco de vaidades e não um instrumento de transformação coletiva para uma cidade melhor para se viver, trabalhar e curtir o ócio criativo com cultura, arte, lazer e esportes, o que não deve incluir “tiro ao alvo”.

Itabira merece mais do que isso. Merece representantes que honrem o mandato com seriedade, compromisso e inteligência. Isso porque entre o folclore e o fiasco, há uma cidade esperando por soluções reais – e o tempo está se tornando escasso diante da possibilidade iminente de uma “derrota incomparável”, caso as mudanças estruturais não comecem a acontecer desde já.

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