Fiscalização frágil da Cfem e estrutura precária da ANM colocam em risco justiça fiscal e desenvolvimento sustentável

Foto: Divulgação/
Amig

Durante encontro em Belo Horizonte, Amig Brasil, TCU, TCE-MG e Ibram apontam perdas bilionárias, sonegação e urgência na reestruturação da Agência Nacional de Mineração

A fragilidade na fiscalização da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) e a precariedade estrutural da Agência Nacional de Mineração (ANM) voltaram ao centro do debate público nessa segunda-feira (6).

O evento foi promovido pela Associação Brasileira dos Municípios Mineradores (Amig Brasil), com participação do Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Realizado no auditório do TCE-MG, em Belo Horizonte, o encontro reuniu prefeitos, especialistas e representantes de instituições para discutir os desafios da mineração no Brasil.

Os participantes destacaram perdas bilionárias na arrecadação da CFEM, falhas na fiscalização e a necessidade urgente de modernização da ANM como condição para uma mineração mais ética, responsável e sustentável.

Perdas bilionárias e fiscalização insuficiente

Segundo o superintendente de Arrecadação e Fiscalização de Receitas da ANM, Alexandre Rodrigues, a Cfem, que deveria ser instrumento de desenvolvimento para os municípios mineradores, sofre com inadimplência e sonegação alarmantes.

“Estudos do TCU apontam que 70% das empresas com lavra autorizada não pagam Cfem. Entre as que pagam, 40% recolhem menos do que deveriam. Isso representa bilhões de reais que deixam de chegar aos cofres públicos, especialmente dos municípios”, afirmou.

Entre 2017 e 2024, as perdas acumuladas na arrecadação da Cfem somaram R$ 20 bilhões, segundo relatório do TCU.

“Cada real que não chega aos cofres municipais é uma creche que não é construída, uma unidade de saúde que não abre, um projeto social que não sai do papel. É um prejuízo real, que compromete o desenvolvimento dos municípios mineradores e impactados”, destacou o presidente da Amig Brasil e prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB).

Cfem: trampolim ou obstáculo?

Em 2024, a Cfem arrecadou R$ 7,5 bilhões, distribuídos da seguinte forma: 60% para os municípios produtores, 15% para os municípios afetados, 15% para os estados e 10% para a União.

Apenas 7% do total deveria financiar a ANM, mas 75% desse valor é contingenciado. “Dos R$ 750 milhões que caberiam à ANM, apenas cerca de R$ 250 milhões chegaram de fato. Esse contingenciamento ajuda a explicar o quadro de fragilidade que enfrentamos”, explicou Rodrigues.

A escassez de recursos compromete diretamente a fiscalização. “Até recentemente, tínhamos apenas três fiscais para monitorar quase 40 mil lavras autorizadas no país. Com o novo concurso, esse número triplicou para nove e deve chegar a 18 até novembro. Ainda é pouco, mas é um avanço”, pontuou.

Tecnologia como aliada da fiscalização

Para enfrentar os gargalos, a ANM aposta em tecnologia e governança. A Declaração de Informações Econômico-Fiscais (DIEF-CFEM), recém-lançada, permite que mineradoras informem dados detalhados e autorizem o acesso às suas notas fiscais.

“Já temos um ‘lago de dados’ com 20 milhões de notas fiscais, o que nos permite prever com até dois meses de antecedência quanto cada empresa deve recolher. Além disso, estamos criando o Selo de Regularidade da Cfem, que certificará empresas que recolhem corretamente e praticam boas práticas de governança”, explicou Rodrigues.

Justiça fiscal e territorial como prioridade

Para Marco Antônio Lage, a Cfem é o eixo central das lutas da Amig Brasil. “O tema da Cfem perpassa todas as nossas dores, dúvidas e batalhas na busca por justiça territorial, justiça fiscal e por uma mineração mais ética, responsável e transparente”, afirmou.

A entidade, que representa 70 municípios mineradores em 12 estados, defende a revisão urgente do Código de Mineração Brasileiro, de 1967.

“Precisamos de um novo marco regulatório que reflita o século XXI, os minerais críticos e estratégicos, a transição energética e, sobretudo, o papel da mineração na vida das pessoas. A mineração precisa ser instrumento de desenvolvimento, e não fonte de dependência”, destacou Lage.

Ele também cobrou o fortalecimento da ANM. “Enquanto agências como Aneel, Anvisa e Anatel são estruturadas e funcionam, a ANM ainda não aconteceu. Ela precisa urgentemente ser fortalecida, técnica e financeiramente. Sem isso, continuaremos reféns de uma fiscalização insuficiente e de uma gestão pública negligente”, afirmou.

O papel do controle externo

O ministro do TCU, Antônio Anastasia, defendeu o controle externo como ferramenta essencial para garantir a boa aplicação dos recursos da Cfem.

“A aplicação da Cfem deve ser orientada por uma visão estratégica. Não podemos permanecer dependentes exclusivamente da extração mineral, pois ela tem prazo de validade. Os tribunais de contas têm papel essencial em averiguar se esses recursos estão sendo bem aplicados”, afirmou.

Anastasia também destacou a importância de agregar valor à produção mineral. “A exportação de minério bruto, embora positiva sob certos aspectos, não nos satisfaz plenamente. Nossa grande aspiração é transformar o minério em produtos industrializados e acabados, gerando mais empregos e desenvolvimento econômico”, disse.

Mineração e o custo social

O presidente do TCE-MG, Durval Ângelo, reforçou que a Cfem ainda é insuficiente para compensar os impactos da mineração. “Mesmo o município que mais arrecada Cfem no Brasil, Canaã dos Carajás (PA), enfrenta sérias dificuldades para mitigar os danos provocados pela mineração. Isso mostra o custo social e ambiental dessa atividade”, afirmou.

Durval também criticou a estrutura precária da ANM e defendeu maior fiscalização nos estados e municípios. “Um exemplo emblemático ocorreu em Barão de Cocais (MG), onde uma operação resultou na apreensão de 82 caminhões que transportavam minério ilegalmente. Isso demonstra que é possível agir, mas é preciso instrumentalizar os entes locais e exigir o cumprimento das obrigações”, destacou.

O diretor de Assuntos Minerários do Ibram, Júlio Nery, reforçou a urgência de fortalecer a ANM. “Um país que quer ter uma mineração responsável, sustentável e moderna precisa ter uma Agência Nacional de Mineração forte institucionalmente, com recursos humanos, financeiros e tecnológicos adequados para cumprir sua missão”, afirmou.

Um chamado à ação

O presidente do TCE-MG, conselheiro Durval Ângelo, anunciou a aprovação de novas diretrizes para a aplicação dos recursos da Cfem, apresentadas oficialmente à Amig Brasil.

As regras, aprovadas por unanimidade, têm relatoria do conselheiro Adonias Monteiro e foram construídas a partir de proposta do conselheiro Licurgo Mourão. O objetivo é orientar e dar maior segurança jurídica aos gestores públicos municipais na utilização dos recursos.

Segundo Durval Ângelo, as normas definem critérios claros para que os valores recebidos pelos municípios minerados sejam destinados à mitigação de danos ambientais e sociais, além de iniciativas que promovam a diversificação econômica e a superação da dependência da mineração.

O TCE-MG, em parceria com o Ministério Público de Contas, atuará na fiscalização e acompanhamento da execução dessas medidas, reforçando o compromisso com a transparência, a boa gestão e o desenvolvimento sustentável nas regiões mineradoras.

As entidades presentes foram unânimes: o Brasil precisa transformar sua riqueza mineral em desenvolvimento humano e social. “A mineração só tem uma safra, e essa oportunidade precisa ser bem aproveitada. É hora de agir, fortalecer a fiscalização, modernizar a ANM e garantir que a Cfem seja um trampolim para o desenvolvimento sustentável”, enfatizou Marco Antônio Lage.

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