Coleta seletiva em Itabira enfrenta desafios e exige atenção para preservar a vida útil do aterro sanitário; moradores podem ajudar ao separar os resíduos orgânicos e recicláveis

O aterro sanitário de Itabira aparenta estar sendo manejado corretamente, com a cobertura diária dos resíduos por camadas de terra (argila), conforme exigem as normas ambientais

Fotos: Carlos Cruz

Reconhecida nacionalmente nos anos 1990 pelos altos índices de reciclagem, Itabira enfrenta nos últimos anos sucessivas fases delicadas na gestão de resíduos, com recorrentes misturas de recicláveis e orgânicos. Isso tem ocorrido tanto pela falta de segregação adequada por parte dos moradores quanto por falhas operacionais na coleta, agravadas pela suspensão de contratos com empresas terceirizadas

A coleta seletiva em Itabira, que já figurou entre as cidades com melhores índices de reciclagem do país, enfrenta dificuldades e precisa resolver gargalos para avançar e voltar a ser referência nacional.

É que ao longo dos últimos anos, o serviço sofreu interrupções provocadas por fatores diversos, como foi a pandemia da Covid-19, a epidemia de dengue e, mais recentemente, com a crise gerada pela interrupção do contrato com a empresa terceirizada responsável pela coleta urbana.

Embora não se possa afirmar que a coleta seletiva esteja comprometida, há uma conjuntura desfavorável que tem provocado episódios de mistura entre resíduos recicláveis e orgânicos.

Essa prática, se mantida, pode comprometer a vida útil do aterro sanitário municipal, implantado em 2012 com recursos da Vale, que contratou o projeto, a implantação e início da operação do aterro, entregando-o à Prefeitura em plena operação (com instruções de operação e projeto de expansão gradual das células), além do suporte técnico inicial da empresa projetista.

Aterro sanitário: da recuperação ao risco de saturação

Em 2020, as condições do aterro sanitário se assemelhavam às do antigo lixão, com urubus e cavalos circulando entre os resíduos expostos, sem cobertura de terra

O aterro sanitário de Itabira foi construído para substituir o antigo lixão, onde era comum encontrar porcos criados entre os resíduos, além da presença de cães, cavalos e urubus circulando livremente pelo local. Com sua implantação, a cidade passou a contar com uma estrutura que opera dentro das normas ambientais, eliminando práticas insalubres e riscos à saúde pública, situação que foi ameaçada em 2020, conforme reportou este site naquela ocasião.

O projeto inicial, elaborado pela empresa Essencis, previa vida útil até 2033, com base em uma média de geração de resíduos inferior à atual – hoje estimada em cerca de 2.700 toneladas por mês, segundo dados da Prefeitura. Com gestão adequada e descarte correto, a estrutura poderia operar até 2035. Ou até por mais tempo.

Segundo o engenheiro civil-sanitarista Paulo Therezo, que acompanhou tecnicamente a implantação do aterro, a estrutura foi construída com células impermeabilizadas, que precisam ser cobertas diariamente com terra (argila) para evitar infiltrações de água e exposição ao ambiente. “O segredo do aterro é não deixar entrar água no lixo, para não gerar mais chorume”, explica.

Therezo também destaca a presença de queimadores de gás metano, essenciais para evitar explosões e reduzir o impacto climático. “O metano tem um potencial de aquecimento global muito maior que o CO₂. Queimá-lo é essencial para evitar riscos e contribuir com a mitigação ambiental.”

Como parte da população tem misturado resíduos recicláveis com orgânicos nos contêineres, a coleta acaba sendo feita de forma indiferenciada, utilizando o mesmo caminhão para ambos os tipos de material (Foto: Reprodução/Rede Social)

Mistura de resíduos: causas e implicações

A atual mistura de recicláveis com orgânico, em muitas ocasiões flagradas por moradores e reportadas à reportagem, tem explicações pontuais da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), responsável pela gestão da Empresa de Desenvolvimento Urbano de Itabira (Itaurb) e demais contratadas.

Segundo explica, e procura justificar, isso ocorre quando os garis identificam resíduos orgânicos contaminando os recicláveis. Nesse caso, o material é redirecionado para a rota indiferenciada, eufemismo criado para quando ocorre a mistura de resíduos orgânicos com recicláveis.

Como exemplo cita o bairro Campestre, onde foi lançado pioneiramente a coleta por meio de contêineres seletivos, onde são encontrados com frequência fraldas sujas, restos de alimentos e até animais mortos. Essa mesma situação tem sido recorrente também em outros pontos de coleta.

Além disso, a suspensão do contrato com a empresa terceirizada gerou sobrecarga na operação, exigindo que caminhões da coleta seletiva fossem utilizados em rotas comuns, justifica.

A falta de mão de obra na Itaurb, que há muito tempo não tem processo seletivo para preenchimento de vagas abertas por aposentadorias e afastamentos, juntamente com falhas mecânicas também contribuíram para o cenário atual. A SMDU considera transitória essa situação, prometendo normalizar com a conclusão das novas licitações.

Eficiência da triagem e desperdício de recursos

Os dados de 2024 revelam uma queda na eficiência da triagem:

Fonte: SMDU/Itaurb

Como se observa, quase metade do material separado acaba sendo descartado como rejeito, encaminhado ao aterro, o que representa desperdício de recursos e aceleração de sua saturação.

O material reaproveitável (plásticos, latas, papel, papelão e vidro), segundo informa a SMDU, é comercializado, com receita revertida para a própria Itaurb. O restante, que não é pouco, segue para o aterro sanitário.

Pandemia, epidemia e sobrecarga por inservíveis

Durante a pandemia de Covid-19, a partir de 2020, a coleta seletiva em Itabira foi suspensa em diversos momentos, priorizando o recolhimento de inservíveis e resíduos comuns, com tudo misturado seguindo para o aterro.

A situação se repetiu em 2023, com a epidemia de dengue, quando mutirões de limpeza urbana intensificaram o descarte de materiais volumosos e orgânicos.

Reportagens da Vila de Utopia alertaram que essas ações, embora necessárias do ponto de vista sanitário, contribuíram para a sobrecarga do aterro, o que por certo, contribui para reduzir a sua vida útil, repita-se.

Manejo técnico e monitoramento ambiental
Atualmente, os resíduos orgânicos recolhidos na cidade são cobertos no mesmo dia com camada de terra, a fim de evitar a proliferação de vetores e minimizar impactos ambientais

A gestão do aterro é responsabilidade da Prefeitura de Itabira, por meio da SMDU, com operação da Construtora Hura Ltda.

Segundo informa, a fiscalização é feita na balança, autorizando apenas resíduos de classe IIA, conforme licença ambiental vigente – ou seja, resíduos não perigosos, mas com potencial de biodegradação, como restos orgânicos e materiais que não são totalmente estáveis.

Essa classificação é definida pela norma ABNT NBR 10.004 – e exclui resíduos perigosos (classe I) e inertes (classe IIB), como entulho e materiais de construção, que devem ser destinados a locais específicos.

O controle na balança, teoricamente garante que o aterro receba apenas o tipo de resíduo autorizado, evitando contaminações e sobrecarga indevida.

Já o chorume gerado, que vem a ser o líquido resultante da decomposição da matéria orgânica, continua sendo tratado na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Laboreaux.

“Há monitoramento ambiental regular e área prevista para expansão, que depende de novo projeto e licenciamento. Paralelamente, está em fase de contratação da Central de Tratamento de Resíduos, dentro do programa Itabira Sustentável”, assegura e informa a Prefeitura.

Para garantir a vida útil e a segurança do aterro sanitário, é fundamental evitar falhas operacionais que possam comprometer os sistemas de drenagem e impermeabilização, como se espera que tenha sido feito ao longo dos anos.

Caso tenha ocorrido algum desleixo, ou ainda persista, há risco de perda de drenos ou danos nas mantas de vedação, o que exige verificação técnica e correção imediata.

Um passado de excelência
Tudo junto e misturado: materiais recicláveis, como papelão, acabam muitas vezes tendo o mesmo destino dos resíduos orgânicos: o aterro sanitário

Na década de 1990, Itabira chegou a figurar entre as cidades com melhores índices de reciclagem do país. O programa da Itaurb atingia cerca de 20% de reaproveitamento de todos os resíduos urbanos, superando capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.

“Era motivo de orgulho. A cidade aparecia entre as líderes em rankings de reciclagem, juntamente com Curitiba”, relembra Therezo, que também participou de parcerias entre a Vale e a Itaurb para ampliar a coleta seletiva também na mineradora.

O mito da reciclagem e os desafios atuais

A realidade da reciclagem no Brasil é complexa. Segundo pesquisa publicada pelo Diário do Rio, 64% dos rejeitos coletados pelas cooperativas no estado são compostos por plásticos não recicláveis, que acabam em aterros ou no meio ambiente.

Em Itabira, o desafio é semelhante: mesmo com triagem, parte significativa dos resíduos separados não tem viabilidade comercial ou técnica para reaproveitamento.

É assim que a vida útil do aterro sanitário de Itabira depende diretamente da eficiência da coleta seletiva e da segregação correta dos resíduos.

A reincidência de falhas operacionais, a baixa adesão da população e a sobrecarga provocada por ações emergenciais colocam em risco uma conquista ambiental que custou caro – e exigiu esforço técnico e institucional, com participação efetiva da população itabirana.

Recuperar os índices históricos de reciclagem, modernizar a estrutura e fortalecer uma educação ambiental eficiente, ampla, geral e irrestrita são medidas urgentes para evitar que o aterro sanitário volte a se transformar em um problema crônico, como foi o antigo lixão que ele substituiu.

São ações fundamentais também para que Itabira volte a ser referência nacional na separação e reciclagem de resíduos secos – e que podem também ser reaproveitáveis como matéria-prima ou mesmo para novas utilizações.

Condições de trabalho e fiscalização

Denúncias sobre condições insalubres na Central de Triagem surgiram em 2020. Durante a gestão do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-2020). Foi quando o Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos Municipais de Itabira (Sintsepmi) alertou para riscos ao trabalhador como goteiras, correias esgarçadas, falta de freios em equipamentos e ausência de EPIs.

Hoje, a Itaurb afirma que todos os equipamentos de segurança estão disponíveis e que há fiscalização diária nos núcleos de apoio. “No caso das empresas terceirizadas, a fiscalização também é contínua. Os contratos exigem comprovação do fornecimento de EPIs e treinamentos obrigatórios. Em caso de descumprimento, há previsão de sanções contratuais.”

 

 

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2 Comentários

  1. Carlos, gostei do texto e vejo a importância da coleta seletiva. Lembrando que no governo de Dr. Luiz Menezes começou a discussão e a implantação da coleta seletiva, através de Paula Menezes como Presidente da ITAURB. Na ocasião, ela trouxe um palestrante, salvo engano, de Santa Catarina. Foi o início das discussões e implantação. Como você comentou, com base no depoimento de Paulo Therezo, Itabira era admirada por ter coleta seletiva. Não podemos deixar de questionar sobre a sua importância e a vida útil do aterro, para que não volte a virar um lixão.

  2. Sr. Carlos Alvarenga Cruz, perdoe-me por discordar. Tenho ouvido e já fui vítima também, do descaso dos coletores de resíduos. Separo há anos o material descartado na minha casa, lixo comum e reciclável, e por vezes já vi juntarem tudo no mesmo caminhão, desconsiderando o que eu e outros tantos fizeram.

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