O marketing das aparências ganha força na Vale com influenciadores, o novo colunismo social da modernidade líquida
Imagem: Reprodução
Como o marketing de influência transforma tragédias em espetáculo e a divulgação de acontecimentos em performance
A presença de influenciadores digitais em eventos corporativos deixou de ser exceção e virou regra. Empresas como a Vale, marcada por tragédias socioambientais como Mariana e Brumadinho, têm apostado em rostos populares das redes sociais para promover seus eventos e suavizar sua imagem pública.
O que parece ser uma jogada de marketing eficiente pode, na verdade, esconder um problema ético: a substituição da crítica pela conveniência. É o que já se observa com os “criadores” de conteúdo que encantam, e silenciam, na tentativa de ofuscar as críticas mais contundentes a essas corporações.
É assim que a cobertura de um evento se transforma numa vitrine de selfies, reels e hashtags, enquanto os impactos reais da atuação empresarial permanecem fora da pauta. É o marketing da aparência, onde o engajamento vale mais que a responsabilidade, muito mais ainda que a informação e a necessária transparência que gera confiança.
Narrativas sedutoras, silêncios estratégicos
Nesse novo contexto do colunismo social, a estética da narrativa importa mais do que a objetividade dos fatos. E a Vale não está sozinha. Diversas empresas brasileiras e internacionais seguem o mesmo roteiro.
O iFood, por exemplo, investe pesado em influenciadores para promover ações de sustentabilidade e inclusão, enquanto enfrenta críticas recorrentes sobre as condições de trabalho de seus entregadores.
O grupo HOPE, do setor de moda íntima, também recorre a influenciadores em eventos de marca, mesmo sendo alvo de debates sobre padrões estéticos excludentes e representatividade limitada.
Já a HelloFresh, multinacional de kits de alimentação, paga fortunas a criadores de conteúdo para promover seus produtos em vídeos de receitas, enquanto enfrenta questionamentos sobre excesso de embalagens e pegada ambiental.
Da mesma forma, a gigante de beleza Sephora mantém o programa “Sephora Squad”, que remunera influenciadores com acesso a lançamentos e eventos exclusivos – uma estratégia que mascara críticas sobre diversidade e inclusão no setor.
Já a Vale passou a divulgar os eventos que patrocina por meio desses novos colunistas sociais, no afã de se contrapor às críticas pela devastação ambiental nos territórios onde mantém suas atividades, ao invés de promover a necessária transparência e o diálogo franco com as comunidades – a exemplo de Brumadinho e Mariana, que sofreram e ainda sofrem as consequências dos dois maiores crimes ambientais e humanitários da mineração.
Influência ou encenação corporativa?
Segundo levantamento da Influency.me, 82% das marcas contratam influenciadores todos os meses – e 68% pretendem aumentar esse investimento em 2025. O número de empresas que investem mais de R$ 1,5 milhão por ano em marketing de influência dobrou em relação ao ano anterior. É um mercado bilionário, onde a imagem é cuidadosamente lapidada – mesmo que à custa da verdade.
Essa prática levanta uma pergunta incômoda: até que ponto o marketing de influência está sendo usado como cortina de fumaça para evitar o enfrentamento de questões estruturais e de comunicação?
Quando empresas com histórico de danos sociais e ambientais optam por influenciadores em vez de contratar profissionais da comunicação – sobretudo jornalistas – o que está em jogo não é apenas a estética da comunicação, mas a integridade do debate público.
A substituição da apuração jornalística pela performance transforma o espaço informativo em um palco de encenação, onde o contraditório é dispensado e o desconforto é editado ao sabor dos interesses corporativos. E, que, invariavelmente não coincidem com as demandas sociais.
A era da blindagem reputacional
A era dos colunistas sociais digitais não apenas chegou, mas se consolida como estratégia de blindagem reputacional em tempos de realidade líquida – como define Zygmunt Bauman.
Mas cabe à sociedade decidir se continuará aplaudindo o espetáculo ou se exigirá que o palco seja também espaço de responsabilidade, transparência e compromisso com a verdade.
Isso porque, quando o marketing vira maquiagem, o risco é que a realidade acabe soterrada, a exemplo do que aconteceu em Brumadinho e Mariana, sob uma camada espessa de likes, filtros e silêncio comprometedores.
Fontes consultadas: Agência Pública, Brasil Escola, Abet, Fenaj e UOL