Esplanada da Estação era para ser um parque ecológico, como defendeu O Cometa; virou condomínio fechado
Perda incomparável: uma área verde que não chegou a existir no coração da cidade
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“Fracassei em tudo o que tentei na vida. (…) Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.” – Darcy Ribeiro (1922–1997)
Carlos Cruz
Itabira poderia ter mais uma ampla área verde no centro da cidade, com pistas de caminhada e ciclismo, além do Parque do Intelecto, no bairro Campestre.
Isso teria sido possível caso fosse acatada, pelo então prefeito de direito Li Guerra (1993–96) e pelo prefeito de fato Ricardo Dequech, ex-superintendente da Vale no início dos anos 1990, a proposta de transformar a pera ferroviária desativada na Esplanada da Estação em um parque ecológico.
A proposta foi defendida pelo jornal O Cometa em inúmeras reportagens, argumentando, inclusive, que a pera ferroviária e a área adjacente onde se instalou o ramal ferroviário foram adquiridas pela Prefeitura e doadas à ferrovia para a criação de um “porto seco”.
Desativado pela Vale no final de 1992, foi o prefeito Li Guerra quem acatou, sem questionamentos, já no início de sua administração, a decisão do então superpoderoso superintendente Ricardo Dequech, que resolveu fazer dinheiro com o terreno, loteando-o e construindo casas para engenheiros da Vale, aqueles que à época, estavam sem teto.
De nada adiantou a argumentação do jornal O Cometa. Foi mais uma luta em vão, com uma perda incomparável a mais para a cidade, que já foi do Mato Dentro – e hoje figura entre as menos arborizadas do país.
“Absurdo transformar essa área, que deveria voltar para o público, em condomínio fechado, quando deveria retornar ao povo, uma vez que foi doado para a ferrovia para um fim específico, que deixou de existir”, escreveu este repórter na edição de fevereiro de O Cometa.

Camarinha: a troca que nunca se completou
Na edição seguinte, em editorial, o jornal lembrou que a mineradora havia trocado o terreno da Camarinha, onde, por meio da empresa municipal de economia mista Extracomil, o município extraía e vendia minério de ferro para a Vale, por uma extensa área verde de 120 mil metros quadrados que se estendia do Pico do Amor, onde hoje está o Parque do Intelecto, até um terreno atrás do Paço Municipal.
Só que esse terreno atrás da Prefeitura havia sido ocupado por um sitiante, que na Justiça requereu e obteve o direito de permanecer na área. Com essa perda, a Vale ficou devendo os 120 mil metros quadrados, que poderiam ter sido, em parte, compensados com a restituição da pera ferroviária à municipalidade.
Esse foi outro argumento apresentado por O Cometa: a devolução ao município da pera ferroviária, com área de 75 mil metros quadrados, como parte da troca pela Camarinha, já que o terreno atrás da Prefeitura foi dado como perdido.
Na época, o então presidente da Vale, Francisco Schettino, chegou a admitir suspender a construção do condomínio, se essa fosse realmente a vontade do “povo itabirano”.
Como o prefeito de direito não manifestou essa vontade, prevaleceu a decisão do prefeito de fato, Dequech. E Itabira perdeu o que poderia ter sido seu parque municipal.
Tentativas frustradas de barrar o loteamento e sua transformação em condomínio

Ainda naquela ocasião, os vereadores pelo PT, Fernando Muniz e Maria José Pandolfi, ingressaram com pedido para que a Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais movesse uma ação civil para impedir a construção das casas e devolver a área ao município.
“A área da Esplanada foi adquirida pela Prefeitura por desapropriação com finalidade específica, e sua utilização está sendo desvirtuada para atender interesses particulares”, denunciaram os então petistas, reforçando os argumentos apresentados nas reportagens de O Cometa.
“Não somos contra a Vale construir casas para o seu corpo técnico, mas convenhamos que existem locais mais adequados”, argumentou a vereadora Pandolfi.
O então coordenador das promotorias em defesa do cidadão, procurador Abelar Teixeira Nunes, chegou a abrir um procedimento para investigar o caso. Mas, certamente convencido pela força argumentativa da mineradora, não apresentou denúncia – e a ação civil pública nunca foi instaurada.
Com isso, prevaleceu a decisão de Dequech, prontamente acatada pelo prefeito Li Guerra, que obteve inclusive aprovação do Codema para liberar o loteamento pretendido pela poderosa Companhia Vale do Rio Doce para a construção de 74 casas de alto padrão construtivo.
Atualmente, os engenheiros sem teto da Vale já não estão residindo no condomínio da Esplanada da Estação. Venderam os seus imóveis, hoje ocupados por parte privilegiada da pequena burguesia itabirana. E Itabira perdeu o que viria a ser seu parque municipal.
Arborização urbana é uma urgência para a cidade
Itabira é uma das cidades menos arborizadas do Brasil. Apenas 25,2% das vias públicas são arborizadas, segundo dados do IBGE.
E o que é pior: a vegetação esparsa, predominante na cidade, sofreu uma redução de 15% entre 2020 e 2024, com as desafetações de áreas verdes leiloadas em boa parte pela administração do ex-prefeito Ronaldo Magalhães (2017-2020), além de cortes indiscriminados por toda cidade, tanto na zona urbana quanto nas minas, ampliando áreas descobertas.
Durante a abertura da Semana do Ar em Itabira, realizada na sexta-feira (8), na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), a professora Ana Carolina Vasques de Freitas, da Unifei, doutora em Ciências Atmosféricas, defendeu a importância da vegetação urbana.
Isso para filtrar poluentes atmosféricos, reduzir ondas de calor, amenizar enchentes, capturar carbono e promover biodiversidade. “Cada árvore é uma aliada contra a poluição e a mudança climática”, afirmou.
Segundo ela explicou, árvores em crescimento são especialmente eficazes no sequestro de carbono, pois absorvem CO₂ da atmosfera durante a fotossíntese e o armazenam em seus tecidos, contribuindo diretamente para o combate às mudanças climáticas.
A dívida verde da Serra do Esmeril

A Vale deve à cidade de Itabira um investimento de grande porte em áreas verdes. Se a perda do parque da Esplanada da Estação não basta, pode-se também argumentar que a mineradora deve toda a vegetação de Mata Atlântica suprimida da Serra do Esmeril, no início da década de 1980, para a abertura das Minas do Meio.
Essa compensação nunca ocorreu, é mais uma perda incomparável que engrossa a dívida histórica da mineração com o município.
O desmatamento da cobertura vegetal da Serra do Esmeril é um impacto que ainda hoje se reflete no clima local e nas condições atmosféricas da cidade, agravadas pela poluição causada por partículas de minério em suspensão, que desde então encobrem a cidade e afetam a saúde da população.

Pistas de caminhada e corrida poluídas
Sem áreas verdes na cidade, a professora Ana Carolina também alertou para a necessidade de orientar a população sobre os riscos de realizar exercícios físicos em locais expostos à poluição, como margens de rodovias e ferrovias, além das avenidas de trânsito intenso – a exemplo da Mauro Ribeiro e do ainda poluído canal da Penha.
Para mitigar a falta de arborização, Ana Carolina sugere a criação de corredores verdes e a recuperação de áreas degradadas, com prioridade para bairros periféricos e regiões próximas às minas.
“É preciso pensar a cidade como um organismo vivo, onde cada árvore plantada é um investimento em saúde e qualidade de vida”, afirmou.
Ela também defendeu que a arborização urbana, como está proposta no programa Itabira Mais Verde, lançado pela Prefeitura, seja tratada como política pública permanente, com metas claras, orçamento definido e participação da comunidade.
“Não se trata apenas de plantar mudas, mas de garantir que cresçam, se desenvolvam e cumpram sua função ecológica”, completou.
A gula dos riquinhos destrói tudo.
Obrigada Carlos