Dia Mundial do Orgasmo é celebrado nesta quinta-feira (31), entre a potência vital e o silêncio do prazer, como recomendam Reich e Cooper
Arte: Gustav Klimt/ Wikipedia
Por Lívia Monteiro*
Nesta quinta-feira (31), celebra-se o Dia Mundial do Orgasmo, data criada no fim dos anos 1990 para romper tabus e promover a discussão sobre a sexualidade de forma ampla, consciente e sem pudores.
Em tempos marcados por ansiedade crônica, hiperprodutividade, repressão emocional e conservadorismo em alta, falar sobre orgasmo é mais do que necessário: é político.
O prazer, especialmente o feminino, continua sendo ignorado, dissimulado ou moralmente rebaixado. E é justamente por isso que o orgasmo, esse ápice sensorial e emocional, merece atenção, não só pelos seus benefícios fisiológicos, como a liberação de dopamina, serotonina e ocitocina, mas por sua dimensão libertadora e subversiva – revolucionária.
Reich e a função política do prazer
Wilhelm Reich, psicanalista austríaco dissidente de Freud, foi um dos primeiros pensadores a tratar o orgasmo como uma função biológica essencial à saúde mental.
Em A Função do Orgasmo, ele propõe o conceito de potência orgástica: a capacidade de viver o prazer sexual de forma plena, espontânea e sem bloqueios musculares ou emocionais.
Mas é em Psicologia de Massas do Fascismo que ele se torna ainda mais atual. Para Reich, a repressão da sexualidade, especialmente na infância, produz indivíduos submissos e obedientes, moldando estruturas psíquicas autoritárias e favoráveis a movimentos fascistas.
Segundo Reich, a família atua como um “Estado em miniatura”, condicionando a criança a obedecer e suprimir seu desejo em nome da ordem. A energia sexual, quando reprimida, não desaparece.
Ela é redirecionada para o culto à autoridade, ao nacionalismo, à virilidade militarizada. Isso ajuda a explicar por que movimentos conservadores têm crescido sobre discursos de controle corporal, moralidade e pureza.
Para Wilhelm Reich, “a supressão da sexualidade natural da criança […] produz um indivíduo que se ajusta à ordem autoritária e que se submete a ela, apesar de toda miséria e degradação.”
David Cooper e o orgasmo como revolta existencial
Outro pensador que amplia nossa compreensão do orgasmo como potência social é o psiquiatra David Cooper, figura central do movimento da antipsiquiatria nos anos 1960 e 70.
Em seu provocativo Manifesto do Orgasmo, incluído no livro Gramática da Vida, Cooper vai além da saúde sexual: ele propõe o prazer como uma insurgência contra as estruturas normativas da existência.
Para ele, o orgasmo pleno é muito mais do que um evento fisiológico. É um estilhaçamento da consciência domesticada, uma travessia subjetiva rumo à autenticidade.
Cooper sustenta que vivemos sob uma lógica de adestramento emocional, quando o desejo é patologizado e o prazer é tutelado por instituições que definem o que é normal, aceitável e produtivo.
A psiquiatria tradicional, nesse contexto, age como dispositivo de controle, medicando impulsos e rotulando afetos.
O orgasmo, então, torna-se um ato de desobediência ao regime de racionalidade produtivista: ao permitir que o corpo escape, que o tempo se suspenda e que o controle se dissolva, o sujeito reivindica uma forma de estar no mundo que não se curva à ordem vigente.
“Nada arriscar é obedecer a um imperativo externo, apenas em troca da segurança suicida da tranquilidade pessoal”, escreve Cooper, denunciando o comodismo emocional imposto por sistemas que transformam conforto em prisão.
Para ele, a recusa ao prazer verdadeiro é uma forma de morte simbólica.
Cooper propõe que o orgasmo seja vivido como risco de se conhecer, de perder-se, de confrontar verdades reprimidas.
Nessa perspectiva, o clímax sexual é também um clímax existencial: um ponto de ruptura com a anestesia social, com os papéis automáticos, com o tempo cronometrado. Orgasmar é insurgir contra o mundo técnico, contra a falsa neutralidade científica, contra a redução do corpo ao biológico.
Portanto, diz ele, liberte-se. Não apenas no sentido sexual, mas na dimensão mais profunda do ato de desejar. Deseje fora da norma, fora do mercado, fora das prescrições. Porque, no fundo, o orgasmo é linguagem do caos. E é no caos que mora a chance de criar novos sentidos para viver.
A era da performance e o esvaziamento do prazer
Atualmente, o orgasmo enfrenta novos inimigos: o culto à performance sexual, à estética idealizada, à pornografia desumanizante e à pressa cotidiana. O prazer virou métrica, virou KPI.
Homens e mulheres sentem a pressão de entregar clímax como se fosse entrega de produtividade. Isso, quando, na verdade, o orgasmo exige tempo, entrega, conexão e presença.
A pornografia, em especial, condiciona o cérebro à excitação rápida, visual e desconectada do afeto. Isso gera frustração, insegurança e desconexão corporal. O sexo vira tarefa, e o prazer, um resultado esperado, mas nem sempre vivido.
Prazer é coisa séria e subversiva
Portanto, neste Dia Mundial do Orgasmo, o convite é à desaceleração e ao autoconhecimento.
Conhecer o próprio corpo, abrir espaço para a espontaneidade, comunicar desejos e desconstruir bloqueios são atos de autocuidado e rebeldia. O orgasmo, vivido com autenticidade, pode ser cura, vínculo e libertação.
Wilhelm Reich sintetizou com precisão: “Amor, trabalho e conhecimento são as fontes da nossa vida. Tais também devem governá-la.”
E se o prazer não cabe dentro da lógica conservadora, é porque ele aponta para algo mais profundo: o direito ao corpo, ao ócio criativo, à alegria não produtiva.
Em tempos de repressão disfarçada de moralidade, reconectar-se com o prazer é um ato de resistência revolucionária.
*Lívia Monteiro é terapeuta sexual reichiniana.
Onde encontrar e comprar
A Função do Orgasmo, Wilhelm Reich, Editora Brasiliense. Acesse aqui.
Psicologia de Massa do Fascismo, Wilhekm Reich, Editora Martins Fontes. Acesse aqui.
Gramática da Vida, David Cooper, Editora Presença. Clique aqui.