Moradores do bairro Barreiro voltam a denunciar a poluição do ar pela siderúrgica Atlas
Fotos: Reprodução
Partículas em suspensão e fumaça afetam também as demais indústrias do Distrito Industrial de Itabira
Moradores do bairro Barreiro, em Itabira, próximo do Distrito Industrial, enviaram fotos à redação deste site Vila de Utopia que comprovam, mais uma vez, a alta poluição do ar pela usina de ferro gusa da Siderúrgica Atlas, tornando o ar irrespirável, com agravo das doenças respiratórias entre os moradores e trabalhadores, além da sujeira que impregna roupas nos varais e invade as residências.
A reclamação é recorrente, e nada tem sido feito pela Prefeitura, Ministério Público de Minas Gerais, por meio da Curadoria do Meio Ambiente, para coibir essa situação e exigir medidas eficazes de controle da poluição do ar.
Em julho de 2020 empresários do distrito industrial, onde a usina está instalada desde a década de 1980, encaminharam denúncia ao Núcleo de Denúncias e Requisições do Leste Mineiro (Nuden-LM), divisão da Superintendência de Meio Ambiente, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), relatando a situação, com as consequências da poluição do ar pela usina de ferro gusa no distrito industrial de Itabira.
De acordo com esses empresários, a usina tem poluído o ar com resíduos emitidos pelas chaminés – e também por fuligem do carvão vegetal, utilizado para alimentar os altos-fornos, nos pátios de estocagem.
“A poluição está insuportável e tem prejudicado os nossos negócios e a saúde de todos que aqui trabalham”, relatou um empresário ouvido pela reportagem na condição do anonimato.
A poluição do ar pela usina de ferro gusa chega a ser vista do centro da cidade, distante mais de cinco quilômetros. “As imagens das fotos mostram o alto nível de partículas suspensas em razão da atividade desenvolvida pela empresa, que aparentam não estar de acordo com a legislação”, relatou esse mesmo empresário que diz já ter cansado de enviar denúncias ao Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema).
A secretária municipal de Meio Ambiente, Elaine Mendes, que também preside o Codema, diz que a Prefeitura não tem como agir, por não dispor de dados do monitoramento que confirmam a poluição do ar pela usina, pois pelos parâmetros do automonitoramento realizado pela empresa, os índices estariam de acordo com os admitidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
Estarão de acordo com os parâmetros da resolução do Codema, que é mais restritiva? Não se sabe, possivelmente estão extrapolando.
“A Prefeitura está para adquirir um equipamento móvel para fazer esse monitoramento. Só a partir desses dados, confirmando que a poluição do ar está acima dos parâmetros municipais é que poderemos autuar a empresa”, diz a secretária. Só que essa aquisição vem se arrastando desde 2023, quando o ex-secretário Denes Lott disse que a Prefeitura estava já licitando a compra.
E nesse jogo de empurra, deixa de agir também o Ministério Público de Minas Gerais, por meio da Curadoria de Meio Ambiente, que faz ouvido de mercador e nada faz para apurar as denúncias de poluição do ar pela usina de ferro gusa.

Parâmetros “normais”
Na denúncia encaminhada ao Nuden-Semad-LM, empresários do Distrito Industrial relataram detalhes da poluição. No entanto, mesmo com as evidências demonstradas em fotografias, o órgão ambiental, vinculado à Semad, não viu irregularidades nas atividades da siderúrgica Atlas em Itabira.
“A análise por parte da Supram ocorre com base nos relatórios apresentados por meio dos monitoramentos realizados pelo empreendedor, sendo que os relatórios não evidenciaram irregularidades”, respondeu a assessoria de imprensa do órgão ambiental à reportagem deste site naquela ocasião.
Recorrências
A poluição do ar pela usina de ferro gusa ocorre desde a década de 1980, quando foi inaugurada, ainda sob o comando do grupo Socoimex Mineração. Muitos anos depois a empresa instalou filtros antipoluentes que amenizaram a emissão de particulados (fuligem) no ar. Mas não a eliminaram, como se observa com as denúncias atuais.
A usina é, seguramente, a segunda maior fonte de poluição em Itabira – só perde para a mineração a céu aberto da mineradora Vale, que não dispõe sequer de cortinas verdes entre as minas, ferrovia e a cidade.
Doenças respiratórias

Em decorrência de toda essa situação, a cidade sofre também com a poluição do ar pelas queimadas e incêndios florestais, com as partículas finas das fuligens agravando ainda mais as doenças respiratórias na cidade, principalmente rinite, faringite, bronquite, asma.
A soma desses poluentes torna o ar de Itabira irrespirável, principalmente na estiagem. Mas no bairro Barreiro, a poluição do ar pela usina de ferro gusa ocorre durante todo o ano.
Agrava as doenças respiratórias, provoca permanente sujeira nas residências e nas empresas vizinhas, além de um forte mau cheiro de enxofre que causa muita dor de cabeça, conforme relatam moradores do bairro Barreiro ouvidos pela reportagem deste site.
A consequência é o agravo dessas doenças respiratórias, a exemplo do que ocorre em toda a cidade, principalmente na estiagem, mas que para os moradores vizinhos da usina, as ocorrências são recorrentes em todo o ano – a trégua só é pequena no período de chuvas.
“O meu filho de 10 anos vive acometido com rinite e bronquite. Não raro a professora pede para voltar com ele para casa, por não ter condições de permanecer em sala de aula”, conta a moradora Andreia Almeida, residente no bairro Barreiro. “Trato dele em casa, sem levar ao posto médico. E assim acontece com muita gente aqui no bairro.”
Falta de estudos epidemiológicos
Não existe estudo epidemiológico de doenças respiratórias na região do Barreiro, como não há também na cidade que reflita a realidade atual. O último e único estudo epidemiológico sobre a relação e impacto da poluição do ar por partículas na saúde da população itabirana foi realizado em 2005, pela equipe do professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Porém, esse estudo não foi conclusivo, conforme ressaltou o professor, indicando a necessidade de dar continuidade às pesquisas prospectivas, incluindo o levantamento das doenças cardiorrespiratórias.
Entretanto, a sugestão não foi acatada pela Prefeitura de Itabira – e nem pela Vale, o que significa que a condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 2000, relativa à poluição do ar e sua relação com as doenças respiratórias na cidade, não foi integralmente cumprida – e deve ser cobrada no bojo da renovação da licença ambiental do complexo minerador de Itabira, vencida desde 2016.
A cidade perdeu a oportunidade de cobrar a continuidade desses estudos por ocasião da concessão da anuência para a Vale dar prosseguimento ao licenciamento da ampliação das cavas das minas do Meio e Conceição, além de instalação de duas novas pilhas de estéril/rejeito, o que pode agravar ainda mais a situação da poluição do ar na cidade.
Sem multas
Diferentemente do que ocorre com a Vale, a Siderúrgica Atlas nunca foi autuada pela Prefeitura por poluir o ar no distrito industrial e nos bairros vizinhos, sobretudo no Barreiro. No caso das multas aplicadas à Vale, a empresa recorre – e não paga, num total desrespeito ao órgão ambiental municipal.
Já em relação à siderúrgica Atlas, segundo a secretária Elaine Mendes, a usina não é multada pelo fato de a Prefeitura não dispor de dados, em tempo real, dessa poluição do ar, cujo monitoramento é feito pela própria empresa, como ocorre também com a Vale, que mantém e gerencia a rede automática de monitoramento da qualidade do ar na cidade.
Competências comuns
Além disso, diz não ser competência do município fiscalizar o empreendimento. Mas a Semad, procurada pelo site, responde que é sim, nos termos da Constituição Federal e da Lei 9.605/1998.
“Importante esclarecer que a competência da fiscalização é comum, cabendo aos três entes da federação (União, Estados e Municípios), nos termos da Constituição e da Lei 9.605/1998”.
O órgão ambiental estadual informa que a fiscalização somente ocorre quando há denúncia, mas que acompanha o cumprimento das condicionantes e que quanto à poluição do ar, o monitoramento é feito pela própria empresa, e que as condicionantes para mitigar a poluição do ar estão sendo cumpridas.
Diz ainda que a siderúrgica Atlas está com a licença ambiental em dia, com validade até 26 de outubro de 2027. E que essa licença foi revalidada na 10ª Reunião Ordinária da Câmara Técnica Especializada de Atividades Industriais, realizada no dia 26 de outubro de 2017.
O licenciamento foi concedido à empresa Socoimex Siderurgia, proprietária da usina na época. A atividade desenvolvida está relacionada à “siderurgia e elaboração de produtos siderúrgicos com redução de minérios, inclusive ferro-gusa, classe 5, porte médio e capacidade instalada de 300 toneladas/dia”.
Monitoramento da qualidade do ar é feito pela própria siderúrgica
Apesar da alta poluição, o monitoramento é realizado pela própria empresa e os resultados são informados ao órgão ambiental apenas uma vez por ano.
De acordo com a assessoria de comunicação da Semad, por determinação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), o empreendimento realiza, mensalmente, análises de emissão de material particulado em seis pontos distintos. No entanto, esses dados são apresentados ao órgão ambiental apenas anualmente.
“No que se refere aos resultados da emissão de material particulado, os relatórios de automonitoramento encaminhados ao órgão ambiental após a emissão da licença não evidenciaram irregularidades. Durante o período monitorado, os resultados dos laudos atenderam aos limites da Deliberação Normativa Copam nº 187, de 19/09/2013.”
A Semad informa ainda que, mesmo com esses resultados, “o órgão ambiental estabeleceu ao empreendedor a adoção de medidas complementares para o controle da emissão de particulados durante as atividades, principalmente no período seco, em que ocorre maior desprendimento de partículas nas áreas de carregamento, descarga e pátios de manobra.”
Modo de produção
A indústria do ferro-gusa é uma das etapas mais poluentes na produção de aço, com os altos-fornos emitindo grandes volumes de dióxido de carbono, óxidos de enxofre e outros poluentes atmosféricos.
O uso de carvão vegetal nos altos-fornos agrava ainda mais essa emissão de particulados (fuligem), afetando diretamente a saúde dos moradores vizinhos, conforme relatos de quem vive no bairro Barreiro.
Para produzir uma tonelada de ferro-gusa, são utilizados cerca de 1.700 quilos de minério de ferro, 500 quilos de coque (carvão vegetal) e 140 quilos de óxido de cálcio (CaO) ou óxido de magnésio (MgO).
No alto-forno, o minério de ferro é misturado com o coque e o óxido de cálcio (ou magnésio). Ar quente é então injetado a aproximadamente 1200°C. A reação do oxigênio com o carvão gera monóxido de carbono (CO), que atua como agente redutor. O calor do ar e da combustão funde o minério de ferro.
Nesse processo, o monóxido de carbono reage com o óxido de ferro, formando ferro metálico fundido — o ferro-gusa — além da liberação de outros elementos como carbono, enxofre e manganês.
Por ser uma atividade siderúrgica altamente poluente, é concentrada em países subdesenvolvidos, como o Brasil, um dos maiores produtores mundiais de ferro-gusa. Assim, o primeiro mundo consome o produto semielaborado (gusa e pelotas) para fabricar aço, sem arcar com os impactos ambientais desse processo.

Daí a importância de um controle ambiental rigoroso em todo o ciclo produtivo, com medidas de mitigação para reduzir os danos causados por essa atividade industrial.
Siderúrgica Atlas diz cumprir a legislação e investe no controle de poluentes
Em nota enviada a este site, em abril de 2024, a Siderúrgica Atlas garante que realiza controle contínuo da poluição e que “a empresa está sempre buscando implementar melhorias, dentro das possibilidades”.
Afirma estar “em total conformidade com os órgãos fiscalizadores, dentro dos limites estabelecidos pela legislação, realizando mensalmente seus monitoramentos por empresa especializada/terceirizada”.
Segundo a empresa, várias ações foram adotadas desde o início das operações para mitigar as emissões, como asfaltamento das vias internas, plantio anual de mudas de eucalipto e capim-elefante/capiaçu para reforçar o cinturão verde, enclausuramento de diversas áreas do processo, umectação de superfícies expostas, monitoramento mensal da qualidade do ar e realização de visitas periódicas.
“A Usina Siderúrgica Atlas tem consciência do nível de classificação da sua atividade e, por isso, sempre busca mitigar os problemas. Além disso, tem plena convicção de que está em regularidade perante a Supram”, finaliza o comunicado, assinado pelo gerente de relações institucionais da empresa, Fernando Santos.