Mineração volta ao novo marco ambiental e reacende alerta sobre retrocessos e impactos em Itabira e Gandarela

Foto: Acervo Vila de Utopia

Carlos Cruz

O que parecia ser uma vitória ambiental revelou-se uma ilusão. A mineração de grande porte foi reintegrada ao Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, o PL da Devastação, após o relator da matéria na Câmara dos Deputados, Zé Vitor (PL-MG), apresentar novo parecer na noite de segunda-feira (14), acatando a emenda nº 1 do Senado. A proposta simplifica o licenciamento de empreendimentos minerários de alto risco, incluindo-os nas novas modalidades previstas pelo projeto.

A mudança representa, segundo ambientalistas, um grave retrocesso. Ao flexibilizar exigências técnicas, o novo texto abre caminho para a aprovação de projetos como o Apolo, da Vale, que ameaça a biodiversidade da Serra do Gandarela e compromete a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

O cenário remete ao que já ocorreu em Itabira, quando desde 1942, as principais outorgas de águas superficiais e subterrâneas ficaram sob controle da mineração, mantendo a cidade por décadas convivendo com escassez hídrica.

Só agora, com mais de 25 anos de atraso, a Vale cumpre condicionante da LOC 2000, ao se ver obrigada a arcar com os custos de captação e transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Minas Gerais.

Licença vencida e passivos ignorados em Itabira
A imponente Serra do Esmeril, em Itabira, que nos anos 1940 dominava a paisagem com sua vegetação natural, foi devastada pela atividade mineradora da Vale a partir da década de 1980, sem que fossem aplicadas as compensações ambientais e sociais (Foto: Acervo IBGE)

Enquanto o Congresso acelera a tramitação do chamado “PL da devastação”, a Vale segue operando em Itabira com a licença ambiental do seu complexo minerador vencida desde 16 de outubro de 2016. O pedido de renovação foi protocolado em março de 2017, mas até hoje não foi concluído pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG).

Para se manter em dia as suas operações no complexo minerador de Itabira, a empresa se ampara em prorrogação jurídica prevista no Decreto Estadual nº 47.474/2018, enquanto acumula passivos ambientais históricos, como o desmatamento total da Serra do Esmeril nos anos 1980, episódios recorrentes de poluição do ar e remoções de moradores em áreas de risco, devido à incômoda e ameaçadora presença de barragens.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itabira e lideranças locais cobram maior transparência e a realização de audiência pública antes da renovação da licença ambiental, o que até agora é negada pela Semad, sob o argumento de que se trata de empreendimento anterior à legislação ambiental vigente.

Ou seja, se a cidade já foi profundamente impactada pela mineração em tempos de ausência de legislação e fiscalização, que continue arcando com as consequências, sem que se tenham as reparações devidas. A realização de uma audiência pública é fundamental para debater esses passivos e discutir formas de reparação imediata.

Mas, com a aprovação do “PL da devastação”, tudo isso pode ficar para as calendas gregas.

Projeto Apolo: ameaça à água, à biodiversidade e à memória
A mineradora Vale Vale busca permissão ambiental para minerar às margens do Parque da Serra do Gandarela (Foto: ICMBio/Divulgação)

O projeto Apolo, da Vale, prevê uma cava de sete quilômetros de extensão e 200 metros de profundidade na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela. Especialistas alertam para a possíovel destruição de aquíferos subterrâneos que abastecem os rios das Velhas e Piracicaba, além de impactos irreversíveis à vegetação nativa, cavernas, sítios arqueológicos e comunidades vulneráveis como Morro Vermelho.

A proposta, travada há 15 anos, foi retomada pelo governo de Minas e pode ser acelerada com a aprovação do novo marco legal. A mobilização popular contra o projeto inclui abaixo-assinados, ações judiciais e manifestações públicas — como as audiências anuladas por decisão judicial, por falta de consulta ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A poesia como resistência de Drummond ecoa no plenário da Câmara Federal

Em gesto simbólico de resistência, a deputada Duda Salabert (PDT-MG) recitou o poema O Maior Trem do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade, durante sessão da Comissão de Segurança Pública da Câmara, como forma de obstrução à votação do projeto.

Publicado originalmente em 1984 no jornal O Cometa Itabirano, o poema denuncia a voracidade da mineração que leva embora as riquezas de Minas sem retorno.

“Leva meu tempo, minha infância, minha vida”, declamou Duda, evocando o trem que serpenteia as montanhas de Itabira, carregando minério de ferro — e deixando para trás paisagens devastadas, como a da Serra do Esmeril, e comunidades ameaçadas por barragens, poeira e abandono.

A parlamentar também protocolou mais de cem requerimentos para tentar barrar a votação, que deve ocorrer ainda esta semana. A ação foi chamada por colegas de bancada de “a obstrução mais poética da história do Poder Legislativo”.

Assista à declamação do poema, na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), na página oficial da deputada Duda Salabert no Instagram: @dudasalabert

Leia:

O Maior trem do mundo

Carlos Drummond de Andrade

O maior trem do mundo
leva minha terra
para a Alemanha
leva minha terra
para o Canadá
leva minha terra
para o Japão.

O maior trem do mundo
puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
engatadas geminadas desembestadas
leva meu tempo, minha infância, minha vida
triturada em 163 vagões de minério e destruição.

O maior trem do mundo
transporta a coisa mínima do mundo,
meu coração itabirano.

Lá vai o trem maior do mundo
vai serpenteando, vai sumindo
e um dia, eu sei, não voltará
pois nem terra nem coração existem mais.

O maior trem do mundo ainda leva minério de ferro de Itabira para diversos países (Foto: Carlos Cruz)

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