Marco Legal do Saneamento básico tem avanços, mas com metas distantes e obrigação pública negligenciada
Foto: Carlos Cruz
Nesta terça-feira (15), o Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020) completa cinco anos em vigor, acumulando avanços pontuais na estrutura do setor, porém ainda distante de atingir os objetivos ambiciosos de universalização até 2033.
A legislação estabelece metas de 99% de cobertura com água potável e 90% com tratamento de esgoto, mas o ritmo atual não garante que elas sejam cumpridas dentro do prazo.
Levantamento da Associação das Operadoras Privadas de Saneamento (Abcon Sindcon) aponta que 3.814 municípios (68,5%) já têm contratos que preveem a universalização dos serviços. O número de cidades com Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) subiu 60,3% entre 2019 e 2023, passando de 2.393 para 3.836.
O abastecimento entre famílias de baixa renda também cresceu acima da média: o aumento entre domicílios com renda per capita de até meio salário-mínimo foi de 2,3 pontos percentuais, cinco vezes superior à média nacional (0,41). O número de famílias beneficiadas pela tarifa social subiu 60,1%, chegando a mais de 4,12 milhões de residências.
Dados contradizem otimismo com metas
Apesar dos números positivos, estudos independentes como o do Centro de Liderança Pública (CLP) indicam que, sem mudanças significativas na condução dos investimentos e na gestão pública, o país só alcançaria as metas em 2070.
Em 2023, 32 milhões de brasileiros ainda estavam sem acesso à água potável, e mais de 90 milhões viviam sem coleta de esgoto – uma realidade que contrasta com a narrativa oficial.
As disparidades regionais permanecem, especialmente no Norte e Nordeste, onde parte dos municípios sequer possuem PMSB ou estrutura técnica para viabilizar os investimentos necessários.
Participação privada cresce, mas não é solução universal
A presença de operadoras privadas saltou de 6% para 32,2% dos municípios desde 2019. Embora o setor tenha impulsionado investimentos em determinadas regiões, há críticas quanto à concentração dos projetos em áreas mais rentáveis, deixando localidades menos atraentes economicamente sem cobertura adequada.
O Decreto nº 11.598/2023, que flexibilizou exigências de capacidade econômico-financeira das empresas prestadoras, também acendeu alertas sobre o risco de contratos precários e baixa fiscalização.
Gestão pública segue como obrigação, não alternativa
Ao contrário do que algumas narrativas sugerem, o papel das prefeituras não é apenas complementar: é constitucionalmente obrigatório. A formulação de políticas locais, a definição de projetos e a articulação para obter recursos são responsabilidades indelegáveis.
Hoje, os municípios contam com diversas fontes de apoio, a exemplo de programas federais como o PAC Saneamento, via Ministério das Cidades, além de fundos estaduais como o FESA (MG), linhas de crédito da Caixa Econômica Federal (CEF), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e bancos regionais
Algumas prefeituras participam de consórcios intermunicipais para viabilizar projetos de saneamento básico, além de convênios intergovernamentais.
Universalizar o saneamento exige mais que contratos
Cinco anos depois do início da nova legislação, o país dá sinais de mobilização, mas não de transformação estrutural. A dependência excessiva do setor privado e a fragilidade de muitas administrações locais tornam incerto o cumprimento das metas.
Universalizar o saneamento básico no Brasil exige planejamento público consistente, fiscalização rigorosa, prioridade política e, sobretudo, compromisso com os direitos sociais. A lei existe, mas sua plena implementação ainda é um desafio