Ministério Público Federal recomenda fim de homenagens a ditadores e Itabira pode rever nomes de ruas

No bairro Machado, o encontro de dois ditadores do regime militar, Castelo Branco e Costa e Silva, que presidiram o país em um período sombrio da história brasileira

Fotos: Carlos Cruz

Proposta de revisão de logradouros públicos visa também a valorização da identidade local

O Ministério Público Federal (MPF) está recomendando às prefeituras de todo o país que retirem de ruas, praças, escolas e avenidas os nomes de figuras historicamente associadas à ditadura militar brasileira (1964–1985). A medida faz parte da chamada Justiça de Transição, voltada à reparação simbólica, preservação da memória histórica e prevenção de violações de direitos humanos e retornos autoritários.

A recomendação surgiu inicialmente no Rio Grande do Sul, onde o MPF pediu à Secretaria Estadual de Educação a criação de comissões técnicas para avaliar a renomeação de três escolas estaduais que homenageiam ex-ditadores militares nas cidades de Frederico Westphalen, Casca e Áurea.

Em seguida, o pedido foi estendido a logradouros públicos em todo o território nacional, com base no relatório final da Comissão Nacional da Verdade e no Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que orientam contra a perpetuação de homenagens a agentes da repressão.

Segundo o MPF, manter em espaços públicos nomes de figuras reconhecidamente ligadas a graves violações de direitos humanos fere o ordenamento jurídico brasileiro e compromissos internacionais assumidos pelo país.

Mesmo que a ação parta de entes locais, é a União que responde no plano internacional caso haja descumprimento. Por isso, as autoridades citadas têm prazo de 30 dias para informar se acatarão a recomendação ou apresentar justificativas em caso de recusa.

Itabira tem três ruas que homenageiam ditadores
Na Vila Santa Rosa localiza-se a rua Presidente Costa e Silva, o ditador responsável pelo periodo mais repressivo do regime militar, com a promulgação do AI-5

Em Itabira, Minas Gerais, ao menos três ruas se enquadram diretamente na recomendação do MPF por homenagearem ex-ditadores que governaram o Brasil sob um regime autoritário, marcado pela truculência, censura, perseguições políticas e repressão institucionalizada.

Na Vila Santa Rosa, encontra-se a rua Presidente Costa e Silva, nome também presente no bairro Machado, fazendo esquina com a rua Castelo Branco. Ambas remetem a figuras centrais da ditadura militar.

Artur da Costa e Silva, presidente entre 1967 e 1969, foi o responsável pela promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que autorizou o fechamento do Congresso Nacional, suspendeu garantias constitucionais, institucionalizou a censura e abriu caminho para a tortura e os desaparecimentos políticos. Seu governo é historicamente reconhecido como o mais repressivo da ditadura militar.

No bairro Machado, a homenagem a ditadores acontece em dose dupla, promovida na administração do ex-prefeito Padre Joaquim Santa de Castro (1971–72), único chefe do Executivo municipal eleito em Itabira pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido criado para dar sustentação ao regime militar.

Após esse curto mandato, Itabira passou a ser governada por representantes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), único partido de oposição consentida pelo regime militar, utilizado para controlar os desafetos políticos. A partir daí, as homenagens a ditadores cessaram na cidade de Drummond.

O marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, líder do golpe de 1º de abril de 1964, governou o país sob o jugo da repressão entre 1964 e 1967. Consolidou o regime militar com o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que extinguiu os partidos políticos e impôs eleições indiretas para governador e presidente da República.

Seu governo cassou centenas de mandatos, suspendeu direitos civis e aprovou leis que cercearam a liberdade de imprensa e expressão, dando início ao regime político mais truculento na história do país.

Praça Getúlio Vargas vira Largo do Batistinha
Largo do Batistinha é exemplo de reparação histórica em Itabira: espaço que antes homenageava Getúlio Vargas resgata agora uma figura popular e histórica da cidade (Foto: Ascom/PMI)

Até a administração do petista Jackson Tavares (1997-2000), existia em Itabira a praça Getúlio Vargas, embora poucos soubessem que essa era a denominação oficial. O espaço público histórico passou a ser popularmente conhecido como Largo do Batistinha, nome usado inicialmente pelo professor Arp Procópio nas páginas de O Cometa e posteriormente oficializado pela prefeitura.

Getúlio Vargas governou o país como ditador durante o Estado Novo (1937–45). À semelhança dos generais pós-64, impôs censura aos veículos de comunicação e promoveu perseguições políticas.

Um dos episódios mais marcantes de sua gestão foi a deportação da militante comunista e judia Olga Benário Prestes, esposa do líder comunista Luís Carlos Prestes, grávida de sete meses, para a Alemanha nazista, onde foi assassinada em 1942 em uma câmara de gás no campo de extermínio de Bernburg.

Resgate da memória local e reparação histórica

É assim que, consoante à recomendação do MPF, Itabira deve revogar as leis que nomearam essas ruas com nomes de ditadores, renomeando-as com personagens dos próprios bairros, valorizando a memória e a história local. Foi o que já ocorreu com o Largo do Batistinha, figura popular, divertida e filosófica do cotidiano itabirano, cuja presença afetiva permanece viva entre os moradores.

Que assim se repita nessas ruas, por iniciativa dos vereadores e também do prefeito Marco Antônio Lage (PSB), dando a esses espaços os nomes de moradores históricos, educadores, artistas e líderes comunitários que tenham contribuído para o desenvolvimento dos bairros e da cidade.

Reparação histórica e pedagógica

A troca de nomenclatura dos logradouros é um gesto de reparação histórica e pedagógica, que fortalece os laços identitários da comunidade e humaniza os espaços públicos.

É, enfim, um passo necessário para a consolidação da democracia brasileira, ainda ameaçada por forças políticas retrógradas e conservadoras que desejam o retorno a um período sombrio da história nacional.

Além disso, manter homenagens a ditadores em espaços públicos perpetua o apagamento das vítimas da repressão e fere compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A renomeação desses logradouros é uma forma de promover memória, justiça e cidadania.

Ao substituir nomes de ditadores por figuras democráticas ou personagens locais, Itabira transforma seus espaços urbanos em territórios simbólicos de memória e reparação, reafirmando seu lugar como cidade da poesia, da cultura e do pensamento crítico.

 

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