Mineração fica fora do novo marco ambiental e licenciamento da Vale em Itabira segue sem renovação desde 2016
O projeto Apolo, da Vale, está localizado entre os municípios de Caeté e Santa Bárbara, em local denominado Fazenda Serra Maquiné
Foto: Reprodução/ Vale/Projeto Apolo
Carlos Cruz*
O setor de mineração de grande porte foi novamente excluído do novo marco legal do licenciamento ambiental brasileiro. A decisão partiu do deputado Zé Vitor (PL-MG), relator do Projeto de Lei nº 2.159/2021, que tramita na Câmara dos Deputados.
O projeto propõe flexibilizar as regras para concessão de licenças ambientais no país. Com a exclusão, o texto retoma a versão original aprovada pela Câmara, desconsiderando as mudanças feitas pelo Senado, que incluíam o setor minerário entre os beneficiados pelas novas modalidades de licenciamento. Com isso, regras anteriores permanecem válidas para o licenciamento ambiental.
Na prática, isso significa que empreendimentos como os da Vale continuam submetidos à legislação já existentes e às normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Ficam, portanto, de fora da possibilidade de licenciamento simplificado por meio da Licença Ambiental Especial (LAE) e da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que são novos instrumentos propostos para agilizar o processo para atividades consideradas estratégicas ou de baixo impacto ambiental, o que, nesse caso, definitivamente não se enquadra a mineração.
Ambientalistas comemoram a exclusão da mineração do novo marco legal do licenciamento ambiental. Isso, por entenderem que deve ser preservado um rigor técnico necessário diante dos riscos inerentes ao setor, vide os crimes ambientais ocorridos em Mariana e Brumadinho, com estruturas licenciadas e que apresentavam relatórios de conformidade.
Pouco menos de dois meses depois de ser aprovado no Senado, deve ir à votação final na semana que vem no plenário da Câmara, antes de o legislativo entrar em recesso. O projeto institui uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental, apelidado de “PL da Devastação” e “Mãe de Todas as Boiadas” por ambientalistas.
Projeto Apolo continua sob análise do Copam-MG

Essa definição afeta diretamente o controverso projeto Apolo, da Vale, previsto para ser implantado nos arredores da Serra do Gandarela, entre os municípios de Caeté e Santa Bárbara. O projeto continua sob análise do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam-MG), responsável pelo licenciamento ambiental no estado.
Localizado na zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela, o empreendimento é alvo de críticas por seus potenciais impactos sobre aquíferos estratégicos que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte, como também na qualidade do ar, nas áreas de preservação ambiental e na saúde das comunidades próximas
Especialistas alertam para riscos à biodiversidade, ao turismo ecológico e às comunidades locais, como Morro Vermelho, que enfrentam vulnerabilidades sociais agravadas pela atividade minerária. A cava prevista de sete quilômetros de extensão é apontada como ameaça a ecossistemas subterrâneos e ao equilíbrio hídrico da região.
Licença ambiental da Vale em Itabira segue sem renovação

A exclusão da mineração de grande porte do novo marco legal do licenciamento ambiental reacende também o debate sobre a situação do Complexo Minerador de Itabira, onde a Vale opera com a licença ambiental vencida desde 16 de outubro de 2016.
Apesar de a empresa ter solicitado a revalidação em março de 2017, o processo segue sem conclusão por parte da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG), enquanto as atividades continuam amparadas por prorrogação jurídica prevista no Decreto Estadual nº 47.474/2018.
A renovação definitiva da licença é considerada essencial para a continuidade das operações, especialmente diante dos impactos acumulados ao longo de mais de 83 anos de mineração ininterrupta e em larga escala em Itabira.
Entre esses impactos, destaca-se a total descaracterização paisagística da Serra do Esmeril, que foi devastada pela atividade minerária sem que houvesse medidas eficazes de recuperação ambiental, além da destruição de nascentes.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itabira cobra maior transparência no processo de renovação da licença ambiental. Isso enquanto setores da sociedade itabirana reivindicam a necessidade de realização de audiência pública antes da renovação.
A renovação desse licenciamento deve ocorrer para que a atividade seja ambientalmente responsável e sustentável, em conformidade com a legislação vigente, inclusive a municipal, que estabelece parâmetros mais rígidos para a qualidade do ar em comparação com a última resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), mais flexível nesse aspecto.
Por sua vez, a Semad-MG alega que o processo de renovação é tecnicamente complexo e envolve análise aprofundada, além da eventual definição de novas condicionantes.
No entanto, mesmo diante da complexidade e dos impactos decorrentes da atividade em minas bem próximas da cidade, o órgão estadual nega, até aqui, a realização de uma audiência pública antes de renovar o licenciamento ambiental do complexo.
A justificativa é de que se trata de atividade anterior à legislação ambiental, como se isso não fosse, na verdade, um motivo adicional para se debater com a sociedade itabirana essa situação. Inclusive, para que seja cobrado o não cumprimento de diversas condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 18 de maio de 2000.
Segundo o órgão estadual, a audiência pública só está prevista para novos empreendimentos. Entretanto, ela deveria ser realizada também em casos como de Itabira, de empreendimentos antigos, justamente pelos impactos já sofridos historicamente pelos moradores. São impactos que ainda não foram mitigados, tampouco devidamente compensados pelas perdas incomparáveis.
Disputa no Congresso está entre preservação e agilidade
Enquanto isso, o projeto de lei segue em meio a disputas acirradas no Congresso Nacional. Ambientalistas denunciam o risco de retrocessos na legislação ambiental brasileira, especialmente diante da flexibilização de regras para licenciamento por autodeclaração e da dispensa de licenças para determinadas atividades agropecuárias e obras emergenciais.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também manifestou preocupação com a possibilidade de enfraquecimento dos mecanismos de controle ambiental e da autonomia técnica dos órgãos reguladores.
O impasse em torno do novo marco legal do licenciamento ambiental evidencia a profunda polarização entre as pressões por desenvolvimento econômico e a necessidade urgente de proteger o meio ambiente.
Com a exclusão da mineração, o setor permanece sujeito a regras mais rígidas, o que ajuda a evitar flexibilizações potencialmente perigosas para áreas ambientalmente sensíveis – e que precisam ser monitoradas de forma rigorosa pelas comunidades impactadas, a fim de garantir que as atividades minerárias sejam conduzidas com o menor impacto socioambiental possível.
*Com informações do portal Notícias de Mineração Brasil, Folha de S.Paulo, Agência Câmara de Notícias, Manuelzão/UFMG, Vila de Utopia e Observatório do Clima.