Itabira celebra 51 anos de seu Festival de Inverno, em noite marcada por memória, identidade e resistência cultural
Fotos: Carlos Cruz
Homenagem aos 40 anos da Fundação Cultural marca abertura do festival, iniciado em 1974
Na noite dessa sexta-feira (4), o teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA) foi palco da abertura oficial do 51º Festival de Inverno de Itabira. Com o tema Ser Cultural, o evento marcou um momento de reflexão sobre o papel da cultura na formação da identidade itabirana, marcada pela poesia, criatividade e transformação constante.
Neste sábado (5), no segundo dia da programação, a principal atração será a banda pernambucana Nação Zumbi, conhecida por sua fusão energética de maracatu e manguebeat.
Apesar de ter uma programação mais enxuta em comparação aos anos anteriores, reflexo do contingenciamento de despesas diante da queda na arrecadação da Prefeitura, o festival mantém a diversidade de ações culturais. Isso mesmo contando com um teto orçamentário de R$ 1,7 milhão, enquanto no ano passado o investimento cultural no Festival de Inverno foi de R$ 3,5 milhões, uma queda de mais de 48%.
Além de shows musicais, que acontecem acertadamente em sua maioria na Concha Acústica Norberto Martins, no Pico do Amor, bairro Campestre, oficinas de artes cênicas, teatro infantil, intervenções urbanas e uma agenda musical com músicos itabiranos e atrações de fora prometem esquentar o inverno cultural itabirano.

Uma noite de reverência à trajetória da Fundação Cultural
A abertura do festival contou com apresentações dos Drummonzinhos, do Quinteto de Cordas da Escola Livre de Música, do Coral e do grupo parafolclórico Tumbaitá, do documentário Ser Cultural, encerrando a noite com o show Djazzvan celebrando os 40 anos da FCCDA.
A abertura do festival contou com apresentações dos Drummonzinhos, do Quinteto de Cordas da Escola Livre de Música, Coral e o grupo parafolclórico Tumbaitá, além da exibição do documentário Ser Cultural. A programação da noite se encerrou com o show da banda Djazzvan, celebrando os 40 anos da FCCDA.
O prefeito Marco Antônio Lage (PSB) fez um pronunciamento repleto de referências históricas e de afirmação política. “Itabira já atravessou outras crises e não parou de promover o festival. Neste ano mesmo, estamos em contingenciamento, mas nem por isso suspendemos a sua realização”, enfatizou.
O chefe do Executivo municipal fez questão de destacar os prefeitos que investiram na cultura e ajudaram a criar os pilares da Fundação. “O festival nasceu em 1974, com o então prefeito Virgílio Gazire, provocado pela chefe do departamento cultural Myriam de Souza Brandão. Depois, em 1982, o prefeito Jairo Magalhães construiu o Centro Cultural, e em 1985, José Maurício Silva criou a Fundação Cultural.”
Marco Antônio lembrou que todos esses gestores foram criticados pelas oposições por investirem em cultura, quando diziam que o importante era abrir avenidas para a expansão urbana desordenada. “Achavam, como agora ainda acham, que gastar com cultura era uma festa do desperdício.”
O prefeito também ressaltou o papel fundamental do jornal O Cometa Itabirano, que fez campanha pela construção do Centro Cultural junto ao então prefeito Jairo Magalhães.
“Foi o jornal que trouxe Drummond de volta para Itabira, assim podemos dizer”, afirmou o prefeito reconhecendo a importância do periódico itabirano, nascido em 1979, como tendo papel importante para toda essa efervescência cultural que foi tomando conta da cidade, como palco de resistência à ditadura militar e pela redemocratização do país.

Essa participação de O Cometa ocorreu também quando o seu ex-diretor Lelinho Assuero, juntamente com artistas itabiranos da música, das artes plásticas e do teatro, fizeram gestão direta junto ao ex-prefeito, em uma reunião, em 1980, em seu gabinete, que funcionava onde hoje é o Museu de Itabira. Foi quando encaminharam a reivindicação da construção de um teatro espaçoso para a cidade de Drummond.
“Assim que apresentamos a nossa reivindicação de um novo teatro, já que o teatrinho das irmãs do colégio ficou pequeno para as nossas apresentações, doutor Jairo nos surpreendeu abrindo sobre a mesa a planta completa do nosso futuro centro cultural”, recorda Marisa Primo, que participava de toda essa movimentação e ativismo cultural que tomou conta da cidade na época em diversas frentes, inclusive levando cinema aos bairros com o Cineclube Lima Barreto.
E assim o projeto do Centro Cultural, onde hoje se tem um teatro considerado um dos melhores do interior de Minas Gerais, além da biblioteca, foi concretizado dois anos depois.
Concurso público
Ainda em seu pronunciamento, Marco Antônio Lage anunciou a reformulação administrativa da Fundação, acompanhada da realização de um concurso público ainda neste ano.
“Hoje temos apenas seis ou sete servidores efetivos. É essencial fazer esse concurso porque investimento em cultura tem que ser permanente. Quem vai garantir a continuidade serão os servidores efetivos.”
Vozes femininas da cultura itabirana

A abertura do festival foi também marcada por pronunciamentos da Superintendente da FCCDA, Vanessa Faria, da primeira-dama Raquell Guimarães, embaixadora dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em Minas Gerais (ODS-MG) – um conjunto de 17 metas globais estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) como parte da Agenda 2030, finalizando com a vereadora Dulce Citi Oliveira (PDT).
Vanessa enfatizou o reconhecimento aos funcionários da Fundação. “Tudo isso só é possível porque, por trás de cada ação, cada show, tem pessoas, tem mãos”, disse ela, destacando ainda que os corpos estáveis da instituição passam por reestruturação e novas montagens, como os Drummonzinhos com atuação mais cênica.
Ela também celebrou os 40 anos da Fundação com palavras emocionadas, ressaltando que “se hoje celebramos os 40 anos da Fundação é porque artistas e fazedores da cultura itabirana lutaram para que ela estivesse de pé e para que continue de pé”, disse ela, homenageando todos que vivem e acreditam na cultura. “A cultura é um direito de todo cidadão. A cultura tem que estar nas nossas casas todos os dias”.
A superintendente ainda pediu aplausos especiais do público para os servidores da Fundação. “Atrás de cada espetáculo pronto, há alguém que cuidou para que ele acontecesse, que correu atrás de camarim, que deu aula, ligou para o pai do aluno, para o menino ir estudar. É uma cadeia muito grande, são muitas e muitas pessoas envolvidas.”

Raquell Guimarães trouxe à tona a importância da economia criativa como parte vital da cultura itabirana. Em seu discurso, ela destacou com entusiasmo o trabalho da artesã Grace Kelly, que lhe presenteou com uma peça singular: um Carlos Drummond de crochê, feito à mão. “Isso é arte, isso é cultura, isso é economia criativa. É o que esta cidade tem para mostrar a quem vier conhecer nosso festival, nossas cachoeiras e a grande poesia desse gênio chamado Carlos Drummond de Andrade.”
Ela também reforçou a maturidade institucional da Fundação Cultural, ao completar quatro décadas de existência. “Sempre que falamos em 40 anos, falamos de maturidade, seja na vida de uma pessoa ou de uma instituição. A Fundação demonstra não só sua maturidade, mas também sua resistência e permanência.”
Raquell lembrou que toda a cadeia produtiva da cultura depende de muitas mãos que atuam nos bastidores, desde a concepção de ideias, contratações e montagem de espetáculos até a logística de produção e acolhimento dos artistas e do público. “Há uma indústria que orbita a cultura e, que é muito importante, chamada economia criativa. É com ela que Itabira pode se posicionar como uma potência cultural.”

Já Dulce Citi destacou com orgulho a presença marcante das mulheres na gestão pública, em especial na condução da política cultural de Itabira. “Não posso deixar de falar na quantidade de mulheres secretárias que temos no governo municipal. Uma gestão que valoriza as mulheres, e os homens também, acredito que seja 50%, mas que faz a diferença por reconhecer a força feminina nas decisões públicas.”
Ela também salientou o papel institucional da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrad. “É um exemplo de patrimônio da cidade, e nós temos que valorizar.”
Em seu pronunciamento, a vereadora também fez questão de exaltar o trabalho dos bastidores que sustentam cada evento realizado pela Fundação: “Jamais podemos deixar de homenagear os que trabalham para tudo sair perfeito e sempre sai.” Segundo ela, são essas pessoas que dão sentido à permanência de um festival que ultrapassa meio século de existência.
Desde a sua instituição, em 1985, assumiram a superintendência da FCCDA Cacá Amoroso, Maria do Rosário Rosa, Márcio Sampaio, Ana Cristina Coutinho, Solange Bethônico, Glória Menezes, Cléber Camargo, Marília Ramos, Marcone Drummond, Sônia Cristina “Kiki Magalhães Alves, Marta Mouzinho, Marcos Alcântara e Vanessa Faria.
Como se observa, majoritariamente as mulheres foram as gestoras da política cultural, sem se esquecer de Myriam de Souza Brandão, que não chegou a ser superintendente, mas é a eterna “dama da cultura itabirana”.
Documentário resgata a história da FCCDA e do Festival de Inverno

Como parte da abertura do festival, foi apresentado o documentário Ser Cultural com depoimentos de ex-superintendentes, assessores e colaboradores que construíram os 40 anos da FCCDA. As entrevistas estarão disponíveis na íntegra no canal da Fundação Cultural no YouTube, como forma de valorizar a memória cultural da cidade.
O documentário resgata também uma gravação especial da ex-superintendente Myriam de Souza Brandão, já falecida. “Não existiria a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade se não fosse o Festival de Inverno. Ele nasceu em tempos de ditadura e é fruto de resistência cultural.”
O 51º Festival de Inverno, com sua história ininterrupta desde 1974, reafirma a vocação de Itabira como cidade da poesia, da resistência e da criação coletiva.
Uma cidade onde a arte continua sendo escrita todos os dias – e assim permanecerá, para se fazer frente e impedir que aconteça a “derrota incomparável” que virá se a cidade cruzar os braços e deixar a vida passa devagar.