Fuligem das queimadas, poeira do minério e fumaça da usina de gusa: um coquetel tóxico que deteriora a qualidade de vida em Itabira
No destaque, poluição da usina de ferro-gusa no Distrito Industrial segue sem fiscalização e medidas eficazes de controle
Fotos: Carlos Cruz/ Reprodução
Poluição por PM2,5 e seus impactos na cidade acende o sinal de alerta urgente à saúde pública
A exposição prolongada ao material particulado fino (PM2,5), especialmente proveniente de queimadas, é um fator de risco significativo para doenças cardiovasculares, como a insuficiência cardíaca (IC).
Um estudo publicado no Journal of the American College of Cardiology, e reproduzido pelo portal Ecodebate, revelou que um aumento de apenas 1 µg/m³ na concentração de PM2,5 oriundo de fumaça de incêndios florestais eleva em 1,4% o risco de IC, afetando principalmente idosos e mulheres.
Embora o estudo tenha sido conduzido nos Estados Unidos, seus achados ecoam de forma alarmante em Itabira (MG), onde a população convive com múltiplas fontes de poluição atmosférica: queimadas urbanas, incêndios florestais, poeira de minério em suspensão e emissões da usina de ferro-gusa, situada no Distrito Industrial, afetando principalmente moradores da região do Barreiro.
Queimadas urbanas
Em Itabira, as queimadas não se restringem à zona rural. Lotes vagos, margens de estradas e até áreas da mineradora Vale são frequentemente incendiados, muitas vezes sob o pretexto de “limpeza” do terreno. Essa prática arcaica, além de empobrecer o solo, libera fuligem e compostos tóxicos que agravam doenças respiratórias e cardiovasculares.
A fumaça das queimadas se mistura à poeira do minério, tornando o ar praticamente irrespirável durante a estiagem. A professora Ana Carolina Vasques, da Unifei, alerta que essa combinação de poluentes sobrecarrega o sistema de saúde local e exige ações urgentes de fiscalização e punição aos responsáveis.

Poeira de minério
A mineração em Itabira é uma das principais fontes de poluição do ar, juntamente com as queimadas e fuligens do ferro-gusa.
Durante os meses secos, os ventos fortes espalham partículas finas de minério por toda a cidade, não raro com episódios críticos, ultrapassando os limites legais e resultando em multas milionárias.
Apesar das promessas de controle, como umectação de vias e uso de polímeros, os episódios críticos continuam recorrentes.
A população itabirana sofre mais nesse período crítico com asma, bronquite, rinite e outras doenças respiratórias, que são agravadas também pela falta de arborização urbana. Segundo o IBGE, Itabira é uma das cidades menos arborizadas do país, mesmo tendo as maiores minas urbanas (que, para a Vale, são rurais, para não pagar IPTU) tão próximas da cidade.
Poluição da usina de ferro-gusa é outra poluição recorrente
A Siderúrgica Atlas, localizada no Distrito Industrial, é outra fonte significativa de poluição. A emissão de fumaça e partículas provenientes da queima de carvão vegetal afeta diretamente os trabalhadores da região e os moradores do bairro Barreiro, que relatam casos frequentes de rinite, bronquite e dores de cabeça causadas pelo forte odor de enxofre.
A ausência de monitoramento público da qualidade do ar na região impede a aplicação de multas – já que os dados são fornecidos pela própria empresa, sendo “fiscalizada” apenas pelos órgãos ambientais estaduais.
A Prefeitura promete instalar uma estação móvel de medição, mas enquanto isso, a população continua exposta, assim como ficam também os que trabalham no Distrito Industrial.

Providências urgentes
Diante desse cenário, é urgente reforçar a fiscalização ambiental, com aplicação efetiva de multas e responsabilização criminal dos infratores;
Além disso, deve-se ampliar o monitoramento da qualidade do ar, com dados públicos e em tempo real, que possam até mesmo confrontar com os dados fornecidos pela empresa Vale.
Além da campanha em curso, pela rede social e em escolas municipais, é preciso investir em campanhas educativas contra queimadas e práticas agrícolas arcaicas, com mais visibilidade, inclusive por meio de outdoors e busdoors, além da mídia impressa e virtuais.
Outra cobrança, que deve ser feita de maneira efetiva e com veemência pelo poder municipal (Prefeitura, Codema, Câmara Municipal, Ministério Público), para que a Vale e a Siderúrgica Atlas adote tecnologias mais eficazes de controle de emissões.
É preciso também retomar os estudos epidemiológicos sobre os impactos da poluição na saúde da população, a exemplo do que foi feito pela equipe da USP, coordenada pelo professor Paulo Saldiva, no início deste século, que sugeriu dar continuidade para avaliar os efeitos dessa poluição na saúde cardiovascular da população.
É assim que, a soma das partículas de queimadas, minério e ferro-gusa transforma o ar de Itabira em um coquetel tóxico. A ciência já mostrou os riscos. Agora, cabe às autoridades e à sociedade civil agir com firmeza para proteger a saúde e a vida dos itabiranos.