Arrecadação da Cfem sem fiscalização pode lesar os municípios minerados, diz conselheiro do Codema na audiência da ALMG
Foto: Guilherme Bergamini/ Ascom ALMG
Durante a audiência pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nessa sexta-feira (30), o conselheiro do Codema, Leonardo Reis, levantou uma questão crucial sobre a fiscalização da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem0, o royalty pago pelas mineradoras aos municípios.
Conforme explicou o representante da Cáritas Diocesana no órgão ambiental municipal, esse valor é auto declarado pelas empresas mineradoras, o que abre brechas para irregularidades e possíveis fraudes.
“Não há uma fiscalização adequada sobre a quantidade de minério extraído e exportado. Por ser um valor auto declarado pelas mineradoras, há risco de subnotificação, e os municípios podem estar sendo lesados. Precisamos garantir que essa arrecadação seja transparente e auditada corretamente,” afirmou o conselheiro.
Endosso
A deputada Bella Gonçalves (PSOL), que convocou e coordenou a audiência pública na ALMG, também criticou a fragilidade da fiscalização.
Segundo ela, a Agência Nacional de Mineração (ANM) não tem estrutura suficiente para realizar um controle efetivo dos números apresentados pelas mineradoras. Além disso, a Receita Federal também não dispõe de pessoal especializado para fazer essa verificação específica.
“Se uma mineradora quer pressionar um município, pode simplesmente reduzir a quantidade de minério declarada e, consequentemente, pagar menos Cfem. É uma situação extremamente grave que precisa ser revista,” alertou a parlamentar.
Como encaminhamento, foi proposto um seminário sobre justiça tributária da mineração, com o objetivo de discutir formas de reforçar a fiscalização e garantir que os municípios minerados recebam o que lhes é devido por justiça tributária e compensação pelas perdas incomparáveis.
Histórico da luta pela tributação justa
Essa é uma luta antiga de Itabira, que realizou um Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, em agosto de 1984, para discutir a reforma do antigo Imposto Único Sobre Minerais (IUM), que também era autodeclarado, distribuindo uma fatia mínima aos municípios minerados.
Com a Constituição de 1988, o IUM foi extinto após vigorar desde 1969, cedendo lugar ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo pelo qual passou a ser taxada a produção mineral, mais justo com os municípios minerados, mas que também tem perdas por força da Lei Kandir, que isenta do imposto o minério exportado.
Sonegação bilionária da Cfem
A Cfem foi também uma importante conquista que veio com a nova carta magna brasileira, ainda que sendo objeto de crítica e denúncias de sonegação.
Segundo dados da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig-Brasil), a sonegação da Cfem é um problema histórico e de grande impacto financeiro. Só de 2014 a 2021, cerca de R$ 12,4 bilhões deixaram de ser arrecadados pela União, estados e municípios minerados.
Além disso, relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) indicam que 70% dos títulos minerários não pagam a Cfem. Entre os que pagam, muitos repassam valores menores do que deveriam, chegando a uma diferença de até 40,2%.
O prejuízo total estimado chega a R$ 20 bilhões, montante que poderia ser investido em infraestrutura, saúde e educação – e mesmo em políticas de diversificação econômica para diminuir a dependência desses municípios à mineração.
A Amig-Brasil também denuncia que a falta de fiscalização permite que as mineradoras declarem valores abaixo do real, prejudicando diretamente os municípios minerados.
A ANM, agência reguladora responsável pela fiscalização, tem estrutura insuficiente para coibir essas práticas, por dispor de um número irrisório de fiscais diante da quantidade de processos minerários existentes no país.
Diante desse cenário, a Amig-Brasil reivindica o fortalecimento imediato da ANM, com mais recursos, pessoal e tecnologia para garantir fiscalização rigorosa e evitar que bilhões continuem sendo sonegados.
Esse caso da CFEM escancara mais um capítulo da velha história brasileira: recursos naturais gerando riqueza que não chega para quem realmente precisa. Enquanto mineradoras faturam bilhões, os municípios que abrigam essas atividades ficam com migalhas – quando não são deixados com os passivos ambientais e sociais
Isso não é falha de fiscalização – é projeto. Enquanto não cobrarmos transparência real com punições exemplares, a CFEM continuará sendo mais uma ‘caixa preta’ do extrativismo brasileiro, onde as mineradoras ganham e o povo perde. Cadê o Ministério Público nessa história?